Venda de imóvel em inventário sem alvará judicial: Resolução 571/24 do CNJ

Venda de imóvel em inventário sem alvará judicial: Resolução 571/24 do CNJ

Amadeu Tizei de Souza Mendonça

A resolução 571/24 do CNJ desburocratiza a venda de imóveis em inventário, permitindo a alienação sem autorização judicial, agilizando o processo e protegendo os direitos dos herdeiros.

sábado, 19 de outubro de 2024
Atualizado em 18 de outubro de 2024 13:51

A alienação de bens imóveis que integram o espólio, durante o processo de inventário, sempre foi uma questão sensível e cercada de formalidades no direito sucessório brasileiro, apesar de, em certa medida, corriqueira. Tradicionalmente, qualquer venda desses bens exigia a expedição de alvará judicial, após análise e autorização pelo juiz competente. Esse cenário, no entanto, foi significativamente modificado pela resolução 571/24 do CNJ, que introduziu a possibilidade de o inventariante proceder à venda de bens imóveis do espólio sem necessidade de autorização judicial. Essa inovação trouxe uma importante desburocratização ao processo, permitindo a alienação direta por meio de escritura pública, desde que cumpridos requisitos específicos.

A seguir, serão detalhadas as bases normativas dessa modificação, analisando os impactos jurídicos da mudança promovida pelo CNJ e os requisitos indispensáveis para que a venda de imóveis em inventário seja válida e regular, garantindo a proteção dos direitos dos herdeiros e do cônjuge sobrevivente.

1. A possibilidade de venda sem alvará judicial: Fundamento Jurídico e impactos no mercado

A resolução 571/24 trouxe uma importante inovação ao permitir a venda de imóveis do espólio sem a necessidade de alvará judicial, por meio da inclusão do Art. 11-A à resolução 35/07 do CNJ. Agora, o inventariante pode realizar a alienação extrajudicial de bens por escritura pública, desde que haja o consentimento unânime dos herdeiros e do cônjuge ou convivente sobrevivente. Essa medida desburocratiza o processo sucessório, eliminando a obrigatoriedade de autorização judicial e tornando o procedimento de venda mais ágil.

A validade desta alienação está condicionada ao cumprimento de requisitos específicos, como a destinação do valor da venda ao pagamento das despesas do inventário e a garantia de que os bens não estão sujeitos a restrições. Esses requisitos visam assegurar a correta utilização dos recursos e proteger os direitos dos sucessores, sem comprometer a segurança jurídica.

Além de acelerar o processo de inventário, essa inovação gera impactos positivos no mercado imobiliário. A simplificação das vendas de imóveis em inventário permite maior liquidez dos bens e amplia as oportunidades de transações imobiliárias, favorecendo tanto os herdeiros quanto os potenciais compradores. Essa celeridade contribui para dinamizar o mercado, ao permitir que imóveis envolvidos em inventários possam ser negociados com mais facilidade e rapidez.

2. Requisitos para a venda sem alvará judicial

Apesar da flexibilização proporcionada pela resolução 571/24, a venda sem alvará judicial exige o cumprimento de certos requisitos, que visam garantir a regularidade do processo e a proteção dos direitos dos herdeiros. Esses requisitos estão detalhados no Art. 11-A da resolução 35/07 e incluem:

I. Detalhar todas as despesas do inventário, incluindo: Impostos de transmissão, honorários advocatícios, taxas notariais e de registro, outros tributos e custos necessários para a escritura do inventário.

II. Destinar parte ou todo o valor obtido com a venda do imóvel para pagar as despesas mencionadas no item anterior.

III. Assegurar que não há restrições judiciais (indisponibilidades) sobre os bens de nenhum dos herdeiros, nem do cônjuge ou companheiro sobrevivente.

IV. Informar que todas as guias dos impostos de transmissão foram apresentadas, incluindo seus valores correspondentes.

V. Incluir na escritura: Os valores estimados das taxas notariais e de registro e a identificação dos cartórios que forneceram esses orçamentos.

VI. O inventariante deve oferecer uma garantia (real ou pessoal) para assegurar que o dinheiro obtido com a venda será usado para pagar as despesas listadas no item I.

O prazo para o pagamento das despesas relacionadas ao inventário deve ser cumprido em até um ano, contado a partir da data de venda do imóvel do espólio. Esse prazo, no entanto, pode ser reduzido, desde que haja acordo entre as partes envolvidas. O objetivo desse limite temporal é garantir que as despesas essenciais do inventário, como os impostos de transmissão, honorários advocatícios e emolumentos, sejam quitadas de forma eficiente, permitindo a regularização completa do inventário.

Após a quitação integral dessas despesas, a garantia prestada pelo inventariante - seja ela real ou fidejussória - será automaticamente extinta. Essa garantia, exigida como forma de assegurar a correta destinação dos valores da venda, deixa de ser necessária uma vez cumpridas todas as obrigações financeiras relacionadas ao inventário.

Além disso, é importante destacar que o imóvel vendido, apesar de não ser mais objeto de partilha, deve ser devidamente registrado no inventário. Ele será incluído no acervo hereditário, a fim de calcular os quinhões dos herdeiros, emolumentos e impostos devidos. O fato de o bem ter sido alienado previamente à partilha deverá constar na escritura de inventário, evitando qualquer dúvida futura sobre o destino desse patrimônio. Dessa forma, a venda é formalmente reconhecida dentro do processo sucessório, assegurando transparência e regularidade na administração do espólio.

3. O alvará judicial na venda de imóveis: Relevância e aplicação

Antes da inovação trazida pela resolução 571/24 do CNJ, a alienação de bens imóveis em inventário dependia, obrigatoriamente, da expedição de um alvará judicial. Nesse modelo tradicional, o inventariante apresentava uma petição ao juiz, justificando a necessidade da venda. O pedido era submetido à análise judicial, que levava em consideração o interesse dos herdeiros, as condições do espólio, a razoabilidade da alienação e o pagamento dos custos com o inventário. Somente após essa análise e a expedição do alvará, o inventariante poderia proceder à venda do imóvel.

Esse procedimento era necessário principalmente em contextos em que havia divergências entre os herdeiros ou situações de incapacidade jurídica, como a existência de menores de idade ou incapazes entre os sucessores, que exigiam a intervenção direta do Judiciário para proteger seus direitos.

Em inventários judiciais, a venda do imóvel pode ser uma solução eficaz para evitar conflitos prolongados entre os herdeiros, especialmente em casos de bens indivisíveis, como um imóvel, bem como para custear as despesas com o próprio inventário, que costumam ser pesadas.

Suponha-se que uma pessoa falecida tenha deixado três filhos como herdeiros e um único bem patrimonial, como uma casa. Se os herdeiros não chegam a um acordo sobre o destino do imóvel - por exemplo, se um deseja vender e os outros preferem manter a propriedade - o impasse poderia se prolongar indefinidamente, gerando mais atritos.

Neste contexto, a venda judicial surge como uma alternativa para resolver a situação. Mesmo sem o consentimento da maioria dos herdeiros, o inventariante pode solicitar ao juiz a autorização para alienar o bem, através da expedição de um alvará judicial. Ainda que os demais herdeiros tenham preferência na aquisição do imóvel, não podem impedir a venda, caso não exerçam esse direito de preferência. Para isso, devem apresentar uma proposta de compra nas mesmas condições ofertadas por terceiros interessados, assegurando sua prioridade na aquisição.

Embora a resolução 571/24 tenha introduzido a possibilidade de alienação extrajudicial, a venda com alvará judicial permanece uma opção relevante, especialmente em cenários de litígio ou desacordo entre herdeiros. Assim, o modelo tradicional de alienação com autorização judicial continua a ser a via adequada em situações complexas ou de litígio, onde a intervenção judicial é indispensável para garantir a regularidade e a justiça no processo sucessório.

Conclusão

A resolução 571/24 do CNJ, ao permitir a alienação extrajudicial de imóveis em inventário, trouxe importantes inovações para o processo sucessório e o mercado imobiliário. A principal mudança foi a desburocratização do procedimento, eliminando a necessidade de alvará judicial e permitindo que a venda seja realizada diretamente por escritura pública, desde que haja consenso entre os herdeiros. Essa alteração resultou em maior agilidade e economia, uma vez que o inventariante pode concretizar a venda de maneira mais rápida e com menores custos processuais.

Além de tornar o processo mais célere, a alienação extrajudicial ampliou a liquidez dos imóveis envolvidos em inventários, favorecendo a preservação de seu valor de mercado. Antes, a demora na venda decorrente das formalidades judiciais muitas vezes resultava em desvalorização dos bens. Agora, com a simplificação, os imóveis podem ser negociados de forma mais eficiente, o que beneficia herdeiros e compradores, além de dinamizar o mercado imobiliário.

Essa mudança também trouxe mais segurança jurídica para as transações imobiliárias em inventários, pois a regulamentação clara e os requisitos exigidos para a alienação garantem a proteção dos direitos dos herdeiros e do cônjuge sobrevivente. Isso aumenta a confiança de investidores e compradores, que agora podem negociar sem as incertezas e riscos que existiam no antigo modelo.

Por outro lado, a alienação judicial com alvará permanece uma alternativa válida e necessária para situações de litígio ou desacordo entre herdeiros, garantindo que o Judiciário continue a proteger os interesses envolvidos em casos mais complexos.

Em suma, a resolução 571/24 moderniza o processo sucessório e dinamiza o mercado imobiliário, tornando as transações de bens em inventário mais rápidas, seguras e menos custosas, enquanto mantém a proteção judicial em casos que exigem maior controle.

Amadeu Tizei de Souza Mendonça
Advogado de negócios imobiliários, com ênfase em estruturação de operações imobiliárias e perpetuação patrimonial. Sócio fundador do Tizei Mendonça Advogados. Pós-graduado em Direito pela UFPE.

Fonte: Migalhas

                                                                                                                            

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