Para magistrados, Justiça pode reagir à litigiosidade com Centros de Inteligência

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Para magistrados, Justiça pode reagir à litigiosidade com Centros de Inteligência

1 de março de 2021Notícias CNJ / Agência CNJ de Notícias

Os Centros de Inteligência do Poder Judiciário podem ser estratégicos no combate ao fenômeno da litigiosidade excessiva na Justiça brasileira. Ao final de 2019, cerca de 77 milhões de processos judiciais aguardavam um desfecho. Figuras decisivas para o surgimento dos Centros de Inteligência em seus tribunais, os juízes Marco Bruno Miranda Clementino e Paulo Maia defenderam a atuação das unidades que passaram a integrar o organograma dos tribunais recentemente na perspectiva de um Poder Judiciário proativo.

O tema foi debatido na sexta-feira (26/2), último dia do webinário Justiça 4.0, iniciativa conjunta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Conselho da Justiça Federal (CJF) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), para a apresentação dos recursos tecnológicos disponíveis para os tribunais ampliarem a prestação digital de serviços judiciais.

Em outubro de 2020, CNJ instituiu o Centro de Inteligência do Poder Judiciário (CIPJ) para identificar e tratar adequadamente “demandas estratégicas ou repetitivas e de massa no Judiciário brasileiro”. Para poder dar uma resposta uniforme a milhões de causas semelhantes na fundamentação, a unidade tem como atribuição identificar “causas geradoras do litígio em âmbito nacional”. A criação do CIPJ foi inspirada na experiência dos Centros de Inteligência da Justiça Federal, criados em 2017, com participação ativa do juiz do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) Marco Bruno Miranda Clementino.

Para o magistrado, o Centro de Inteligência pode contribuir para a redução do volume esmagador de ações em tramitação na Justiça da mesma forma que a medicina previne doenças. Clementino propôs uma analogia entre o conceito da prevenção, derivado das ciências da saúde como forma de se evitar doenças, e a aplicação do mesmo conceito no meio jurídico, como estratégia para reduzir a litigiosidade que sobrecarrega os tribunais brasileiros.

Ele recuperou a origem histórica do termo prevenção. Na Idade Média, enquanto as pestes dizimavam a população europeia, predominava a leitura religiosa da doença, que associava a ocorrência das moléstias a uma punição pelo pecado. Com força de norma social, devido à falta de separação entre Estado e Igreja, a norma sobreviveu até a descoberta pela ciência do causador das pestes, o vírus.

Da mesma forma que a prevenção na medicina começou com a descoberta do que causava as doenças transmissíveis, o juiz federal defendeu que a Justiça adote uma postura mais ativa para buscar a origem do problema jurídico, o excesso de demandas recebidas pelos tribunais diariamente. “O médico tem responsabilidade pela saúde, não pela doença. O juiz tem responsabilidade pelo lícito e não pode deixar de agir frente a um potencial risco de ilícito. No caso das doenças transmissíveis, a prevenção começou com a descoberta do vírus. Chegou a hora de enfocarmos a origem do problema jurídico.”

Causas fabricadas

Já o juiz do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) Paulo Maia, mostrou um exemplo prático de como um Centro de Inteligência pode agir para reduzir o volume de ações judiciais ingressadas na Justiça. Em janeiro, o Centro de Inteligência dos Juizados Especiais do TJRN (CIJESP/RN) emitiu uma nota técnica com orientações sobre como deter um tipo específico de ação que tem surgido aos milhares nos juizados especiais: demandas agressoras ou causas fabricadas. “Elencamos medidas tomadas pelos juízes para alertar a magistratura potiguar para prevenir litígios e subsidiar uma repressão uniforme a essa prática.”

Após um estudo de milhares de sentenças do TJRN, o CIJESP/RN descobriu um padrão em uma grande quantidade de ações ajuizadas no interior do estado, com os mesmos objetivos e causa. Um advogado, geralmente de um escritório a milhares de quilômetros de distância, propõe uma causa em que alega que seu cliente teve o nome cadastrado nos órgãos de proteção ao crédito indevidamente, por empresas com quem jamais firmaram contrato. No entanto, os advogados não apresentam nenhum documento que comprove alguma contestação ao “falso contrato”.

Golpe

Maia, relator da nota técnica, apelidou esse tipo de ação como “cassino gratuito”, uma vez que não se paga nada para recorrer ao juizado especial. O chamado ajuizamento massivo do mesmo tipo de ação em comarcas distantes, em um país das dimensões do Brasil, inviabiliza a defesa das empresas. Normalmente, a Justiça indefere o pedido – o índice de improcedência chega a 90%, segundo o magistrado –, mas as poucas causas ganhas justificam o malfeito.

Muitos clientes são captados por meio de mensagens enganosas placas espalhadas nas portas dos fóruns, nas ruas e na internet com a mesma promessa “LIMPE SEU NOME – ESTÁ NA LEI” e um telefone. A remuneração do advogado também é abusiva, a taxa de êxito cobrada chega a 50% do valor da causa, segundo o juiz membro do CIJESP/RN. “Não se está dizendo que todas as causas sobre o tema são fabricadas. Pelo contrário. A prática mostra que há de fato cobranças indevidas, mas é indispensável nesse momento de ataque ao Poder Judiciário separar o joio do trigo com uma análise mais acurada das causas.”

De acordo com o mediador do painel, o juiz Marcelo Marchiori, seguindo a analogia entre medicina e direito, uma metáfora para ilustrar a atuação do Centro de Inteligência poderia ser uma vacina, enquanto o trabalho individual do juiz que redige uma decisão para cada caso separadamente seria um remédio. “O Poder Judiciário julga a mesma coisa muitas vezes. Sempre vemos o problema chegando e aplicamos o remédio. A vacina visa a prevenir que o problema ocorra. O Poder Judiciário tem de se incomodar com a litigiosidade, que está muito ligada ao julgamento repetitivo da mesma questão.”

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias

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