Crise econômica na pandemia reacende debate sobre legalização de jogos no país

Cassino em Las Vegas: regulamentação da atividade no Brasil está em análise no Senado
Leonardo Sá/Agência Senado

Crise econômica na pandemia reacende debate sobre legalização de jogos no país

Da Redação | 05/11/2020, 14h11

O abismo fiscal que espera o Brasil em 2021, com uma dívida pública que chegou a 90% do produto interno bruto (PIB) e um cenário de crise econômica agravado pela pandemia de covid-19, reacendeu no Congresso o debate sobre um tema polêmico: a legalização das apostas no país, com a construção de cassinos em hotéis-resorts, e a liberação de jogos de azar em geral, como o do bicho, caça-níqueis e bingos.

A regularização dos jogos é discutida há quase três décadas no Congresso, considerando-se o PL 442/1991, uma das propostas mais antigas em andamento na Câmara dos Deputados e que pretendia inicialmente legalizar o jogo do bicho. Nesse tempo todo, nunca se chegou a um consenso sobre as vantagens e desvantagens da legalização.

O principal argumento dos parlamentares favoráveis é a receita a ser gerada com o pagamento dos impostos do jogo legal, que reforçaria os cofres públicos num momento de escassez de recursos e poderia ser direcionado para o Bolsa Família, ou para efetivação da proposta do Renda Cidadã. Além disso, seriam criados milhares de empregos diretos e indiretos nos estados e municípios que receberiam empreendimentos semelhantes aos cassinos de Las Vegas (Estados Unidos) ou Punta del Este (Uruguai).

O senador Angelo Coronel (PSD-BA) é um dos defensores da legalização.

— A geração de recursos da tributação de jogos poderia ampliar o alcance do Bolsa Família de 14 milhões de famílias para 22 milhões, ainda aumentando o valor médio recebido de R$ 200 para R$ 300. Isso equivale a mais ou menos R$ 50 bilhões em recursos para custear o incremento do programa. Acredito que os recursos arrecadados devem ser usados na área social, em programa de renda básica, porém isso cabe à gestão orçamentária do governo. Para o Brasil, o que importa é ter a capacidade financeira para custear tal programa — disse Angelo Coronel à Agência Senado.

Problemas

Já os contrários advertem que a liberação dos jogos de azar pode agravar os problemas na saúde, com o alto custo de tratamento dos apostadores contumazes, além de aumentar a exploração sexual e a prostituição e piorar a segurança pública. Também acreditam que a atividade prejudicaria as ações de combate à corrupção, já que, na avaliação deles, os jogos podem se tornar ferramentas para lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e evasão de receitas.

“Sabemos quais os interesses que estão na sombra disso tudo. Defender a liberação dos jogos de azar para financiar programas sociais é um erro terrível. ‘A cada dólar arrecadado com os jogos de azar, três são gastos com custos sociais’ (Earl Grinols)”, argumentou o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), via Twitter.

Girão é um dos maiores críticos da legalização nesta legislatura. Foi dele a ideia de fazer um ciclo de audiências públicas para discutir a instalação de cassinos em resorts pelo país, adiado por causa da pandemia. Na opinião do senador, os debates são uma forma de chamar a atenção da sociedade para o perigo da liberação.

Segundo o parlamentar, a legalização dos jogos de azar, o tráfico de drogas e armas, a prostituição, incluindo a infantil, e outros problemas que ajudam a “devastar as famílias” passam a fazer parte do dia a dia das localidades onde esses espaços são abertos ao público. A medida também abre a porta para a lavagem de dinheiro, a corrupção e a sonegação fiscal, alertou em um discurso feito em junho.

Angelo Coronel não acredita nesse cenário.

— Essa é uma impressão de quem pensa que o jogo vai ser legalizado e não será fortemente regulado, um equívoco. Com forte regulação dos órgãos competentes, com restrição de quem pode prestar a atividade e com o monitoramento do dinheiro, o risco de atividades ilegais é igual ou menor do que em outras atividades econômicas sem tais controles. A autorização para explorar jogos será feita pelo governo federal, com limitações sobre quem pode explorar essas atividades, como regularidade fiscal, idoneidade e ausência de condenações por lavagem de dinheiro, por organização criminosa e por crimes contra o sistema financeiro — defendeu.

Resorts

Somente no Senado Federal há quatro propostas sobre o tema. A mais adiantada na Casa, pronta para a pauta do Plenário, é o Projeto de Lei do Senado (PLS) 186/2014, do senador Ciro Nogueira (PP-PI), que autoriza a exploração de “jogos de fortuna”, on-line ou presenciais, em todo o território nacional, incluindo cassinos em complexos de lazer.

O texto, que foi desarquivado em 2019 e sofreu alterações nas comissões, prevê a regulamentação para jogo do bicho, videobingo e videojogo, bingos, cassinos em complexos integrados de lazer, cassinos on-line e apostas esportivas e não esportivas. O credenciamento para exploração do jogo de bingo e videobingo terá prazo de 20 anos, renovável por igual período, e será de responsabilidade dos estados. Já o dos cassinos terá validade de 30 anos, podendo ser renovado por sucessivos períodos.

Lazer

Na mesma linha está o PL 2.648/2019, do senador Roberto Rocha (PSDB-MA), que autoriza a abertura e exploração de cassinos em resorts ou complexos integrados de lazer. Pelo texto, os cassinos poderão funcionar em hotéis de alto padrão, que ofertem serviços como spas, áreas para prática de esporte ou lazer, casas noturnas, museus, galerias de arte, parques temáticos ou aquáticos, locais para a realização de reuniões e eventos sociais, culturais ou artísticos de grande porte, restaurantes, bares e centros de compras.

Para receberem autorização de funcionamento (concedida pelo Poder Executivo federal), segundo o projeto, serão priorizadas as áreas que apresentam os piores indicadores socioeconômicos de municípios ou região, como PIB, renda per capita, Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Coeficiente de Gini (que mede a desigualdade de renda) ou índice de desemprego.

O relator na Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR), Angelo Coronel, prometeu apresentar sua análise em breve, mas anunciou em entrevista à Rádio Senado no fim de outubro que defende a liberação de todos os tipos de jogos de azar (jogo do bicho, caça-níquel, bingo), não apenas as apostas em cassinos.

— Proponho em meu relatório ao PL 2.648/2019 a legalização de todos os jogos, possibilitando mais de 600 mil empregos formais entre cassinos, jogo do bicho, bingos, caça-níqueis etc.; arrecadação de mais de R$ 50 bilhões, uma fonte de recursos para beneficiar mais de 22 milhões de famílias com benefício mensal de R$ 300; uma forte fiscalização operacional e financeira aos exploradores desses jogos; e o incentivo a políticas públicas para o jogo responsável, impedindo o jogo por pessoas com ludopatia [compulsão pelo jogo] — explicou.

Ainda para liberar os jogos em resorts, há o PL 4.495/2020, do senador Irajá (PSD-TO), que permite a implantação de resorts com cassinos para ajudar a expandir o turismo, especialmente o de negócios, no país.

A exemplo do projeto de Roberto Rocha, a ideia é fomentar o turismo com a construção de uma nova infraestrutura turística, para ampliar e melhorar a visitação internacional ao Brasil e a participação no mercado de feiras e eventos internacionais.

Ecoturismo

Também pensando no turismo, mas com viés ecológico, o PLS 595/2015, do ex-senador Donizetti Nogueira, pretende usar a liberação dos jogos para promover o ecoturismo e a proteção ambiental nas unidades de conservação da natureza do Brasil, por meio da gestão compartilhada com hotéis-cassino autorizados a explorar apostas. De acordo com o projeto, essa autorização será concedida ao empreendimento que investir em desenvolvimento sustentável, proteção ambiental, conservação da biodiversidade e incentivo ao ecoturismo.

O projeto também cria a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a operação de hotéis-cassino (Cide Verde), com alíquota de 18% sobre a diferença entre a aposta bruta e os prêmios pagos ao final no exercício. O relator do texto na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) é o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que propôs a junção dessa proposta com a de Ciro Nogueira.

 

Fonte: Agência Senado

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