‘O Facebook não vai democratizar a sociedade’

28/06/2012 - 18h57 Institucional - Atualizado em 28/06/2012 - 21h59

‘O Facebook não vai democratizar a sociedade’, diz cientista político no Senado

Nelson Oliveira e Paulo Cezar Barreto

A ideia de que a internet possa curar os males do sistema político representativo, e levar ao paraíso da democracia direta é uma ilusão, no entender do professor de filosofia política da Universidade Federal Fluminense (UFF) Renato Lessa. Ele proferiu na noite de quarta-feira (27) a sexta palestra do Fórum Senado Brasil 2012, que segue até o dia 7 de agosto no auditório do Interlegis.

- O Egito é uma prova de que não é o Facebook quem vai democratizar a sociedade – disse Lessa perante uma audiência composta na sua maioria por estudantes universitários e servidores do Senado.

O conferencista justificou seu ceticismo, ao lembrar que as redes sociais virtuais são consideradas as grandes responsáveis por viabilizar as campanhas políticas contra os governos ditatoriais em muitos países do Oriente Médio e do Norte da África, no que se consagrou chamar de Primavera Árabe. Entretanto, a força mobilizadora dessas redes não logrou converter à região à democracia. No Egito, por exemplo, foi eleito um novo governo para suceder o ditador Hosni Mubarak, mas num quadro institucional ainda controlado pelas forças armadas.

As declarações de Renato Lessa a respeito do papel da internet foram dadas como contraponto à sua explanação sobre o sistema representativo e seus dilemas. Tanto no Brasil quanto em outros países tem sido usual se falar numa crise de legitimidade dos parlamentos, provocada pelo que seria o divórcio entre a vontade dos eleitores (os representados) e os políticos (representantes).

Para o professor da UFF, o sistema representativo já nasceu com uma imperfeição: o representante não espelha o representado, como seria o caso da pintura figurativa, em que o artista busca o máximo de semelhança entre a realidade e o que desenvolve na tela. Além disso, imaginar que um indivíduo possa de fato representar os anseios de uma multidão de indivíduos é algo que está no terreno “da alucinação”, falando do ponto de vista filosófico.

- A representação, desde seu início, foi caracterizada por uma imensa tensão constitutiva. Ela foi criada como uma ficção segundo a qual muitos podem se fazer presentes em poucos – conceituou.

O que há, segundo o cientista, é uma relação de sentido prático, uma vez que dos antigos sistemas de democracia direta, com destaque para a assembleia grega, passou-se a modelos que conferissem direitos eleitorais a contingentes cada vez maiores de pessoas, e em sociedades que marchavam em direção ao sistema capitalista. Quando surgiu, entre os séculos 17 e 18, o sistema representativo não se encaixava no conceito contemporâneo de democracia. Em geral, o direito a voto era oligárquico, privilégio de poucas pessoas e poucos grupos.

Em certos países, o direito ao voto foi conquistado com luta, embora isso não impeça que hoje os cidadãos estejam desanimados com seus representantes. No Brasil, assinalou Lessa, a descrença também é notada, embora o direito ao voto tenha sido muito mais uma concessão ao povo.

Seja lá como for, o cientista político recomenda que a melhoria do sistema representativo venha de fora para dentro, vale dizer, do seio da sociedade para o parlamento, de modo a diminuir a distância entre a identidade política dos eleitores e dos políticos.

Lessa se preocupa com a despolitização dos cidadãos, justamente por levar a um desligamento entre representados e representantes. Em entrevista após a palestra, o professor da UFF comentou os desdobramentos dos recentes movimentos anti-corrupção, que exibiram bastante vigor nas redes sociais, e chegaram a levar manifestações às ruas, mas que até o momento não se constituíram numa força política operante nos dois planos da política: o da praça pública e o do parlamento.

- É um movimento mais moral do que político, por vezes contra o parlamento – alertou o cientista político, ao analisar, entre outros aspectos, a tendência daqueles grupos a fugirem da estrutura de lideranças habitual e da criação ou adesão a um partido.

Quanto ao caráter dispersivo da internet, abrigo de uma miríada de interesses específicos, e distante das grandes bandeiras que mobilizavam as multidões até os anos 80, Lessa prefere não saltar do ceticismo quanto ao real poder de transformação do novo meio para um pessimismo que veria nas redes sociais mais um espaço de manipulação e esvaziamento político.

- Não há computador que vá além do voto. É preciso que se crie um ambiente de discussão, mas a internet pode exercer um papel mobilizador muito interessante – ponderou.

Ao observar de forma bem humorada que “o melhor sistema político é sempre o do vizinho”, Lessa disse considerar perda de tempo a procura da fórmula certa para a reforma política no Brasil. O cientista político contou sobre o grande entusiasmo de estudiosos portugueses pelas regras eleitorais brasileiras, que muitos no Brasil querem trocar pelas portuguesas, como o voto em lista.

Para ele, um dos problemas centrais no Brasil é a formação de partidos cujo objetivo é apenas a busca de votos, e não a criação de uma forte identidade com o eleitor. Isso é agravado pela falta de investimento na qualificação cívica da própria classe política e pela baixa escolaridade do eleitorado.

Por essa razão é que Lessa insiste numa pressão por mudanças com origem em movimentos políticos dotados de forte identidade.

- O processo político não se esgota em eleições. É preciso uma energização cívica extrainstitucional – aconselhou.

 

Agência Senado

 

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