Estudo inédito aponta que execução penal é falha

Estudo inédito aponta que execução penal é falha e precisa de reformas

15/07/2015 - 09h10

O sistema de execução penal brasileiro e os métodos de cumprimento de pena desrespeitam a legislação em vigor e precisam passar por reforma. É o que revela estudo inédito realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplica (Ipea) a pedido do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para traçar o perfil do reincidente criminal e avaliar se as prisões estão cumprindo tanto a função punitiva quanto ressocializadora, devolvendo cidadãos reintegrados à sociedade.

Os pesquisadores fizeram uma análise quantitativa com o perfil do reincidente e depois foram a campo avaliar as condições de execução penal em três unidades da federação, conversando com juízes, gestores, profissionais de assistência e os próprios presos. As unidades não foram identificadas para evitar críticas direcionadas, considerando o caráter nacional dos problemas enfrentados pelo sistema carcerário.

Embora não apresente conclusão definitiva sobre os motivos da reincidência, considerado um tema complexo e relacionado a múltiplos fatores, a pesquisa aponta que a hostilização dos presos não é a melhor saída. “Boa parte da população, e até mesmo operadores do direito, simplificam muito o problema baseando-se na crença de que penas mais duras, ou o cumprimento de pena em condições de sofrimento, possam persuadir as pessoas a não cometerem mais crimes”, analisa o sociólogo Almir de Oliveira Junior, do Ipea.

O pesquisador avalia que é preciso respeitar a Lei de Execução Penal (LEP) no tocante aos direitos da pessoa humana encarcerada, pois se ouvidos e tratados com alguma equidade, é possível que os presos reformulem seus projetos pessoais. “O país andará na contramão do desenvolvimento enquanto apostar no recrudescimento penal, sem levar em consideração que um histórico de mazelas sociais antecede o ingresso de um indivíduo na carreira criminosa”, pondera Oliveira.

Em campo – Partindo das regras da LEP, a equipe de campo avaliou condições de assistência à saúde, psicológica, social, jurídica, religiosa e material, além da assistência educacional e ao trabalho. Também foi apurada a situação do egresso e a visão dos profissionais do sistema penal e dos condenados sobre reintegração e reincidência.

O estudo conclui que, embora a LEP seja considerada moderna, o Estado não consegue cumpri-la, causando falhas e distorções que agravam a situação dos apenados e abrem caminho para a reincidência. Os pesquisadores destacam que um dos principais desafios é superar o conceito de prisão apenas como punição, investindo no caráter de reintegração previsto em lei.

Para o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, juiz auxiliar Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi, embora a lei busque transformar a conduta daquele que cometeu crime, a aplicação fica no campo de ideias. “Quando o Estado deixou de confiar nas virtudes da LEP, investindo simplesmente em punição e sem atentar para o modo, a qualidade e a maneira como essa resposta deve acontecer, perdemos o foco do que havia de mais significativo em uma legislação que buscava a reconciliação do autor de um crime com a sociedade”, avalia.

Entre as violações encontradas pelos pesquisadores, superlotação e gargalos na execução penal, descaso com o preso provisório e mistura deste com os condenados, assim como entre os detidos por diferentes tipos penais. A pesquisa também indica falta de diálogo entre os atores envolvidos e dificuldades operacionais e de pessoal, como falhas no monitoramento dos regimes semiaberto e aberto e desvalorização e falta de preparo de agentes penitenciários e profissionais de assistência.

Prevenção – O principal problema identificado, no entanto, é a falta de ações efetivas voltadas ao egresso, conforme determina a LEP, e antes disso, políticas preventivas voltadas aos jovens, principal alvo da criminalidade. Um gestor resume a situação, dizendo que se preocupa mais com a alta taxa de novos criminosos que com os reincidentes.

Os chamados “irrecuperáveis” também são citados, sendo que os próprios presos avaliam que há casos em que a conduta não se altera ainda que Estado e sociedade ofereçam oportunidades. Também se aponta um paradoxo, em que o crime compensaria não apenas pelas supostas vantagens financeiras, mas também pelos benefícios obtidos com a prisão, que mesmo em condições ruins, oferece moradia, alimentação, assistência médica e psicológica, oportunidade de trabalho e estudo e emissão de documentos.

“Havia a percepção de que a maioria dos internos possuía uma história de vida repleta de exclusão, na qual não teriam tido acesso aos direitos básicos. Por isso, reinserir não seria o termo adequado para se aplicar a esses indivíduos”, apontam os pesquisadores em trecho do estudo.

Sugestões – A pesquisa sugere que o Estado se empenhe no combate à ociosidade do preso investindo na ampliação de oportunidades de trabalho e estudo (hoje existem, mas faltam vagas) e atue para reduzir o estigma dos ex-condenados junto à sociedade. Também incentiva a motivação individual do preso, a aproximação da família e da religião, e o fim do tráfico e uso de drogas dentro das cadeias, que embora proibidos, foram amplamente identificados.

Os pesquisadores também apontam a necessidade de um plano nacional de execução penal e de planos estaduais para regulamentar e padronizar o tratamento penal. Outras sugestões são políticas de reintegração do egresso na sociedade baseadas no tipo de crime cometido, atuação de conselhos de comunidade junto às varas de execução penal, programas e projetos que atentem para condição juvenil do preso e mais informações e avaliações para embasar políticas públicas.

Citado diversas vezes por seu papel na elaboração de políticas e projetos de atenção ao preso e ao sistema carcerário, o CNJ continua agindo para ajudar a mudar essa realidade, como nos projetos Cidadania nos Presídios e Audiências de Custódia. “O CNJ aposta, desde o Poder Judiciário, em uma atuação diferenciada nas duas pontas do sistema de justiça, marcando a presença do Estado de modo articulado, sistemático e efetivo, individualizando a intervenção e cobrando a responsabilidade da pessoa que se submete ao sistema de justiça. Esse é o salto de qualidade que as metas da gestão da presidência do Ministro Ricardo Lewandowski proporcionam para um novo olhar do sistema prisional do país”, analisa Lanfredi.

Clique aqui para acessar a pesquisa.

Débora Zampier
Origem da Fonte/Foto: Agência CNJ de Notícias

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Um em cada quatro condenados reincide no crime, aponta pesquisa

15/07/2015 - 09h05

Pesquisa inédita realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a pedido do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revela que a cada quatro ex-condenados, um volta a cometer crime no prazo de cinco anos, uma taxa de 24,4%. O resultado foi obtido pela análise amostral de 817 processos em cinco unidades da federação - Alagoas, Minas Gerais, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro.

O estudo considera apenas o conceito de reincidência legal - conforme os artigos 63 e 64 do Código Penal, só reincide aquele que volta a ser condenado no prazo de cinco anos após cumprimento da pena anterior. Outros levantamentos já realizados sobre reincidência, com taxas mais elevadas, costumam considerar a quantidade de indivíduos que volta a entrar nos presídios ou no sistema de Justiça criminal independentemente de condenação, caso dos presos provisórios.

Coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, o juiz auxiliar Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi destaca a importância de observar os diferentes tipos de reincidência para otimizar políticas em diferentes frentes. “É imprescindível lidar melhor com todas as ações e opções desde o primeiro momento em que uma pessoa tem contato com o sistema de Justiça criminal, fomentando medidas que desestimulem o crime e resultem em investimento social”.

Perfil – A pesquisa também traz detalhes sobre o perfil do reincidente: ele é jovem, do sexo masculino, tem baixa escolaridade e possui uma ocupação. Também foi identificada maioria de brancos reincidentes, mas os pesquisadores alertam para possíveis distorções, uma vez que esse item obteve a maior quantidade de abstenções nas respostas: no universo de 817 processos pesquisados, 358 não traziam informação sobre raça ou cor.

Quanto ao gênero, o estudo destaca a tendência de homens a reincidir no crime. Embora o sexo masculino já seja maioria na amostra total de condenados (741 entre os 817 casos analisados), a diferença aumenta significativamente com a reincidência - entre os não reincidentes, a proporção entre homens e mulheres é de 89,3% para 10,7%; entre os reincidentes, a diferença aumenta para 98,5% e 1,5%.

Para o sociólogo Almir de Oliveira Junior, do Ipea, é importante estabelecer um perfil do reincidente para investir em políticas públicas mais efetivas. “Existem as pessoas que simplesmente passam pela Justiça criminal e aquelas que realmente sobrecarregam o sistema. A tendência do reincidente é continuar reincidindo, de modo que é preciso ter um trabalho mais intenso e cuidadoso do Estado com quem está nessa situação”, avalia.

Processual – Os pesquisadores também chegaram ao perfil dos reincidentes a partir de critérios processuais. Crimes contra o patrimônio, como roubo e furto, são maioria entre a amostra total de condenados, mas ainda mais frequentes entre os reincidentes (50,3% em comparação com 39,2% entre os primários). Outros tipos penais que tiveram maior proporção entre os reincidentes são aquisição, porte e consumo de droga (7,3% contra 3,2%), estelionato (4,1% contra 3,2%) e receptação (4,1% contra 2,0%).

Já o crime de tráfico de drogas tem maior porcentagem entre os não reincidentes que entre os reincidentes (19,3% contra 11,9%), assim como homicídio (8,7% contra 5,7%) e lesão corporal (3,4% contra 2,6%). Os crimes de porte ilegal e posse irregular de arma de fogo têm praticamente o mesmo índice entre os dois perfis, de 6% entre os primários e 6,2% para reincidentes.

Embora o tempo para condenação seja próximo para ambas as categorias, com média de um ano e onze meses até a sentença, os reincidentes tiveram um tratamento mais rígido na punição, conforme estabelece o Artigo 61 do Código Penal. Receberam mais pena privativa de liberdade que os primários (89,3% contra 75,7%), além de menos penas alternativas (6,6% contra 9%) e menos suspensão condicional da pena (3% contra 13%). Mais reincidentes já estavam presos provisoriamente no momento da condenação, uma taxa de 54,3% em comparação com 49,6% entre os primários.

Estudo – Iniciado em 2011, o estudo Reincidência Criminal partiu de uma amostra de indivíduos que terminaram de cumprir pena em 2006. A reincidência pregressa foi detectada nos registros processuais disponíveis, e a reincidência posterior considerou se houve nova condenação entre 2006 e 2011. A análise dos dados envolveu uma equipe multidisciplinar de advogados, sociólogos, antropólogos, cientista social e estatístico.

Além de obter dados quantitativos e qualitativos sobre reincidentes, a pesquisa analisou se as prisões estão cumprindo a função ressocializadora prevista na Lei de Execução Penal (LEP). Essa fase consistiu na apuração presencial da realidade carcerária de três estados e suas tentativas de melhorar a gestão do sistema, ouvindo juízes, gestores, profissionais de assistência e os próprios presos.

Essenciais para formulação de políticas de execução penal, com efeitos diretos na área de segurança pública, as pesquisas envolvendo o sistema carcerário revelam a urgência do tema - a população nos presídios brasileiros cresceu 83 vezes em 70 anos, e já somos o quarto país que mais encarcera no mundo (607,7 mil) – atrás de Rússia (673,8 ml), China (1,6 milhões) e Estados Unidos (2,2 milhões).

Para o coordenador do DMF/CNJ, os elevados índices de criminalidade decorrem da sensação de impunidade, que deriva da incapacidade do Estado de intervir de maneira transformadora na vida de quem pratica infrações. “Quanto mais o Estado deixa de individualizar o tratamento dispensado ao autor de uma infração, o primeiro instante da prisão até a final execução de uma pena, maior é a realidade de que a prisão será insuficiente para transformar o ser humano que um dia estará de volta ao convívio social”, avalia Lanfredi.

Clique aqui para acessar a pesquisa.

Débora Zampier
Origem da Fonte/Foto: Agência CNJ de Notícias

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