Leitura obrigatória

Miguel Siqueira, promotor de Justiça em TO, e estudantes no programa 'Aprendendo Direito' 

25/10/2013 - 19h40 Especial - Atualizado em 25/10/2013 - 20h48

Pesquisa DataSenado mostra que poucos conhecem realmente a Constituição

Cintia Sasse (Jornal do Senado)

Não há como negar que a Constituição brasileira é extensa. Tem 250 artigos e só um deles, o quinto, dos direitos e garantias fundamentais, apresenta nada menos do que 78 incisos. Porém, mesmo tão detalhista e com linguajar técnico, deveria ser leitura obrigatória para a maioria dos brasileiros. Afinal, é a principal lei do país. No entanto, são poucos os que realmente a conhecem. E há uma expressiva parcela que declara desconhecê-la totalmente ou ter baixo conhecimento do texto que garantiu a volta da democracia ao Brasil e direitos que mexeram com a vida de todos os seus cidadãos.

Essa percepção foi confirmada por pesquisa do DataSenado feita com exclusividade para esta edição especial. Foram ouvidas 811 pessoas maiores de 16 anos, de todo o país, entre 18 e 30 de setembro deste ano.

— É preocupante que 7,8% da amostra revelem não ter nenhum conhecimento da Constituição e outros 35,1% declarem ter um baixo conhecimento dela — avalia o consultor do Senado na área de Direito Constitucional João Trindade.

As teorias acadêmicas, segundo ele, apontam a importância da participação popular, com a criação de canais para ouvir a sociedade, como as audiências públicas do Supremo Tribunal Federal. Instituídas em 1999, elas só saíram do papel em 2007, quando o então ministro Ayres Britto convocou debate sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.510, que impugnava dispositivos da Lei de Biossegurança (11.105/2005).

Depois disso, passou a ser uma prática. Já está convocada para novembro, por exemplo, audiência para ouvir os argumentos contrários e favoráveis ao Programa Mais Médicos, antes de o relator, ministro Marco Aurélio Mello, se pronunciar sobre as ações que questionam a iniciativa do governo. No entanto, com uma proporção tão grande de brasileiros que desconhecem a Constituição ou a conhecem pouco, essa aproximação com a sociedade pode estar produzindo apenas um “verniz democrático”, alerta o consultor.

Ou seja, a maior participação popular, amparada na teoria do jurista alemão Peter Häberle, bastante difundida no meio acadêmico, de que toda a sociedade interpreta a Constituição (e não apenas os órgãos públicos), pode ainda estar longe de ser alcançada. Outro dado da pesquisa reforça essa análise: apenas 5,3% dos entrevistados conhecem bastante o texto.

E quem seriam eles? Em um país em que a maioria quase não se interessa por política, lê pouco e enfrenta deficiências no ensino, poderia se supor que só seriam advogados, juristas, juízes, promotores, estudantes de direito, lideranças políticas e comunitárias, entre outros. No entanto, lembra Trindade, os concursos públicos acabaram produzindo um “efeito colateral” positivo: o conhecimento profundo da Constituição.

— Direito Constitucional e Português são matérias básicas para qualquer concurso, mesmo para contratações de nível médio — diz ele, que dá aulas há sete anos em um dos cursinhos mais conhecidos de Brasília.

Assim, candidatos de áreas sem nenhuma afinidade com o Direito, por exemplo, com graduações em desenho industrial, artes plásticas, cinema ou educação física, são obrigados a dissecar o texto constitucional para disputar as vagas.

— Há casos interessantes de alunos que se empolgam tanto ao tomar contato com a Constituição que resolvem cursar Direito, antes ou depois do concurso — ilustra Trindade, que também é professor em uma das faculdades de Direito da capital.

Essa contribuição dos concursos na divulgação da Carta é muito importante. O tamanho dela, uma das mais extensas do mundo, e o linguajar jurídico desencorajam não só o cidadão comum. Grande parte dos bacharéis em Direito, segundo o professor, nunca leu a Constituição toda. Conhece apenas alguns artigos, como o 5º e o 37.

— Se isso acontece com os bacharéis, imagine com o cidadão comum.

Outras leis, como os Códigos de Defesa do Consumidor e o Penal, são mais conhecidos. O artigo do Código Penal que trata do estelionato tornou-se tão popular que passou a classificar pessoas.

— É comum ouvir frases como “esse cara é 171” — cita.

Diante de todas essas dificuldades, como se explica que boa parte dos brasileiros, 46,2% dos que declararam ter algum grau de conhecimento da Constituição, avalie que o Brasil melhorou depois de 1988?

— O cidadão associa a Constituição a um momento histórico. Antes, apenas alguns tinham acesso ao Inamps. Agora há o SUS, que universalizou o atendimento à saúde. O cidadão pode não conhecer o texto constitucional, mas tem a percepção de que ele contribuiu para melhorar a sua vida — esclarece Trindade.

Para popularizar a Constituição, é necessário esforço de toda a sociedade. Na visão do consultor, ela deveria ser matéria obrigatória na grade curricular dos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Atualmente, há diretriz pedagógica para as escolas trabalharem temas ligados à cidadania. Mas, segundo Trindade, os conhecimentos geralmente são superficiais e não são vinculados diretamente à Constituição.

 

Agência Senado

 

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