Quebra da criptografia pelo WhatsApp geraria insegurança mundial
Participantes de audiência disseram que a polícia tem meios de investigar mensagens sem bloquear aplicativos e alertaram que a quebra da criptografia pelo WhatsApp geraria insegurança no mundo todo
Especialistas criticam decisão judicial que bloqueou WhatsApp
Em audiência pública na Câmara, participantes disseram que a polícia tem meios de investigar mensagens sem bloquear aplicativos e alertaram que a quebra da criptografia pelo WhatsApp geraria insegurança no mundo todo
Especialistas ouvidos em audiência pública da Comissão de Defesa do Consumidor criticaram decisões judiciais como a do juiz Marcelo Maia Montalvão, da comarca de Lagarto, em Sergipe, que bloqueou o serviço do aplicativo WhatsApp em todo o País um mês atrás.
![Audiência pública sobre a suspensão dos serviços de WhatsApp pela justiça brasileira. Membro do Comitê Gestor da Internet (GGI.br), Thiago Tavares](https://www.camara.gov.br/internet/bancoimagem/banco/img201606011214584409844.jpg)
A decisão atendeu a um pedido da Polícia Federal, endossado pelo Ministério Público, depois que o Facebook, dono do WhatsApp, não cumpriu uma decisão judicial anterior de compartilhar informações de mensagens em uma investigação criminal sobre tráfico de drogas.
O debate teve a participação de Thiago Tavares, integrante do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br); de Bruna Castanheira de Freitas, pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (CTS/FGV); de Maria Inês Dolci, coordenadora jurídica da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste); e de Daniel Chamorro Petersen, especialista em Direito da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados.
A comissão também convidou as empresas de telefonia e do WhatsApp, que não mandaram representantes.
Insegurança
Bruna Freitas e Thiago Tavares disseram que o atendimento ao pedido da polícia por parte do WhatsApp implicaria na quebra da criptografia do aplicativo, o que poderia criar uma porta (back door) que permitiria insegurança no sistema no mundo todo.
“Se você deixa vulnerável um elo da cadeia, pode permitir que pessoas mal intencionadas entrem no sistema”, disse Bruna. Segundo ela, o bloqueio não evita o uso do serviço por organizações criminosas, que podem migrar para outros meios de comunicação.
“Não podemos, em nome da segurança, abrir mão da privacidade. Quando você abre uma porta está permitindo a devassa da comunicação. É muito poder atribuído a um grupo de pessoas”, disse Tavares.
![Audiência pública sobre a suspensão dos serviços de WhatsApp pela justiça brasileira. Coordenadora Jurídica da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), Maria Inês Dolci](https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/imagens/imgNoticia-1464799609344.jpg)
Alternativas
O representante do Comitê Gestor da Internet defendeu mecanismos internacionais de cooperação entre autoridades e serviços de internet em vez de bloqueios de conteúdo, que considera uma medida ineficaz no combate a crimes.
Ele deu como exemplo a atuação da rede internacional INHOPE, que no ano passado processou 1,2 milhão de denúncias sobre conteúdos relacionados a abusos sexuais de crianças e adolescentes. “Essa cooperação permitiu que 93% dos vídeos fossem removidos após 24 horas da divulgação”, informou Thiago Tavares.
Segundo Tavares, a polícia tem alternativas para investigar trocas de mensagens por meio de aplicativos, como o WhatsApp, que não passem pelo bloqueio do serviço. “O juiz pode autorizar que um policial se infiltre em um grupo de WhatsApp. Pode também simplesmente mandar apreender um celular, como aconteceu na Lava Jato”, disse o convidado.
Exagero
Maria Inês Dolci considerou exagerada e exorbitante a decisão de bloquear o WhatsApp em todo o País. “A Proteste considera que o bloqueio desrespeita garantia de neutralidade da rede e prejudicou milhões de brasileiros, impedidos de trocar mensagens. Houve um exagero do juiz. A sentença foi desproporcional, pois afetou milhões de usuários”, disse.
A coordenadora da Proteste sugeriu a criação de uma comissão especial, composta por magistrados e um representante da sociedade civil (no caso, do Comitê Gestor da Internet), para decidir sobre casos como este – em vez de permitir que a decisão seja tomada individualmente por um juiz da primeira instância. “A decisão de bloquear deveria ser tomada por um colegiado”, defendeu.
Edição - Marcia Becker
Deputado Marco Tebaldi considera bloqueio do WhatsApp um ato exagerado
Assim como os participantes do debate desta quarta-feira (1º), o presidente da Comissão de Defesa do Consumidor também defendeu que a polícia busque alternativas de investigação
![Audiência pública sobre a suspensão dos serviços de WhatsApp pela justiça brasileira. Dep. Marco Tebaldi (PSDB-SC)](https://www.camara.gov.br/internet/bancoimagem/banco/img201606011215254412576.jpg)
O presidente da Comissão de Defesa do Consumidor, deputado Marco Tebaldi (PSDB-SC), que solicitou a audiência pública de hoje, também criticou o bloqueio, que segundo ele foi exagerado e afetou milhões de pessoas. “Houve um exagero do juiz ao bloquear milhões de usuários. A polícia tem que buscar alternativas mais modernas de investigação”, disse.
Já o consultor legislativo da Câmara dos Deputados Daniel Chamorro Petersen, especialista em Direito, considerou que o bloqueio do serviço do aplicativo WhatsApp fere um direito coletivo fundamental da população, que é o direito à informação. Mas, apesar de considerar, como opinião pessoal, que a medida feriu um direito coletivo, Petersen disse que a doutrina jurídica não é clara a este respeito.
“O bloqueio configura restrição a direito fundamental coletivo da população. Mas isso não é suficiente para concluir que sua restrição foi demasiada. O interesse público também é um valor a ser considerado. Esse foi o conflito. O efeito colateral foi restringir um direito fundamental. A pergunta é: essa restrição a um direito coletivo de acesso à informação é proporcional? Eu prefiro que se proteja o direito fundamental, mas a doutrina é divergente”, disse.
O deputado Severino Ninho (PSB-PE) expressou dúvida parecida. “Qual o maior prejuízo? Bloquear o aplicativo ou permitir que o traficante aja? Eu estou do lado das 100 milhões de pessoas que foram afetadas, mas também estou do lado do juiz. Bandidos não podem ficar livres”, disse.
Casos anteriores
A decisão do juiz de Sergipe não foi a primeira a afetar os usuários de internet e celular no país.
O WhatsApp já tinha sido bloqueado em dezembro do ano passado pela Justiça de São Bernardo do Campo (Grande São Paulo), depois que a empresa se negou a quebrar o sigilo de mensagens trocadas por investigados.
Em fevereiro de 2015, um juiz do Piauí determinou o bloqueio do WhatsApp em todo o Brasil, com o objetivo de forçar a rede social a colaborar com investigações policiais sobre casos de pedofilia.
As duas decisões foram suspensas em seguida.
Períodos eleitorais também motivaram a suspensão de sites ou pedidos de prisão de executivos. Em setembro de 2012, o diretor-geral do Google foi detido pela Polícia Federal, em São Paulo, após a empresa desrespeitar uma decisão da Justiça para retirar vídeos de canais do YouTube e sites do Google com ataques ao então candidato a prefeito de Campo Grande pelo PP, Alcides Bernal.
Outro executivo do Google foi preso, em setembro de 2012, a mando de um juiz de Campina Grande (PB). A empresa tinha se negado a retirar do ar e excluir todos os compartilhamentos de um vídeo contra o candidato à prefeitura Romero Rodrigues, do PSDB. O Google recorreu e conseguiu reverter o pedido de prisão.
Em agosto de 2012, um juiz eleitoral de Santa Catarina determinou que o Facebook fosse tirado do ar no Brasil durante 24 horas. A empresa havia se recusado a cumprir ordem para remover uma página contra o candidato a vereador Dalmo Deusdedit Menezes (PP). A decisão foi suspensa dois dias depois pelo mesmo juiz.
Em 2007, o YouTube ficou fora do ar após se recusar a retirar um vídeo da modelo Daniela Cicarelli em momento íntimo com o namorado.
Edição - Marcia Becker