Com avanços na educação, Lei Brasileira de Inclusão completa um ano

Menina com síndrome de Down durante aula em escola pública, entre alunos sem deficiência: educação é uma das áreas às quais a Lei Brasileira de Inclusão mais se dedica  Rodemarques Abreu/SEMED

Com avanços na educação, Lei Brasileira de Inclusão completa um ano

  

Soraya Mendanha | 05/07/2016, 10h16 - ATUALIZADO EM 05/07/2016, 10h32

Com punições para atitudes discriminatórias e com mudanças em áreas como a educação, a Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015), que foi criada há um ano (em 6 de julho de 2015) e entrou em vigor há seis meses (em 2 de janeiro de 2016), representou um grande avanço na inclusão de pessoas com deficiência na sociedade.

— A lei avança na cidadania das pessoas com deficiência ao tratar de questões relacionadas a acessibilidade, educação e trabalho e ao combate ao preconceito e à discriminação. Ela cria um novo conceito de integração total. Questões que eram desconsideradas agora terão que ser discutidas — afirma o senador Paulo Paim (PT-RS), que foi o principal responsável por iniciar o debate sobre a Lei Brasileira de Inclusão no Congresso Nacional há 15 anos, quando era deputado federal.

Ao chegar ao Senado, Paim reapresentou a proposta, que acabou sendo finalmente aprovada. Para o senador, a lei é uma revolução que beneficia 46 milhões de pessoas com deficiência. A norma, que também é chamada de Estatuto da Pessoa com Deficiência, recebe elogios até mesmo fora do Brasil.

No âmbito da inclusão escolar, a Lei Brasileira de Inclusão obriga as escolas privadas a acolher os estudantes com deficiência no ensino regular e a adotar as medidas de adaptação necessárias sem que nenhum ônus financeiro seja repassado às mensalidades nem às matrículas.

A Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), que representa as escolas particulares, questionou a norma por acreditar que ela comprometeria o orçamento dos estabelecimentos de ensino. Em junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu manter a exigência, considerando-a constitucional.

Dificuldades

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) — pai de Beatriz, que tem síndrome de Down — considera fundamental o incentivo previsto na lei e defende que as pessoas com deficiência têm que estar na escola regular com os outros alunos. De acordo com ele, a relação é benéfica para os dois lados.

— Estamos superando a lógica da exclusão, na qual pessoas com deficiência vivem em escolas separadas. A inclusão é boa não só para as pessoas com deficiência, mas para as outras pessoas também, já que elas vão encarar o mundo com maior diversidade. Todos ganham com a inclusão — diz o senador.

A funcionária pública Musa Vila Nova tem um filho autista de 6 anos. Ela diz que a principal dificuldade que enfrentou na vida escolar de Júlio foi fazer o colégio entender que, mesmo não tendo um grau de autismo severo, a criança necessitava de acompanhamento terapêutico. Além disso, a mãe disse sentir falta de material pedagógico especializado e de cursos de capacitação para os professores e os demais profissionais que convivem com essas crianças.

— Tive dificuldade em colocar um auxiliar terapêutico lá dentro, mesmo eu pagando. Para eles [a escola], é difícil entender que a criança não pode estar em uma sala com muitos alunos porque o barulho incomoda muito. Também é ruim não existir nenhum material especial elaborado pela escola para a aprendizagem desses alunos, já que eles são visuais e não aprendem como as demais crianças — explica.

Capacitação

Musa ressalta que qualquer ação, por menor que seja, voltada para a inclusão das pessoas com deficiência no ensino regular deve ser comemorada. Ela diz esperar que as escolas se sensibilizem com a Lei Brasileira de Inclusão e que haja fiscalização das normas previstas.

— É importante a escola entender que essas crianças podem se beneficiar do convívio social. Não haver taxas extras vai ajudar bastante vários pais e mães, já que os custos são muito altos para a estimulação dessas crianças — diz.

O consultor legislativo da área de Cidadania e Direitos Humanos do Senado Felipe Basile explica que, apesar do avanço na educação inclusiva, a Lei Brasileira de Inclusão não prevê capacitação de professores.

Para ele, uma solução para essa falta de incentivo seria uma parceria entre as escolas e o poder público para que juntos criem condições melhores de receber os alunos com deficiência.

Basile acredita que o questionamento dos próprios estabelecimentos de ensino no STF demonstra que a exclusão, as barreiras e a discriminação são fruto de um aspecto cultural. Para ele, o país ainda precisa educar para a inclusão, de modo que as diferenças sejam respeitadas, e não discriminadas.

— Se esse aspecto de educação e cultura forem bem trabalhados, não precisaremos de leis que promovam a inclusão e garantam direitos, porque a pessoa com deficiência passará a ser uma pessoa com condições plenas de exercer seus direitos como qualquer outra. Como isso ainda não acontece, a lei traz remédios bem valiosos para avançarmos nesse quesito — afirma.

Comissão vota projeto que reforça ensino inclusivo

A Lei Brasileira de Inclusão assegura um sistema educacional inclusivo. Tal medida, no entanto, não está clara na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Um projeto que busca resolver esse problema está na pauta da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado (CE) e pode ser votado nesta terça-feira (5).

PLS 208/2016, do senador Romário (PSB-RJ), estabelece que os sistemas de ensino tenham programas e ações para jovens e adultos com deficiência. Essas ações podem ser feitas em parceria com as famílias e em articulação com órgãos de saúde, assistência social e direitos humanos.

Para Romário, a inclusão dessa medida na LDB vai facilitar o acesso dos alunos com deficiência a serviços que garantam o pleno exercício de direitos.

O voto do relator na CE, senador Paulo Paim (PT-RS), é pela aprovação da proposta.

O projeto vai ser analisado em decisão terminativa. Se for aprovado pela comissão e não houver recurso para votação no Plenário, irá para a Câmara.

Escola do DF incentiva integração de alunos com deficiência

O Centro de Ensino Fundamental (CEF) 1, na Asa Norte, em Brasília, é considerado bom exemplo de escola pública inclusiva. Segundo a psicóloga Paola Cecília Duarte, o colégio conta com um projeto pedagógico especial. Os professores são sensibilizados para que entendam o caso de cada aluno e preparem material diferenciado para os que têm deficiência. A escola tem educadores sociais voluntários e passou por uma reforma que melhorou a acessibilidade, como a construção de rampas e a adaptação dos banheiros.

— Precisamos conhecer as potencialidades de cada aluno e adequar a escola a ele. Pensamos muito no aspecto social, na interação dos estudantes com deficiência com os demais alunos e no aspecto acadêmico. Temos flexibilizações curriculares. O aluno é bem acolhido aqui — diz.

Paola afirma que alunos com deficiência chegam à escola com muita dificuldade de interação e em algum tempo passam a ter uma ótima convivência com os colegas. Para ela, o aumento considerável desses alunos faz com que as escolas repensem seus modelos e permite uma rica convivência para todos os lados.

— Percebo uma evolução nas políticas de inclusão. O objetivo principal é a quebra de paradigmas para que no futuro isso se torne uma mudança cultural.

Ministério Público recebe denúncias de violação da nova norma

O procurador Fabiano de Moraes, coordenador do Grupo de Trabalho Inclusão da Pessoa com Deficiência da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, afirma que o Ministério Público Federal vem acompanhando a aplicação da Lei Brasileira de Inclusão.

Quando a norma é desrespeitada, os procuradores tanto recebem denúncias feitas pela população quanto abrem inquéritos civis por iniciativa própria.

Em relação à educação, o procurador informa que o Ministério Público Federal tem trabalhado na eliminação das barreiras que impedem a educação inclusiva, inclusive combatendo os maus comportamentos de estabelecimentos de ensino.

— Ainda existem muitas representações informando sobre discriminação em relação à educação inclusiva. Entretanto, aos poucos as pessoas vêm reconhecendo que a inclusão dessas crianças na escola regular, e não mais a segregação em escolas exclusivas, traz vantagens para todos os alunos, que desde cedo aprendem a conviver com as diferenças, auxiliando na construção de uma sociedade mais solidária e livre de preconceitos — disse o procurador.

Moraes informa que, sempre que houver a violação ou o desrespeito dos direitos garantidos na Lei Brasileira de Inclusão, o cidadão poderá apresentar uma representação ao Ministério Público tanto pessoalmente, num de seus escritórios, como por meio da internet, na Sala de Atendimento ao Cidadão (cidadao.mpf.mp.br).

Seminário discutirá primeiros resultados da legislação

Para comemorar o primeiro aniversário da Lei Brasileira de Inclusão, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado (CDH) vai realizar nesta quarta-feira (6), das 8h30 às 12h30, no Auditório Petrônio Portella, o seminário Estatuto da Pessoa com Deficiência — desafios para a concretização de direitos

O evento já conta com 500 inscrições de pessoas interessadas em debater o papel do Estado e da sociedade na aplicação da nova legislação.

Deverão falar, entre outros, representantes da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

As inscrições podem ser feitas pelo site interlegis.leg.br/eventos.

De acordo com o senador Paulo Paim, presidente da CDH, a intenção é realizar no próximo ano seminários sobre o tema em todos os estados, para que as pessoas se apropriem da lei.

— Levar o Estatuto da Pessoa com Deficiência para a realidade das pessoas é o desafio que se apresenta. A lei que pega é aquela que as pessoas com deficiência ou não se apropriam dela e passam a exigir que seja executada. Se isso for feito, com certeza absoluta estaremos melhorando a vida das pessoas que têm algum tipo de deficiência — pondera.

O senador afirma que é necessário pensar as ações de modo transversal e articulado, incluindo todos, tanto as empresas privadas quanto o poder público como um todo, incluindo governo federal, estados e prefeituras.

Senadores analisam proposta que afeta a figura do curador

Apesar dos avanços assegurados em diversas áreas pela Lei Brasileira de Inclusão, o ponto que trata da chamada curatela tornou-se bastante polêmico e necessitou de ajustes.

A curatela é o encargo atribuído pela Justiça a um adulto capaz para proteger os interesses de uma pessoa judicialmente declarada incapaz, passando a se responsabilizar pela administração de seus bens e por outros atos da vida civil, como assinar contratos e movimentar conta bancária.

Um dos artigos da Lei Brasileira de Inclusão restringiu a curatela a atos de natureza patrimonial e negocial. Um projeto de lei de autoria dos senadores Paulo Paim (PT-RS) e Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), o PLS 757/2015, que foi aprovado em junho na Comissão de Direitos Humanos, tornou “preferencial” a aplicação desse instrumento de proteção. Ao contrário da lei, o projeto passou a admitir o uso da curatela, ainda que em “hipóteses excepcionalíssimas”, em relação a decisões a respeito do próprio corpo, à sexualidade, ao casamento, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.

— O que nós queremos com o aperfeiçoamento da legislação é garantir que a pessoa com deficiência possa escolher quem vai representá-la ou caminhar com ela em momentos de decisões que entendam outros que ela, pela sua deficiência, não poderia tomar — argumenta Paim.

Como solução, o projeto atribui ao juiz a decisão sobre a adoção da curatela caso constate a falta de discernimento da pessoa para a prática autônoma desses atos. Nesse caso e em outros pontos que ficaram omissos, a proposta resgata, com ajustes, dispositivos do Código Civil (Lei 10.406/2002) que haviam sido abolidos pela própria Lei Brasileira de Inclusão.

O projeto agora está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

Agência Senado

 

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