Mudanças na execução penal podem reduzir superlotação e poder de facções

15/01/2014 - 10h20 Especial - Atualizado em 15/01/2014 - 10h29

Para consultor, mudanças na execução penal podem reduzir superlotação e poder de facções

Da Redação

Medidas previstas no projeto de reforma da Lei de Execução Penal, em tramitação no Senado (PLS 513/2013), podem reduzir a incidência de rebeliões como as do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, que tiveram repercussão nos últimos dias. A avaliação é do consultor legislativo Tiago Ivo Odon. Para ele, além de tornar mais ágeis os processos, o projeto traz medidas que podem reduzir o poder de facções nos presídios.

O texto, elaborado por uma comissão de juristas nomeada pelo Senado, prevê quase 200 alterações na Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984). Entregue no final de 2013, será agora analisado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Um dos principais objetivos é justamente reduzir a superlotação nos presídios, apontada como principal causa das rebeliões.

De acordo com o relatório elaborado pelos juristas, o Brasil é o quarto país do mundo em número absoluto de presos. E esse número, segundo o texto, tende a aumentar consideravelmente. Entre 2005 e 2012, a população carcerária no país cresceu mais de 64%, passando de cerca 334 mil presos para 550 mil. Com isso, a proporção de 181 presos para cada 100 mil habitantes cresceu para 279 presos.

- Segundo as estatísticas, se o ritmo de crescimento continuar como está hoje, em dez anos teremos mais de um milhão de presos - afirma o consultor.

A informatização de todo o processo, desde o recolhimento até a soltura do preso, é uma das principais inovações propostas, na opinião de Tiago Odon. O projeto prevê a criação de centrais informatizadas para controlar, em tempo real, as vagas e o cumprimento das penas. As guias, hoje de papel, passariam a ser emitidas por meio eletrônico. As mudanças devem reduzir a burocracia no sistema prisional.

Uma das consequências desse novo processo é o fim dos alvarás de soltura. Ao final da pena, não será mais necessário esperar o documento expedido pelo juiz de execução, o que hoje leva pessoas que já deviam estar soltas a permanecer na prisão. O fim do tempo será informado pelo diretor do presídio ao juiz com 30 dias de antecedência. Se não houver manifestação, a liberação será automática, na manhã do dia previsto para a liberação. A transferência de regime também será automática.

- Tudo vai ser feito em tempo real e o projeto torna direito do preso ter conhecimento da situação sempre que quiser - diz o consultor.

Capacidade dos presídios

Ainda no que diz respeito à superlotação, o texto elaborado pelos juristas proíbe o recebimento de presos além da capacidade do estabelecimento. Quando o limite de lotação for atingido, terão de ser realizados mutirões carcerários para avaliar a situação dos presos e abrir novas vagas.

Tiago Odon, no entanto, alerta para o risco de que a mudança não surta tantos efeitos na prática. Hoje, por exemplo, a lei já prevê o máximo de um preso por cela, o que não é cumprido. O texto amplia esse número para oito presos, número ainda distante da realidade de algumas penitenciárias.

Se houver o cumprimento da lei, presos em estabelecimentos com limite excedido podem ganhar o direito de obter progressão antecipada de regime. O benefício, de acordo com o projeto, será concedido aos que estiverem mais perto de completar o tempo para a progressão.

O projeto também proíbe a permanência de presos provisórios nas penitenciárias e prevê a criação de cadeias públicas, estabelecimentos adequados a esse tipo de preso, em todas as comarcas. Além disso, elimina as carceragens nas delegacias, que também têm sido usadas para abrigar presos em situação provisória. Todas as carceragens deverão ser extintas até quatro anos depois da vigência da lei.

Penas alternativas

Tiago Odon também destacou como avanço do projeto para diminuir a quantidade de presos a ampliação das possibilidades de penas alternativas. Para ele, há uma pressão da sociedade, que considera as penas restritivas de direitos - como prestação de serviços - um incentivo à impunidade. Com isso, é mantida uma cultura, por parte dos juízes, de privilegiar a prisão.

- O texto ignora requisitos que há hoje, no Código Penal, para a conversão, o que é muito bom. Essa previsão força um pouco a aplicação das penas alternativas - avaliou o consultor.

A conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, atualmente, é permitida no caso de penas de até dois anos para condenados em regime aberto, mas o projeto a torna possível em penas de até 4 anos em regime semiaberto.

Além de facilitar a conversão de penas, o projeto prevê a extinção das casas do albergado, estabelecimentos penitenciários para presos submetidos ao regime aberto. Pelo projeto, esses presos serão submetidos ao regime domiciliar, em que o condenado pode trabalhar e estudar, mas permanece recolhido em casa nas horas de folga. Como não há albergues suficientes, muitos juízes, atualmente, já permitem o cumprimento do regime aberto em casa.

Poder de facções

Outras alterações presentes no projeto que não receberam tanto destaque, na opinião do consultor, podem contribuir para a redução no número de rebeliões. Isso porque, embora a superlotação seja apontada como principal causa das revoltas, a ação de facções criminosas dentro dos presídios também favorece esse tipo de acontecimento, cada vez mais frequente. No Complexo Penitenciário de Pedrinhas, visitado esta semana por uma comitiva de senadores, foram assassinados cerca de 60 detentos somente em 2013.

− O texto reduz os espaços em que as facções podem operar e isso é um avanço. Acho que há boas possibilidades de reduzir bastante a questão das rebeliões – avalia o consultor.

Uma das mudanças destacadas por Tiago Odon é a obrigatoriedade de fornecimento de produtos de higiene aos presos. Atualmente, não há essa obrigação, e o material que os apenados recebem da família, por exemplo, é usado como moeda de troca dentro do presídio.

Isso também acontece com os celulares que as organizações mantêm ilegalmente dentro dos estabelecimentos. Como o texto prevê expressamente o uso de telefone público monitorado pelas autoridades, esse poder das facções pode perder importância.

Além disso, o projeto diminui, em alguns pontos, o poder dos diretores dos estabelecimentos, que muitas vezes, acabam privilegiando grupos específicos. Com a alteração, é o juiz − e não mais o diretor − que decide sobre a suspensão de direitos do preso, como a comunicação com pessoas de fora, a recreação e as visitas.

Ressocialização

O projeto busca, ainda facilitar o processo de reinserção social dos presos. São previstas saídas temporárias mais frequentes, porém mais curtas, como ocorre em países da Europa. Essas saídas autorizadas, que atualmente chegam a sete dias, quatro vezes ao ano, poderão ser de até três dias por mês. Para o consultor, só será possível avaliar os benefícios na prática, caso as mudanças entrem em vigor.

Os municípios também vão desempenhar um papel na recuperação dos egressos do sistema e dos condenados que cumprem pena em regime aberto, nos casos de pequenas infrações. Por meio de centrais de penas alternativas e patronato, as prefeituras deverão encaminhar essas pessoas para atividades de escolarização, trabalho e qualificação, além dos tratamentos de saúde.

- É notável a preocupação do projeto com a ressocialização: abreviar o tempo de prisão, fazer com que a pessoa seja estimulada a estudar e trabalhar. Há realmente essa preocupação com a ressocialização, que hoje é um problema sério no sistema.

Entre as medidas relacionadas ao estudo está a existência de salas de aula e laboratórios de informática nas prisões, além das bibliotecas já previstas na lei atual. O texto também inclui entre as atividades que garantem remissão de parte do tempo da pena o artesanato e a leitura.

O valor mínimo pago aos presos também pode sofrer mudanças. Enquanto a lei atual prevê que a remuneração não será inferior a três quartos do salário mínimo, o projeto prevê como piso o salário integral. O texto também dá preferência para a produção de alimentos dentro dos presídios, com estímulo ao trabalho interno dos apenados.

Administração

A criação de órgãos como as Secretarias de Estado de Execução Penal, que exercerão a gestão da execução penal nos estados e no Distrito Federal, é vista como possível problema pelo consultor legislativo. Para ele, pode haver questionamentos, devido à criação de órgãos do Poder Executivo em projeto do Legislativo.

Já a vedação ao contingenciamento de recursos do fundo penitenciário, também incluída no texto da comissão de juristas, é considerada positiva por Tiago Odon. A medida, segundo integrantes da comissão, é fundamental para a melhoria das condições carcerárias no país.

- Essa é uma alteração relevante. Os recursos, hoje, são supercontingenciados. Essa vedação, em lei, já é um bom sinal - avalia.

 

Agência Senado

 

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