Audiência de custódia gera polêmica em audiência
Deputados e especialistas divergiram quanto a pontos do projeto que altera o Código de Processo Penal. Entre eles, a obrigatoriedade de presos em flagrante serem levados à presença de um juiz em 24 horas
Audiência de custódia e cautelares reais são pontos de discórdia no processo penal

Deputados e especialistas ouvidos pela comissão especial que analisa mudanças no Código de Processo Penal (PL 8045/10) divergiram em relação a duas das medidas previstas no projeto: a obrigatoriedade de os presos em flagrante serem levados à presença de um juiz em um prazo de 24 horas – a audiência de custódia; e as chamadas cautelares reais – a possibilidade de decretação da indisponibilidade, sequestro, arresto e hipoteca de bens de acusados que ainda não foram condenados pela Justiça.
A audiência de custódia, como é chamada a apresentação do preso ao juiz, não está prevista no projeto original analisado pela comissão, já aprovado no Senado a partir de proposta elaborada por uma comissão de juristas, mas está em um dos 119 projetos analisados em conjunto (PL 6620/16) e é recomendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) às varas criminais de todo o País.
Crise carcerária
De acordo com o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), um dos sub-relatores da comissão, nos locais onde as audiências são feitas, cerca de metade dos presos é liberada depois da apresentação ao juiz. “Isso significa que, sem as audiências, metade dos detentos está presa ilegalmente”, disse.
Para o deputado, a análise das prisões pela Justiça logo depois do flagrante pode ajudar a diminuir a crise do sistema carcerário brasileiro. De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de 2014 do Ministério da Justiça, os presos provisórios (flagrantes, temporários e preventivos) correspondem a 40,1% (250 mil presos) da população carcerária brasileira, O percentual é igual ao do deficit de vagas nas prisões.
A audiência de custódia foi defendida por um dos participantes da audiência pública, Thiago de Almeida de Oliveira, professor de Direito Processual Penal.
“O código tem que estar adequado aos tratados internacionais sobre direitos humanos assinados pelo Brasil. Um deles, a Convenção Americana dos Direitos Humanos, diz que toda pessoa tem o direito de ser apresentada em prazo razoável a um juiz”, disse.
Segundo ele, de acordo com o CNJ, a reincidência criminal dos presos liberados depois da audiência de custódia é de apenas 4%. “As audiências não deveriam se limitar aos presos em flagrante, mas a todos os presos”, disse.
Reações
Deputados criticaram a possibilidade de presos serem liberados horas depois do flagrante após uma audiência com o juiz.
O deputado Delegado Edson Moreira (PR-GO), que é delegado da Polícia Civil, disse que a proposta não se adequa à “vida real”. “Na teoria a audiência é muito bonita, mas enfrentar o criminoso na rua é diferente. Quando o criminoso chega na frente do juiz, ele chega de um jeito. Quando está diante do policial, chega de outro. Esta proposta não garante o direito da vítima”, disse.
O deputado Silas Freire (PR-PI) foi na mesma linha. “O Estado tem que se preparar para uma audiência de custódia, ter mais informações e capacidade de monitorar esses acusados que vão responder em liberdade. Eu não sou contra a audiência, mas ela não pode ser uma audiência de soltura”, disse.
Segundo o deputado, no Piauí muitos homicídios são cometidos por reincidentes que foram soltos mediante a exigência de usar tornozeleira eletrônica.
Apesar da polêmica, o relator da comissão especial, deputado João Campos (PRB-GO), que é delegado da Polícia Civil, anunciou que vai incorporar a audiência de custódia ao projeto de lei.
“A audiência de custódia veio para ficar. Não dá para ignorar isso. Não dá para deixar isso de fora do Código de Processo Penal e apenas como recomendação do CNJ. Mas é preciso equalizar isso de maneira a garantir os direitos individuais, mas também os da sociedade”, disse.
ÍNTEGRA DA PROPOSTA:
Edição - Newton Araújo
Juíza defende detalhamento das medidas cautelares reais

As chamadas cautelares reais – indisponibilidade, sequestro, arresto e hipoteca de bens de acusados que ainda não foram condenados pela Justiça – também causaram polêmica na audiência pública da comissão especial que analisa mudanças no Código de Processo Penal (PL 8045/10 e 119 projetos apensados).
Essas medidas são adotadas, no processo criminal, como maneira de garantir futura indenização ou reparação à vítima da infração penal, pagamento das despesas processuais ao Estado ou mesmo evitar que o acusado obtenha lucro com a prática criminosa.
Para a juíza Renata de Alcântara Videira, presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), o detalhamento de cada uma dessas medidas no código vai acabar com os questionamentos legais feitos por advogados aos juízes que determinam cautelares patrimoniais hoje com base apenas em seu “poder geral de cautela” – já que não existe previsão expressa na lei.
“Isso foi feito em um primeiro momento sem nenhuma proteção legal. Essa é a vantagem do projeto: deixar explicitado cada fase do processo, em vez de deixar para interpretação dos operadores do direito”, disse.
Ela apontou, porém, a necessidade de previsão, por exemplo, de um administrador judicial para evitar que os bens se deteriorem e para garantir a legalidade da apreensão.
Sentença antecipada
A medida foi criticada por advogados que participaram da audiência pública. Para Leonardo Sica, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo, quando o juiz adota esta decisão, ele está antecipando a sentença condenatória do acusado.
“Ao afirmar que aquele bem é produto de crime, o juiz já formou sua opinião”, disse. Ele defendeu outra medida prevista no projeto, que é a adoção da figura do chamado juiz de garantias – que vai decidir questões na fase investigatória e não é o mesmo juiz que dará a sentença.
Sica também defendeu que o código defina um prazo máximo para que o bem permaneça apreendido e criticou outros pontos da medida, como a possibilidade de sequestro de bem que não é produto do crime e a possibilidade do bem ser dado para uso da autoridade que pediu sua apreensão.
Marta Saad, representante do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), também criticou a medida. “O Estado não tem como gerir estes bens, e o acusado tem um deficit de recursos para questionar a medida. O modelo hoje não funciona”, disse. Ela também questionou a apreensão de bens que não estão relacionados com o crime.
Mas o relator do projeto defendeu a apreensão de bens de investigados. “Medidas cautelares reais tem um significado importante. O Estado tem a oportunidade de tirar dinheiro do crime, quer seja para reparar danos ou para desestimular os criminosos”, disse João Campos.
Audiência com Sérgio Moro
A comissão especial que analisa mudanças no Código de Processo Penal marcou para o dia 30 de março o depoimento do juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal de Curitiba (PR), responsável pelos processos da Operação Lava Jato na primeira instância.
Moro foi convidado a partir de requerimento da deputada Keiko Ota (PSB-SP).
O anúncio foi feito pelo presidente da comissão, deputado Danilo Forte (PSB-CE), que marcou para 10 de maio da data para que os sub-relatores entreguem seus pareceres. A partir deles, João Campos vai elaborar o parecer final da comissão.
“O maior legado que a Câmara pode dar ao País nesse momento de violência e crise no sistema penitenciário é um novo Código de Processo Penal, já que o atual está superado”, disse.
ÍNTEGRA DA PROPOSTA: