Dispositivos vetados da LBI podem ser resgatados por novos projetos de lei
O veto presidencial sobre a cota para contratação de pessoas com deficiência em empresas motivou a apresentação de um novo projeto no Senado Lia de Paula/Agência Senado
Dispositivos vetados da LBI podem ser resgatados por novos projetos de lei
Simone Franco | 21/01/2016, 09h21 - ATUALIZADO EM 21/01/2016, 11h36
Sete vetos foram impostos à Lei Brasileira de Inclusão (LBI), também conhecida com Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) pela presidente Dilma Rousseff. Na avaliação do consultor legislativo da área de Cidadania e Direitos Humanos do Senado, Felipe Basile, o ambiente político atual não estaria muito propício a sua derrubada pelo Congresso Nacional. No entanto, o que ficou fora da LBI poderá estimular não só novas discussões no Parlamento, mas também a apresentação de novos projetos de lei.
O Poder Executivo concordou em manter, na LBI, a reserva de 3% das unidades de programas habitacionais públicos ou financiados com recursos públicos para pessoas com deficiência. Mas derrubou o dispositivo que determinava a adoção do desenho universal de acessibilidade nesses projetos habitacionais. O argumento de veto se baseia na possibilidade de aumento de custos do Programa Minha Casa, Minha Vida.
Para Basile, no entanto, seria importante adotar o desenho universal para que as pessoas com deficiência tivessem acesso a qualquer local, e não somente à própria casa.
— O custo de observar os parâmetros de desenho universal seria irrisório para novas unidades, ao contrário do custo de reformar as já existentes — observou o consultor.
Ao longo de 2015, diversas propostas ligadas à causa da deficiência foram apresentadas no Senado e algumas se aproximam de lacunas abertas pelos vetos à LBI. Esse é o caso do PLS 11/2015, do senador José Medeiros (PPS-MT), que permite a liberação do uso do FGTS pelo trabalhador que necessite executar projeto de acessibilidade em imóvel próprio. É uma saída que se abre, por exemplo, para a falta do desenho universal nos programas de habitação popular.
Cotas e IPI
Outro veto presidencial foi sobre a cota para contratação de pessoas com deficiência em empresas com 50 a 99 empregados. A negativa se fundou na hipótese de aumento dos custos de contratação de mão de obra. Basile entende que o veto, entretanto, perpetua a discriminação.
— Como muitos municípios não têm empresas de grande porte, a inaplicabilidade das cotas de contratação às empresas com 50 a 99 empregados faz com que, para as pessoas com deficiência, não haja, efetivamente, acesso ao mercado de trabalho em grande parte do território nacional — considerou o consultor.
Mas, se depender do Senado, essa batalha ainda não foi perdida. Tramita, na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), o PLS 285/2015, do senador Blairo Maggi (PR-MT), que estende a aplicação das cotas de contratação de pessoas com deficiência para empresas com 15 ou mais empregados.
Processos seletivos
Uma outra política de cota prevista na LBI foi vetada por Dilma. Tratava-se da reserva de 10% das vagas dos processos seletivos de instituições federais e privadas de educação profissional e tecnológica, de educação, ciência e tecnologia e de educação superior para pessoas com deficiência. O argumento para o veto foi a falta de parâmetros para a aplicação dessa cota, que, na opinião de Basile, poderiam ser definidos pelas próprias instituições de ensino.
Atento a essa lacuna, coube ao presidente da Comissão de Educação (CE), senador Romário (PSB-RJ), apresentar o PLS 704/2015 para regular a reserva de vagas para pessoas com deficiência em cursos federais técnicos ou de nível superior. A proposta aguarda votação na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).
Mais um veto de destaque foi o que se dirigiu ao dispositivo que estendia a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na compra de veículos por pessoas surdas e com deficiência intelectual e previa o uso do benefício tributário em valores menores que dois anos em caso de roubo ou acidente com perda total do veículo. A justificativa usada pelo Executivo foi a criação de uma renúncia de receita sem estimativas de impacto e compensações financeiras, em desacordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Basile considerou esse veto “questionável” por algumas razões. Entre elas, eliminar a possibilidade de se corrigir a injustiça de privar as pessoas surdas desse benefício tributário. A rejeição ao recurso à isenção fiscal em prazos menores que dois anos a quem teve o veículo roubado, furtado ou com perda total também inviabiliza, na sua percepção, um direito já previsto e garantido em lei.
Embora não resgate as medidas derrubadas pelo veto, o PLS 20/2015, do senador Waldemir Moka (PMDB-MS), pretende alterar a regra de isenção do IPI para compra de carros por pessoas com deficiência para eliminar a exigência de fabricação nacional do produto. A proposta será votada em decisão final pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).
Agência Senado
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Avanços trazidos pela LBI não impedem questionamentos técnicos e jurídicos
Simone Franco | 21/01/2016, 09h16 - ATUALIZADO EM 21/01/2016, 11h28
Apesar dos avanços trazidos pela Lei Brasileira de Inclusão (LBI), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), a essa fatia da população, alguns de seus dispositivos podem estar sujeitos a questionamentos de ordem técnica ou jurídica. A observação partiu do consultor legislativo da área de Cidadania e Direitos Humanos do Senado, Felipe Basile.
Ao mesmo tempo em que inovou ao reconhecer a autonomia e a capacidade civil das pessoas com deficiência, a norma pode criar embaraços, por exemplo, para quem tem algum tipo de transtorno mental — temporário ou permanente — que impeça a expressão de sua vontade ou total compreensão da realidade a sua volta.
Basile está convencido de que a deficiência não deve, em regra, ser vista como um limitador ao exercício de atos da vida civil. Essa restrição só estaria caracterizada nos casos em que, comprovadamente, se constate discernimento insuficiente ou incapacidade de a pessoa manifestar sua própria vontade. E isso seja em decorrência de deficiência, enfermidade, menoridade ou outra causa.
O ponto crítico levantado pelo consultor remete a alteração específica promovida pela LBI no Código Civil. A nova lei estabelece que a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas. O problema é que esse comando pode inviabilizar o apoio ou a representação de pessoas que sofram redução temporária ou duradoura em sua consciência ou condição de manifestar seus interesses.
— Friso que essas pessoas, com ou sem deficiência, podem sofrer graves prejuízos, pois há casos em que a presunção legal de absoluta capacidade contrastará com uma real inaptidão para formar ou manifestar a própria vontade, para compreender ou comunicar as condições de atos jurídicos e, consequentemente, para exercer direitos e cumprir obrigações — ponderou Basile.
Avaliação e voto
O consultor de Direitos Humanos também mostra reservas em relação a outras duas novidades trazidas pela LBI. Uma delas é a delegação de competência ao Poder Executivo para criar instrumentos de avaliação das diversas deficiências. Sua compreensão é de que isso poderia invalidar laudos e atestados já emitidos com base em normas correlatas anteriores.
— Idealmente, qualquer avaliação ou laudo deveria bastar para identificar a deficiência e permitir que a pessoa possa exercer direitos relativos à acessibilidade, ao atendimento prioritário, a ações afirmativas e à proteção contra a discriminação — considerou.
Basile antevê, com o novo comando, uma burocratização ainda maior no processo para reconhecimento de alguns direitos, como a isenção fiscal para compra de veículo conduzido ou que transporta pessoa com deficiência. Por outro lado, o controle do poder público para afastar o risco de fraudes ou abusos pode limitar o alcance de outros direitos, como o acesso à inclusão escolar, que deveriam se submeter a critérios menos excludentes.
Na visão do consultor, a formulação proposta para garantir o direito à participação na vida pública e política também é polêmica. Sua crítica se dirigiu ao dispositivo que admite, para o exercício do direito ao voto, a permissão para que a pessoa com deficiência seja auxiliada na votação por um acompanhante de sua escolha.
— Como está prevista, facilita a fraude eleitoral e a compra de votos. As pessoas com deficiência passam a estar mais expostas à ação de quem queira oferecer vantagens ou condicionar benefícios ao voto dirigido. Melhor seria garantir a oferta de tecnologias assistivas na votação, ou, no máximo, oferecer treinamento aos mesários, presumivelmente mais impessoais, para prestar auxílio — avaliou Basile.
Agência Senado