Modelo inovador garante menor índice de reincidência criminal de jovens

Foto: Marco Zaoboni

Modelo inovador garante menor índice de reincidência criminal de jovens em Pernambuco

12/01/2015 - 09h07 

Uma pequena unidade do sistema socioeducativo em Pernambuco foge à regra de violência, drogas e alto índice de reincidência criminal que assola praticamente todo o restante das fundações e presídios do país. Na Fundação de Atendimento Socioeducativo (Case) de Jaboatão os adolescentes têm a oportunidade de refletir sobre sua conduta sem a presença de celas ou pavilhões, frequentam a escola todas as manhãs e, no restante do tempo, realizam oficinas criativas e esportes. Lá, vivem em casas acolhedoras e contam com salas temáticas de educação, organizadas conforme o nível de ensino dos reeducandos. O índice de reincidência no crime dos jovens que passam por lá é de 13%, enquanto que no Nordeste chega a 54%, o mais elevado do país, segundo dados de 2012 do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O modelo de ressocialização foi vencedor do Prêmio Innovare em 2014.

O Case Jaboatão foi construído em 2006 e tem capacidade para abrigar 72 educandos que são distribuídos em cinco casas feitas para causar nos jovens a sensação de estar em uma moradia de fato. Assim, há a “Casa diagnóstico”, onde o recém chegado permanece por uma semana; a “Casa acolher”, onde fica nos três primeiros meses e começa a ser inserido nas atividades; a “Casa compartilhar”, onde passa a morar e dormir em um quarto, se apresentar convivência pacífica nos primeiros meses; a “Casa convivência protetora”, para meninos que possuem desafetos no local e passam por lá até se resolverem, com o auxílio dos funcionários; a “Casa projeto de vida”, onde o jovem é transferido após nove meses de internação e começa a planejar seu futuro e a “Casa novo rumo e pé na estrada”, quando aguarda a decisão da Justiça para ser finalmente liberado ou progredir para o regime aberto.

Aprendizagem - O ensino escolar é feito de acordo com eixos temáticos de aprendizagem, ou seja, um mesmo tema da atualidade e que faça parte da realidade dos jovens é aproveitado para diferentes disciplinas. Assim, por exemplo, a questão da violência contra a mulher foi levada às aulas de matemática, geografia, informática, dentre outros.

Após o período escolar, os jovens podem frequentar 15 atividades realizadas no espaço da escola, em salas de educação artística, robótica, capoeira, alfabetização, dentre outros. Uma das salas que chama a atenção é o espaço de montagem de cidades com blocos de encaixe, um dos preferidos dos jovens. “Aqui o jovem não é submetido a viver em um local com aspecto de cadeia. Os meninos chegam quase sempre de uma realidade de tráfico e assaltos, alguns não sabem ler aos 15 anos”, diz Adalberto Teles, psicólogo e professor do Case, um dos responsáveis pelo projeto de educação que ganhou o Prêmio Innovare na categoria “prêmio especial”.

O Case Jaboatão aceita meninos que entraram em conflito com a lei entre os 12 e 15 anos, que saem de lá muitas vezes com uma profissão, prontos para atuar, por exemplo, como professores de capoeira ou instrutores de robótica e atividades artísticas nas escolas. De acordo com o projeto, as práticas diárias de reeducação têm sempre como centro o ambiente escolar e a intenção de proporcionar ao reeducando a sensação de acolhimento e afeto que lhe fazem falta na família e na sociedade. Segundo Teles, uma das tarefas desenvolvidas junto aos adolescentes é escrever a sua história em uma autobiografia que é posteriormente publicada pela Fundação, fazendo com que eles reflitam sobre sua trajetória. 

O resultado do projeto é a garantia, desde 2012, de um índice de reincidência criminal que pode ser considerado baixo (13%) se comparado com o índice de reincidência do sistema socioeducativo no restante do país, de 43,3%, e mais ainda com o percentual da Região Nordeste, de 54%, de acordo com a pesquisa “Panorama Nacional de Execução das Medidas Socioeducativas de Internação” realizada em 2012 pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do CNJ. 

Carência de recursos – O principal entrave para que o projeto se desenvolva – e, mais que isso, possa ser implantado em outras fundações do Estado -, é a falta de recursos com que se deparam diariamente os professores. De acordo com Teles, para que os alunos não se sintam desestimulados, inúmeras vezes os próprios professores acabam arcando com despesas para cobrir o material que falta, como papéis, tintas, conserto de computadores, e ainda se esforçam para tentar buscar patrocínio junto a instituições privadas. Desta forma, todo o material de robótica foi obtido por meio de doações de empresas que se sensibilizaram com a proposta. De acordo com Teles, o projeto encaminhou recentemente um pedido à Receita Federal, para doação de computadores apreendidos, mas ainda não obteve resposta. “Acredito que esse modelo centrado na educação pode ser levado a outras unidades socioeducativas e mesmo às unidades prisionais de adultos”, diz Teles. 

Assistência após a liberdade – Com o sucesso do projeto pedagógico do Case Jaboatão, Teles e outros professores da unidade começam a desenvolver um trabalho voluntário com jovens que saem da instituição, e são convidados a participar quando ainda estão lá dentro. Trata-se do projeto “Convivendo com o ECA (Estatuto da Criança e Adolescente) sem preconceitos na escola”, que realiza o acompanhamento dos jovens em sua ressocialização e na retomada dos estudos. O projeto realiza o contato frequente com os jovens e com a família para a orientação, a continuidade da prática de capoeira, aulas de reforço escolar – por meio de uma parceria com o projeto Patrulha Escolar, realizado junto aos piores alunos das escolas públicas de Recife – e a inserção no mercado de trabalho. Os cinco primeiros jovens que participaram no projeto já começam a atuar como monitores em escolas de Recife. 

De acordo com Teles, muitos menores saem de lá e, sem acompanhamento, com pouca estrutura familiar e enfrentando o preconceito da sociedade, acabam novamente no tráfico. “Precisamos de patrocínio ou apadrinhamento para que o projeto cresça”, diz.

Mutirões socioeducativos do CNJ – O Programa Justiça ao Jovem, do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, tem a função de fiscalizar o sistema socioeducativo nacional por meio de visitas a unidades de internação de todo o País. O trabalho tem o objetivo de verificar se o atendimento aos adolescentes em conflito com a lei está de acordo com o previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).

A partir das ações do programa, o CNJ constatou, em todas as regiões do País, deficiências prejudiciais à ressocialização dos jovens: unidades de internação em número insuficiente, superlotadas e insalubres; denúncias de violência contra os internos; escassez e despreparo de agentes socioeducativos e acesso precário dos adolescentes a atividades psicopedagógicas. O programa ocorre por meio de inspeções às unidades de internação, em que magistrados do CNJ verificaram a situação das instalações e fizeram um diagnóstico do sistema socioeducativo dos estados.

Em 2012, o programa Justiça ao Jovem visitou 59 entidades de internação de adolescentes em conflito com a lei em 15 unidades da federação, com o objetivo de garantir o cumprimento da legislação. Nessas visitas, o CNJ retornou aos estados cujos sistemas socioeducativos foram identificados como os mais precários do País no Panorama Nacional de Execução das Medidas Socioeducativas de Internação, no intuito de garantir tratamento adequado aos jovens.

Em 2013 e 2014, o CNJ realizou dois mutirões socioeducativos no Piauí e em Alagoas que tiveram grande destaque. Nas visitas, foram analisados processos de adolescentes em conflito com a lei para verificar se os internos tinham direitos a serem reconhecidos. Além disso, foram emitidos documentos aos jovens, como carteiras de identidade e de trabalho. 

Prêmio Innovare – Criado há dez anos pelo Instituto Innovare e pelo Ministério da Justiça, em parceria com outras entidades, o prêmio busca incentivar práticas inovadoras voltadas para a modernização e otimização dos trabalhos na Justiça brasileira. Em 2014 foram 367 projetos inscritos.

Os vencedores não são contemplados com premiação em dinheiro, mas têm suas iniciativas amplamente divulgadas. Algumas delas ao longo dessa primeira década de realização foram adotadas e recomendadas pelo CNJ como políticas públicas para eficiência do Poder Judiciário.

Também são entidades parceiras no Prêmio Innovare a Associação dos Magistrados Brasileiros, Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Nacional dos Procuradores da República e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), com o apoio das Organizações Globo.

Luiza de Carvalho
Agência CNJ de Notícias

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