Uma significativa inovação do projeto do novo CPC

Diogo Henrique Dias da Silva

Incidente de resolução de demandas repetitivas: uma significativa inovação do projeto do novo CPC

Nos últimos anos, é clarividente o número intenso de alterações parciais nas leis processuais, o que pode ser exemplificado pela lei 11.232/2005, que estabeleceu um novo regramento relativo à execução por quantia certa.

Todavia, essas alterações pontuais e parciais, embora relevantes, seja no processo civil seja no processo penal, trouxeram um problema, haja vista que "as legislações processuais se tornaram desconexas e sem coesão interna, o que dificulta a compreensão pelos próprios 'operadores do direito', potencializando a complexidade processual" (BARROS; NUNES, 2010, p. 17).

Em razão disso, o enfoque legiferante deslocou-se das alterações parciais para um pensamento reformista, culminando, na esfera civil, no projeto de lei do Senado Federal 166/2010 atinente ao novo Código de Processo Civil, convertido em projeto de lei 8.046/2010 da Câmara dos Deputados.

Assim, diante desse contexto, com a oportunidade de reforma de uma das leis mais importantes do ordenamento jurídico brasileiro, é natural a preocupação dos estudiosos e dos operadores do direito em tecer uma análise crítica a respeito do projeto de lei apresentado.

Dentre as principais inovações trazidas pelo novo Código, está o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que, antes mesmo da sua aprovação, já divide opiniões quanto à sua constitucionalidade.

Se aprovado o código nos termos propostos, será permitido ao Tribunal, através de requerimento, fixar uma tese jurídica ao caso discutido nos autos, de modo que demandas envolvendo idênticas questões de direito não tenham decisões conflitantes.

Trata-se de um requerimento que será dirigido ao Presidente do Tribunal pelo juiz ou relator, por meio de ofício, ou, então, pelas partes, pela Defensoria Pública ou pelo Ministério Público, através de petição, sendo a presença deste último órgão obrigatória até mesmo quando não for ele o requerente.

Com a distribuição do requerimento, o relator designado requisitará informações, com prazo de quinze dias, ao órgão em que está tramitando o processo originário. Ultrapassado esse prazo, será designada data para admissão do incidente e o Ministério Público será intimado.

Após a realização de todas as diligências, incluindo oitiva de partes e dos demais interessados (ex: entidades com interesse na controvérsia) no prazo comum de 15 dias, o relator pedirá dia para julgamento do incidente.

Em seguida, da exposição realizada pelo relator, será aberto novo prazo para as partes e para os interessados se manifestarem, para somente depois ser prolatada a decisão final.

Ressalte-se que a decisão final do incidente deverá ser prolatada no prazo de 6 (seis) meses, o que traz uma exceção à regra do ordenamento jurídico brasileiro, que raramente impõe um lapso temporal para que os magistrados se manifestem acerca dos requerimentos e pedidos das partes.

Outra peculiaridade deste incidente está no campo da eficácia das suas decisões. Primeiramente, vale ressaltar que, na decisão que admite o incidente, será possível determinar a suspensão dos processos pendentes em primeiro e segundo grau de jurisdição.

Noutro giro, quanto à decisão final, tem-se que a tese jurídica fixada será aplicada a todos os processos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, conforme dispõe o artigo 938 do citado projeto de lei 8.046.

Uma questão igualmente importante quanto aos efeitos está na hipótese de interposição de Recurso Extraordinário e Recurso Especial em face da decisão definitiva proferida no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.

Caso o Projeto do novo CPC seja aprovado nos termos atuais, tais recursos constitucionais terão efeito suspensivo, ficando presumida a existência de repercussão geral da matéria eventualmente discutida.

E é justamente nas hipóteses de apresentação de Recurso Extraordinário e Recurso Especial que a lei processual permitirá que a tese jurídica, a princípio de aplicação regional, vincule todo o território nacional, nos termos do parágrafo único do artigo 938 do projeto de lei aqui discutido:

Câmara dos Deputados. projeto de lei 8.046/2010. "Art. 938". Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada a todos os processos que versem idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal.

Parágrafo único. Se houver recurso e a matéria for apreciada, em seu mérito, pelo plenário do Supremo Tribunal Federal ou pela corte especial do Superior Tribunal de Justiça, que, respectivamente, terão competência para decidir recurso extraordinário ou especial originário do incidente, a tese jurídica firmada será aplicada a todos os processos que versem idêntica questão de direito e que tramitem em todo o território nacional".

Por último, ainda quanto à eficácia, o novo código permite o ajuizamento de reclamação perante o tribunal competente se não houver observância da tese jurídica adotada no incidente.

Destarte, diante de todos esses detalhes procedimentais, constata-se que o Incidente de Resolução de Demanda Repetitivas, se incluído na legislação processual, será uma inovação para o Direito Processual Brasileiro, razão pela qual já há discussão no campo doutrinário de modo a se verificar se haverá um avanço ou um retrocesso.

Vários são os posicionamentos, havendo críticas, elogios e sugestões.

Renato Xavier da Silveira Rosa, ao elaborar seu trabalho de conclusão do Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, dissertou justamente a respeito do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.

Em sua obra, Rosa (2010) teceu várias críticas positivas ao instituto, realizando, inclusive, um cotejo analítico entre o Direito Comparado e o Projeto do novo CPC brasileiro.

O autor deixa bem claro durante todo o seu trabalho que o Incidente referido é um meio de Acesso à Justiça, razão pela qual se faz necessário no ordenamento jurídico.

"Essa busca pela molcularização das demandas se insere no contexto da terceira onda renovatória, identificada por Cappeletti e Garth, segundo a qual é preciso se conceber mecanismos processuais que permitam o efetivo acesso à justiça. Nessa linha, é o tratamento coletivo de demandas individuais repetitivas, massificadas, que irá efetivar o acesso de tais litigantes individuais e amortizados à Justiça." (ROSA, 2010, p. 06)

Para Rosa (2010), "acesso à Justiça, de certo, deve ser concebido não como mera admissão ao processo, mas como pacificação com justiça, que não pode ser obtido pelo tratamento incorreto de demandas repetitivas como se individuais puras fossem." (ROSA, 2010, p. 07).

Por outro lado, há aqueles que apontam os pontos negativos do incidente e da forma como está regulamentado no Projeto de Lei 8.046/2010, arguindo até mesmo a sua inconstitucionalidade.

Diógenes V. Hassan Ribeiro, juiz de direito no Estado do Rio Grande do Sul, elaborou um artigo, aduzindo que há quem critique o instituto, pois ele delegará ao tribunal uma função legislativa que não é de sua competência.

"A ditadura do judiciário é a pior das ditaduras, já se disse. Essa argumentação, contudo, tem pouco rigor. Em qual situação estar-se-ia diante de uma ditadura do judiciário. Há quem argumente que o judiciário não poderia revogar o mandato de quem foi eleito para o poder legislativo ou para o poder executivo, assim como sobre quem pode ser jornalista, ou, ainda, quem deve permanecer algemado e em quais condições isso deve ocorrer. Será possível, então, ao judiciário produzir decisões que, a par de suspenderem ações individuais, suprimindo um direito fundamental, ainda contenham tese jurídica que irá decidir milhares de ações em tramitação? Será que o judiciário, com tal decisão, não estará atuando como legislador não mais como julgador?" (RIBEIRO, 2010, p. 21)

Em continuidade, apresenta como ponto negativo também o suprimento do debate processual e da renovação de argumentos que possam trazer outra solução racional ao conflito.

Seguindo esta linha, os questionamentos ainda remetem ao fato de que tal incidente seria uma barreira para a promoção de um modelo de processo democrático, participativo.

"Com a expedição de uma decisão, de uma "tese jurídica", assim obtida em um órgão especial de um Tribunal, não há maior debate e, então, não são examinados, nem conhecidos, argumentos racionais que poderiam, eventualmente, contribuir para outra solução. Com efeito, somente um debate amplo, em um tempo razoável, poderá produzir uma decisão racional que reflita o consenso obtido. Todavia, uma decisão vinda de cima, do órgão judiciário superior, ainda que seja democrática, porque observa as regras vigentes, paradoxalmente não é democrática, porque não obtida por uma ampla discussão". (RIBEIRO, 2010, p. 19)

Nesse sentido, verifica-se que há vários fundamentos contundentes, favoráveis e desfavoráveis à fixação de tese jurídica dominante em demandas repetitivas.

Portanto, o que se conclui é que restou provado o elevado grau de importância da potencial inclusão do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas no ordenamento jurídico, demonstrando-se que o debate doutrinário e, principalmente, legislativo deve ser, neste ponto, intensificado cada vez mais.

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Referências bibliográficas
 

BARROS, Flaviane de Magalhães. ; NUNES, Dierle José Coelho. As reformas processuais macroestruturais brasileiras. In: BARROS, Flaviane de Magalhães; MORAIS, José Luis bolzan. (Org.). Reforma do processo civil: perspectivas constitucionais. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 17-28.


BRASIL. Projeto de Lei nº. 8.046/2010, Novo Código de Processo Civil. Câmara dos Deputados, Brasília, 08 de junho de 2010.
 

RIBEIRO, Diógenes V. Hassan Ribeiro. Primeiras Impressões e Contribuições sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.tjrs.jus.br/site/poder_judiciario/tribunal_de_justica/centro_de_estudos/doutrina/index.html. Acesso em: 24 jan. 2012.

ROSA, RENATO XAVIER DA SILVEIRA. Incidente de resolução de demandas repetitivas: Artigos 895 a 906 do Projeto de Código de Processo Civil, PLS nº 166/2010. 2010. 75 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Disciplina "Temas Centrais do Processo Civil I — DPC 5851-1/1") — Departamento de Direito Processual Civil, Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2010.

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* Diogo Henrique Dias da Silva é advogado do escritório Siqueira Castro Advogados, em Minas Gerais


Fonte: Migalhas

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