Novas regras sobre direitos autorais aguardam sanção
06/08/2013 - 09h55 Especial - Cidadania - Atualizado em 06/08/2013 - 10h01
Novas regras sobre direitos autorais aguardam sanção
Juliana Monteiro Steck (Jornal do Senado)
O uso de qualquer obra autoral (seja musical, literária, artística, científica, audiovisual) depende de autorização expressa de seus autores. No caso de obras musicais ou fonogramas, os autores e demais titulares autorizam o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) a fornecer a devida licença para a sua utilização pública, mediante o pagamento da retribuição devida a título de direito autoral.
O direito autoral está previsto na Constituição Federal (artigo 5º, incisos XXVII e XXVIII) e é disciplinado pela Lei 9.610/98, que protege e defende o compositor e o artista contra o uso desautorizado de sua obra. O Ecad é uma sociedade civil, privada, que tem como objetivo centralizar a arrecadação e distribuição dos direitos autorais de execução pública musical, em nome das associações de compositores e intérpretes afiliadas.
Em 10 de julho, o Senado aprovou o projeto que altera as regras para a cobrança, arrecadação e distribuição dos direitos autorais sobre obras musicais, enviado à sanção, que deve ocorrer nos próximos dias. Na semana anterior, o Senado aprovara o texto, substitutivo do relator, senador Humberto Costa (PT-PE), ao PLS 129/2012, de Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), com quatro emendas de Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), e enviara à Câmara dos Deputados. Modificação feita na Câmara visava isentar as entidades filantrópicas de utilidade pública ou beneficentes do pagamento de direitos autorais, mas não foi aprovada no Senado.
A tramitação do projeto — que ocorreu em regime de urgência, já que a proposta fez parte da pauta prioritária de votações do Senado — foi acompanhada por artistas como Roberto Carlos, Caetano Veloso, Erasmo Carlos, Nando Reis, Frejat, Otto, Lenine, Roberta Miranda, Carlinhos Brown, Gaby Amarantos, Fernanda Abreu, Fafá de Belém, Fagner, Alexandre Pires, Jair Rodrigues, Emicida, Rogério Flausino, entre outros.
O projeto foi elaborado a partir do trabalho da CPI do Ecad, criada pelo Senado para investigar denúncias de irregularidades contra a entidade. O objetivo da proposta, segundo o senador Randolfe Rodrigues, é dar mais transparência à relação entre as entidades responsáveis pela arrecadação dos direitos autorais, os autores das obras e o público no que se refere à “execução pública de obras musicais, literomusicais e de fonogramas”.
Senadores querem mais transparência e democratização
De acordo com o relator, o Ecad arrecadou R$ 624,6 milhões em 2012. Segundo dados do Ecad, a instituição, em conjunto com nove associações de música, distribuiu no ano passado mais de R$ 470 milhões a 106.336 compositores, intérpretes, músicos, editores, produtores fonográficos e associações. Esses números representam um aumento de mais de 14% em relação a 2011 tanto em relação ao valor distribuído, quanto em relação à quantidade de artistas beneficiados. Nos últimos cinco anos, a distribuição de direitos autorais cresceu 73%, também de acordo com o Ecad. Quase R$ 186 milhões foram arrecadados por meio de ações judiciais.
Segundo Humberto Costa, o projeto vai promover a democratização da gestão do Ecad, com mecanismos de resolução de conflitos entre artistas e arrecadadores, com mediação e arbitragem do órgão federal indicado pela União. O relator disse ter ouvido e dialogado “com todos os atores da gestão coletiva de direitos autorais da música” para finalizar seu parecer. Para ele, o texto vai dar “melhor proteção aos detentores de direitos”.
Ele afastou a possibilidade de o texto aprovado conter inconstitucionalidades e lembrou que o Estado já regula diversas atividades privadas, como o setor de planos de saúde. Segundo o senador, não há qualquer tipo de interferência do Estado na relação entre autores e usuários das obras.
— A Constituição não deixa dúvidas que o direito do autor tem de ser protegido. Não queremos acabar com o Ecad, queremos que ele se adapte a normas modernas de transparência e eficiência — disse Humberto Costa ao ressaltar que cada artista terá um tipo de “conta-corrente” no Ecad para acompanhar em tempo real a arrecadação de seus direitos.
Para a produtora cultural Paula Lavigne, que também acompanhou os trabalhos, o Ecad vinha atuando como uma “caixa preta”, sem transparência.Ela lembrou que desde a extinção do Conselho Nacional do Direito Autoral, no governo Collor, não havia quem fiscalizasse as atividades do órgão.
— Todo monopólio deve ter uma fiscalização, como o próprio relator assinalou — disse.
CPI
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que relatou a CPI do Ecad, explicou que a comissão teve como meta principal propor uma reforma da gestão coletiva dos direitos autorais. Lindbergh afirmou que foram encontrados diversos problemas, entre eles, a falta de transparência do Ecad, mas considerou que o relatório de Humberto Costa conseguiu aperfeiçoar o projeto inicial e atender às demandas dos artistas.
A CPI do Ecad teve início em junho de 2011. Idealizador da comissão, Randolfe foi o presidente do colegiado. Em abril de 2012, a CPI concluiu os trabalhos com a aprovação do seu relatório final. O documento apontou falta de transparência nas finanças e na gestão dos recursos arrecadados e identificou práticas como cartel e monopólio na atuação do Ecad. Para regular esse sistema, o relatório da CPI propôs, entre outros pontos, o PLS 129/2012.
O relatório final da CPI também recomenda ao Executivo a criação do Conselho Nacional de Direitos Autorais (CNDA) e a Secretaria Nacional de Direitos Autorais (SNDA). As duas entidades, subordinadas ao Ministério da Justiça, teriam competência para regular, mediar conflitos e fiscalizar a gestão coletiva de direitos autorais. A CPI ainda propôs que o Executivo envie com urgência ao Congresso a proposição legislativa que trata da reforma da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/1998). Em quase um ano de trabalho, a CPI realizou 18 reuniões, das quais 11 foram destinadas a tomada de depoimentos, audiências públicas e diligências para colher o depoimento de artistas, produtores, especialistas, dirigentes e funcionários do Ecad.
A comissão também pediu o indiciamento de 15 pessoas pelos crimes de apropriação indébita de valores, fraude na realização de auditoria, formação de cartel e enriquecimento ilícito. Os nomes foram encaminhados ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, onde fica a sede do Ecad. No início de 2013, o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade), do Ministério da Justiça, multou o Ecad e as associações de direitos autorais em R$ 37,1 milhões pela prática de cartel.
Em nota divulgada à época, o Ecad afirmou que não identificou “qualquer irregularidade na arrecadação e distribuição de direitos autorais que justifique o indiciamento de dirigentes” e que acusações de abuso de ordem econômica e cartel “já foram afastadas pelo MPF, manifestando-se pelo arquivamento do processo por inaplicabilidade do direito concorrencial”.
O órgão já foi alvo de outras quatro CPIs: uma da Câmara dos Deputados (1995/1996), e nas Assembleias Legislativas de São Paulo (2009), de Mato Grosso do Sul (2005) e do Rio de Janeiro (2011).
Para o Ecad, arrecadação e distribuição são claras
Muitas vezes, quem paga pelos direitos autorais não sabe como eles serão repassados aos artistas. O Ecad, no entanto, garante que utiliza critérios claros para arrecadar esses direitos e para distribuí-los aos autores, e que é possível esclarecer as dúvidas procurando uma unidade ou uma agência credenciada da entidade, cuja relação encontra-se no site www.ecad.org.br. Conheça os critérios atualmente utilizados:
Eventos e festas - As execuções de músicas em festas de casamento ou aniversários realizados em casas de festas, clubes ou buffets, embora não tenham finalidade de lucro, ensejam o pagamento dos direitos autorais. De acordo com a Lei 9.610/1998, a existência de lucro direto não é requisito para a cobrança. Também em seu artigo 68, a lei determina que são devidos os direitos autorais pela utilização de música em locais de frequência coletiva como salões de baile, clubes ou associações. O Ecad ressalta que os direitos autorais são cobrados da casas de festas e buffets, o que ocorre é que alguns locais acabam indevidamente repassando o pagamento aos realizadores da festa (aos noivos, aniversariantes etc).
A distribuição dos valores arrecadados nesses locais é realizada com base numa amostra específica proveniente exclusivamente dos usuários desse segmento que pagam direito autoral. Para compor a amostra, alguns estabelecimentos como salões de festas e clubes adimplentes com o pagamento dos diretos autorais recebem a fixação do equipamento Ecad. Tec Som, que permite a gravação digital automática das músicas tocadas no local. Os eventos realizados, particularmente, em residência, não devem realizar o pagamento de direitos autorais, exceto nos casos em que haja a cobrança de ingresso.
Para obter a licença para a execução pública musical por meio do Ecad, os responsáveis pelo local devem entrar em contato com uma unidade ou uma agência credenciada do Ecad, informando o local e a data do evento. Em seguida, será informado a esse responsável o valor da retribuição autoral a ser paga, que é calculada de acordo com a área sonorizada - levando-se em conta o nível populacional, a região socioeconômica e o tipo de utilização da música (ao vivo ou mecânica). Se houver cobrança de aluguel do espaço/local contratado, a retribuição autoral será calculada com base em um percentual sobre esse valor.
Os valores cobrados se baseiam em uma tabela de preços, aprovada pela Assembleia Geral do Ecad, composta pelas associações de autores que representam os interesses dos artistas.
Rádios e TVs – As emissoras recebem o contato ou visita de um profissional do Ecad para que seja feito o devido cadastro e o cálculo da retribuição autoral, de acordo com as características da emissora. O Ecad utiliza o sistema de amostra para distribuição dos direitos autorais provenientes de emissoras de rádio. A distribuição dos valores referentes às execuções musicais nas rádios AM/FM é dividida em cinco regiões geográficas: Centro-Oeste, Nordeste, Norte, Sudeste e Sul. Apenas as emissoras adimplentes, isto é, as que pagam direitos autorais, integram a amostragem.
Também é dever legal das rádios o envio mensal, ao Ecad, de planilhas com toda a programação musical, possibilitando que a instituição distribua os direitos autorais das músicas que foram executadas. O Ecad dispõe de uma tecnologia chamada "Ecad.Tec CIA Rádio", desenvolvida em parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), que capta, grava e identifica automaticamente tudo o que é executado nas rádios. Esta tecnologia é utilizada nas capitais: Salvador, Belo Horizonte, Recife, Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Brasília, Fortaleza, Vitória, Goiânia, Belém e Florianópolis. Nas demais cidades são consideradas as informações contidas nas planilhas.
O Ecad ressalta que, em 2012, recebeu uma certificação do Ibope que valida seu processo amostral.
Valores - O licenciamento para uso de música concedido pelo Ecad não é por música ou por obra musical. O valor cobrado leva em consideração características do local onde serão utilizadas as músicas, não importando a quantidade, o tipo de música ou a duração. O usuário, uma vez adimplente, recebe uma licença para utilizar qualquer música cadastrada no banco de dados do Ecad. O cálculo do direito autoral é realizado de acordo com os critérios estabelecidos no Regulamento de Arrecadação e na tabela de preços (ambos disponíveis no site do Ecad), sendo esses preços definidos pelas associações de música que o integram.
Os valores são calculados levando em consideração a importância da música para o negócio, um percentual sobre receita bruta — quando há venda de ingressos, couvert ou qualquer outra forma de cobrança para que as pessoas possam adentrar no local de execução musical. Leva em conta também a atividade do usuário, o tipo de utilização da música (ao vivo ou mecânica) e a região socioeconômica em que o estabelecimento está localizado. Este último é considerado apenas nos casos em que o cálculo for feito baseado em área sonorizada (quando não existe receita). Após definido o valor da retribuição autoral, o usuário recebe um boleto bancário que, quitado, autoriza a utilização da música. O Ecad controla a emissão desses boletos através de um sistema informatizado desenvolvido exclusivamente para a instituição.
Entidade vê prejuízo para compositores e artistas
Para Gloria Braga, superintendente executiva do Ecad, o projeto poderá trazer sérios prejuízos aos compositores e artistas que participam do sistema de gestão coletiva de direitos autorais de execução pública musical no país.
Segundo ela, “o Ecad não teme qualquer tipo de supervisão, desde que venha a ser realizada sem viés político, dentro dos limites constitucionais, e que preservem os direitos dos autores e demais titulares de música de fixar o preço pela utilização de suas obras e decidir as regras de distribuição dos valores arrecadados”. A superintendente diz que os senadores que participaram da CPI “jamais aceitaram os reiterados convites feitos pelo Ecad para conhecer pessoalmente a estrutura e o funcionamento de suas atividades”.
O PLS 129/2012 foi produzido, segundo o Ecad, por representantes do Creative Commons no Brasil, “uma instituição que difunde a ideia do uso livre dos bens de propriedade intelectual por todo o mundo, adotando como estratégia de divulgação a difamação das estruturas de cobrança de direitos autorais”. O projeto é considerado inconstitucional pelo Ecad porque, por ele, “fica institucionalizada a intervenção governamental em uma esfera eminentemente privada, ferindo o que prevê a Constituição, que reserva ao criador intelectual, às suas associações de classe ou sindical, a exclusiva gestão e fiscalização do aproveitamento econômico de suas criações”.
— No projeto está previsto que: “a cobrança será sempre proporcional ao grau de utilização das obras e fonogramas pelos usuários no exercício de suas atividades”. O que isso significa? Como será aferido? O usuário vai executar primeiro e depois pedir autorização e pagar? — questiona Gloria Braga.
Para ela, é importante esclarecer que o Ecad vem realizando, de forma constante, a auditoria das programações das emissoras de TV e de rádio e, ao confrontar o material gravado com as planilhas enviadas pelas emissoras, detecta invariavelmente inúmeros erros na identificação das músicas executadas e muitas omissões de execuções realizadas.
— Caso não fossem detectados pelo Ecad, tais erros poderiam causar prejuízos consideráveis a vários titulares cujas músicas foram de fato executadas e beneficiar os titulares apontados pelas emissoras. E ainda, se a regra proposta pelo PLS 129/12 prosperar, poderá também significar diminuição nos valores pagos pelos usuários. É inadmissível que os interesses dos usuários estejam sendo colocados em primeiro lugar, e não os dos artistas. A lei que protege os direitos autorais está sendo transformada na lei que protege os interesses dos usuários de música. Isso porque o projeto não trata da inadimplência dos grupos de tevê e radiodifusão. Por serem concessões públicas, esses grupos deveriam ter, como premissa para a renovação de seus contratos, a quitação das dívidas com o pagamento de direitos autorais. Em 2012, a inadimplência de rádios e TVs aberta e por assinatura ultrapassou a soma de R$ 1 bilhão — afirma.
Desnecessária - Para o compositor e produtor musical Michael Sullivan – produziu grandes cantores da MPB, como Tim Maia, Alcione, Sandra de Sá, Xuxa, Sidney Magal, Fafá de Belém, Roupa Nova, Fagner, entre outros –, uma nova lei não era necessária. Segundo ele, “mudanças são necessárias e a transparência tem que acontecer, tanto no Ecad quanto nas associações de compositores e intérpretes a ele afiliadas, mas o Ecad é um órgão que pertence aos compositores. Quem tem que fazer somos nós, a classe artística. O Ecad apenas arrecada e distribui”, comentou.
– Eu defendi a formação de uma grande associação de compositores para fiscalizar a arrecadação e o repasse. Somos mais de 200 mil compositores no país, vivemos do nosso intelecto, dos nossos direitos autorais. Mas acabou que uma mudança na legislação foi aprovada e vários colegas compositores acompanharam a proposta, então só nos resta esperar para ver como vai ficar e torcer para que dê tudo certo – disse.
No site do Ecad, na área de Serviços – Canal do Usuário, há um simulador de cálculo.
Distribuição – Segundo o Ecad, hoje, dos valores arrecadados 75,5% são repassados aos titulares filiados e 7,5% às associações para suas despesas operacionais. Ao Ecad, são destinados os 17% restantes para a administração de suas atividades em todo o Brasil. Do montante a ser distribuído, 2/3 são direcionados aos titulares de direitos de autor (compositores e editoras), e 1/3 é direcionado para os “titulares de direitos conexos” (intérprete, gravadora e músicos acompanhantes). Nas músicas ao vivo, 100% é da parte autoral. A distribuição dos valores referentes à parte autoral levarão em conta os percentuais pactuados entre os compositores e suas respectivas editoras, caso sejam firmados contratos de edição ou cessão de direitos. Em geral, este percentual é de 75% para os compositores/autores e 25% para as editoras, podendo ser alterados por vontade das partes. Os percentuais aplicáveis à parte conexa são fixos (41,7% dos intérpretes, 16,6% dos músicos e 41,7% dos produtores fonográficos) e decorrem de decisão da Assembleia Geral do Ecad.
Segundo o Ecad, o Brasil é um dos países pioneiros na distribuição de direitos conexos, beneficiando também os artistas executantes da música (intérpretes, músicos acompanhantes e gravadoras).
Músicas internacionais - As associações integrantes do Ecad possuem contratos de representação com as associações estrangeiras, conforme ocorre no mundo inteiro. Os valores arrecadados pelo Ecad no Brasil são enviados aos titulares de música de outros países por intermédio das associações brasileiras. Já os valores arrecadados no exterior, referentes às músicas brasileiras lá executadas publicamente, são remetidos diretamente às associações brasileiras, sem qualquer interferência do Ecad.
Agência Senado