Voto do ministro Ayres Britto distingue cotas sociais e raciais

Quinta-feira, 26 de abril de 2012

Voto do ministro Ayres Britto distingue cotas sociais e raciais

Seguindo integralmente o voto do relator – ministro Ricardo Lewandowski – o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ayres Britto, votou pela improcedência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186 e reafirmou a validade das chamadas ações afirmativas. “As políticas públicas de justiça compensatória, restaurativas, afirmativas ou reparadoras de desvantagens históricas são um instituto jurídico constitucional”, afirmou o presidente.

O voto enfatizou a distinção entre cotas sociais e cotas raciais, a partir do preâmbulo da Constituição da República – que fala em assegurar o bem estar e na promoção de uma sociedade “fraterna, pluralista e sem preconceitos”.  Para o presidente do STF, o “bem estar” tem caráter material e se refere à distribuição de riquezas, enquanto a fraternidade, a pluralidade e a ausência de preconceitos vão além da questão material. A inclusão de tais expressões no texto constitucional partiu, segundo o ministro, da verificação empírica de “um estado genérico e persistente de desigualdades sociais e raciais”.

O preconceito racial, assinalou o ministro Ayres Britto, é histórico, e existe desde pelo menos o segundo século da colonização. O ministro rechaçou, porém, a ideia de que a nação está pagando pelos erros de seus ancestrais. “A nação é uma só, multigeracional”, afirmou. “O que fez uma geração pode ser revisto pelas gerações seguintes”.

O ministro sustentou que quem não sofre preconceito já se posiciona de forma vantajosa na escala social, e quem sofre internaliza a desigualdade, que se perpetua. O preconceito, assim, passa a definir o caráter e o perfil da sociedade. “Nossas relações sociais de base não são horizontais. São hegemônicas, e, portanto, verticais”, assinalou. “E o preâmbulo da Constituição é um sonoro ‘não’ ao preconceito, que desestabiliza temerariamente a sociedade e impede que vivamos em comunhão, em comunidade.”

Ele ressaltou, porém, que a Constituição não se contentou em proibir o preconceito. “Não basta proteger, é preciso promover as vítimas de perseguições e humilhações ignominiosas”, destacou. Por isso o artigo 3º, inciso III, afirma que são objetivos fundamentais da República erradicar a pobreza e a marginalização, e o inciso IV fala na promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, etc. O artigo 23, inciso X, por outro lado, impõe a todos os entes da Federação “combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos”.

A diferença entre as políticas afirmativas sociais e raciais se explicita, segundo Ayres Britto, quando se constatam “desigualdades dentro das desigualdades”, ou seja, quando uma desigualdade – a econômica, por exemplo – potencializa outra – como a de cor. Daí a necessidade de políticas públicas diferenciadas que reforcem outras políticas públicas e permitam às pessoas transitar em todos os espaços sociais – “escola, família, empresa, igreja, repartição pública e, por desdobramento, condomínio, clube, sindicato, partido, shopping centers” – em igualdade de condições, com o mesmo respeito e desembaraço.

Com esses fundamentos, o presidente do STF encerrou afirmando que a Constituição legitimou todas as políticas públicas para promover os setores sociais histórica e culturalmente desfavorecidos. “São políticas afirmativas do direito de todos os seres humanos a um tratamento igualitário e respeitoso. Assim é que se constrói uma nação”, concluiu.

 

CF/CG

Supremo Tribunal Federal

Notícias

Entenda PEC que quer o fim da escala de trabalho de 6x1

Trabalho Entenda PEC que quer o fim da escala de trabalho de 6x1 Texto foi proposto pela deputada Erika Hilton e depende do apoio de 171 parlamentares para ser analisada no Congresso. Da Redação segunda-feira, 11 de novembro de 2024 Atualizado às 12:07 Uma PEC - proposta de emenda à constituição...

Artigo - ITCMD e doações com elementos no exterior: tema superado?

Artigo - ITCMD e doações com elementos no exterior: tema superado? A incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) em heranças e doações que envolvam doadores e bens de propriedade de de cujus no exterior tem sido objeto de intensos debates no Brasil. Em 2021, em sede do...

Penhora de bem alienado fiduciariamente por dívidas propter rem

Penhora de bem alienado fiduciariamente por dívidas propter rem Flávia Vidigal e Priscylla Castelar de Novaes de Chiara O STJ mudou seu entendimento sobre a penhorabilidade de imóveis alienados fiduciariamente em execuções de despesas condominiais, reconhecendo a possibilidade de penhorar o bem,...

Ministro do STJ exclui área ambiental do cálculo de pequena propriedade rural

Impenhorabilidade Ministro do STJ exclui área ambiental do cálculo de pequena propriedade rural STJ decidiu que, para impenhorabilidade, apenas a área produtiva de pequenas propriedades rurais deve ser considerada, excluindo-se a área de preservação ambiental. Decisão baseou-se em assegurar que...

Tribunal nega registro civil tardio de casamento de bisavós

Tribunal nega registro civil tardio de casamento de bisavós 20/07/2021 Prova de existência de filhos não é suficiente. A 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão do juiz Seung Chul Kim, da 1ª Vara Cível de Cotia, que negou pedido de registro tardio de...