"Pesca requer cada vez mais fé", lamenta quilombola da Ilha da Marambaia

Vista da Praia da Pescaria Velha, na Ilha da Marambaia, Baía de Sepetiba  Tânia Rêgo/Agência Brasil

"Pesca requer cada vez mais fé", lamenta quilombola da Ilha da Marambaia

16/11/2015 06h10  Ilha da Marambaia (RJ)
Vinícius Lisboa - Enviado Especial da Agência Brasil

Ainda criança, Leonardo via a saída dos pescadores de madrugada. Era bem cedo, ainda escuro na Ilha da Marambaia. Como mandava o costume, os pedidos a Deus e a Iemanjá eram feitos com velas na areia, para obter bênçãos e fartura na pescaria. No retorno, era certo que mais velas seriam acesas, para agradecer, pois o mar abundante na Baía de Sepetiba dificilmente decepcionava os pescadores e suas famílias. Principal sustento dos remanescentes quilombolas na Ilha da Marambaia, a pesca tem diminuído na região e tem se tornado uma atividade que requer cada vez mais fé.

Ilha da Marambaia (RJ) - Leonardo Santana, vice-presidente da Associação de Pescadores e Maricultores da Ilha da Marambaia mostra as boias de marisco que aguardam para serem usadas

Leonardo Santana, vice-presidente da Associação de Pescadores e Maricultores da Ilha da Marambaia, mostra as boias de marisco que aguardam para serem usadasTânia Rêgo/Agência Brasil

 

"O pescador, em geral, é religioso, e o ser humano, em geral, é religioso. Ele acredita que vai jogar a sua rede e vai pegar o peixe que ele colocou na sua mente que estará lá. Tem que ter fé, principalmente hoje. Hoje tem que ter mais fé", conta Leonardo Santana, vice-presidente da Associação dos Pescadores e Maricultores da Ilha da Marambaia (Apmim), sobre a redução do número de peixes na região.

Evangélico, ele não acende velas nem pede proteção a santos e entidades de origem africana, mas faz suas orações para que a pesca supere os problemas atuais. "A dificuldade do pescador hoje é grande. Não se pesca a quantidade que se pescava antes. A renda está caindo, por causa dos empreendimentos na Baía de Sepetiba."

Na porção oeste da Região Metropolitana do Rio, a Baía de Sepetiba é hoje uma importante área para a economia do estado. Ao seu redor, estão grandes empreendimentos como o Porto de Sepetiba, em Itaguaí, o terminal da Ilha Guaiba, da Vale, a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) ThyssenKrupp e o Estaleiro de Construção de Submarinos, na Ilha da Madeira, onde serão construídos os submarinos nucleares brasileiros. Navios de grande porte já fazem parte da paisagem, e partes deles também estão no cotidiano dos pescadores.

Fragmentos desses navios ficam presos constantemente nas redes de pescar dos quilombolas. Quando não são pesados o suficiente para obrigar os pescadores a abandonarem suas redes, causam danos ao nylon e, além de provocarem a perda de um dia de trabalho no mar, fazem com que mais tempo seja gasto no reparo.

A maior preocupação dos pescadores, entretanto, não é essa. A fartura dos tempos em que Leonardo aprendeu a pescar com o pai e os tios já não é mais a mesma. Eles atribuem a queda na produção à poluição das águas devido ao aumento do número de indústrias na região.

"Nos últimos cinco, seis anos, foi caindo mais rápido ainda. De 100% que você pescava há 15 anos, você pesca 40% hoje. A renda da ilha depende muito da pesca. Temos 80% da população dependendo da pesca", conta. Com tanta dificuldade, fica difícil ensinar e convencer as gerações mais novas a manter essa tradição da ilha: "Isso abala a estrutura familiar. Você não conversa mais com seu filho sobre a pesca.  A pesca sempre esteve presente na nossa cultura. Mas corre um sério risco [de não se perpetuar]".

Um vazamento de mais de 500 litros de óleo da Transpetro, na Baía da Ilha Grande, prejudicou a venda de pescados na Semana Santa deste ano – época em que há grande demanda do produto devido às tradições cristãs. As manchas de óleo atingiram a região de pesca dos quilombolas e deixaram marcas, até mesmo, nas roupas dos pescadores.

Ilha da Marambaia (RJ) - Elcio Santana, pescador, morador da praia da Pescaria Velha

O pescador Elcio Santana reclama da redução da renda familiar com o menor número de peixes na Baía de Sepetiba Tânia Rêgo/Agência Brasil

 

O Instituto Estadual do Ambiente multou a empresa em mais de R$ 2 milhões. "Ficamos um mês e pouco sem pescar. E quando não pesca não tem renda nenhuma", conta Elcio Santana, 56 anos.

O auxílio financeiro que os pescadores da comunidade recebem é o defeso do mexilhão, do Ministério da Pesca, mas os meses do benefício são setembro, outubro, novembro e dezembro, quando há o período de reprodução da espécie.

Com duas filhas desempregadas em casa, Elcio conta que até mesmo os jovens com cursos técnicos têm tido dificuldade de conseguir emprego. Os que podem, ajudam na pesca, como ele mesmo ajudou um dia.

"Aprendi com o meu pai, com os meus tios. A nossa vida era essa: pesca e roça [plantio], mas aquela época era uma época de fartura. Não é que a gente está contra o desenvolvimento do país. Não é pescador que vai impedir o desenvolvimento do país. As grandes empresas têm que ter conscientização, e os órgãos ambientais têm que visar essa parte daqui, porque  a gente não tem outro meio de sobrevivência".

A queda na produção pesqueira fez a comunidade buscar a maricultura como alternativa econômica. As boias, que foram recebidas como compensação ambiental da CSA, aguardam o licenciamento do Inea para serem instaladas no mar. "Nossa perspectiva de futuro é ter um pensamento mais amplo, por causa das dificuldades que teremos para a pesca", diz Leonardo.

Presidente da Associação de Remanescentes Quilombolas da Ilha da Marambaia (Arqimar), Nilton Alves compartilha da preocupação dos pescadores: "A maior geração de renda na comunidade é a pesca, mas ao longo dos anos a gente vê que vem diminuindo cada vez mais a quantidade de matéria-prima. Às vezes, o pescador tem que mudar de profissão. Muitos dos mais jovens deixaram de ser pescador para ir para o continente mudar de profissão".

Ilha da Marambaia (RJ) - O pescador Elcio Santana na praia da Pescaria Velha

O pescador Elcio Santana na praia da Pescaria Velha, na Ilha da MarambaiaTânia Rêgo/Agência Brasil

 

Para os que ficam, o trabalho aumenta: "Hoje, tem que se afastar muito de casa. A logística tem que ser maior. Tem que sair mais cedo e ir mais longe. O desgaste acaba sendo maior. A pesca é o carro-chefe da geração de renda, mas estamos tentando implantar um projeto de maricultura, para ter uma renda maior. Algumas pessoas também cultivam roça para subsistência, para ter um produto para café da manha e almoço".

Oceanógrafo e professor da Universidade Federal Fluminense, Júlio Cesar Wassermann acredita que a pesca descontrolada seja um fator mais importante na redução da quantidade de peixes que a poluição. Ele alerta que o consumo de pescado de áreas poluídas por metais pesados, como a Baía de Sepetiba, traz riscos à saúde.

"A gente não percebe o gosto no peixe, mas o mercúrio, por exemplo, em concentração insignificante, já traz riscos. O consumo de peixes contaminados é o principal meio de exposição do jovem aos metais pesados e a exposição vai se acumulando. Se a gente tiver um hábito alimentar de peixe muito intenso, vamos concentrando esses metais no organismo", diz o pesquisador, que aponta o zinco e o cádmio como os principais metais presentes na Baía depois de anos de vazamentos de um reservatório de rejeitos da Ingá Metais, que faliu. "O zinco também traz o risco de doença grave, e o cádmio, que é muito tóxico, é extremamente perigoso."

Dedicado à preservação e ao estudo dos botos na Baía de Sepetiba, o Instituto Boto Cinza chama a atenção para o número crescente de ameaças ao meio ambiente. O coordenador científico do instituto, Leonardo Flach, explica que a pesca predatória de barcos maiores vindos da Região Sul do país, a falta de saneamento básico no entorno da Baía e o aumento das áreas de exclusão de pesca, com o tráfego de navios e os empreendimentos, estão fazendo com que os pequenos pescadores, como os quilombolas, tenham uma relação menos sustentável com o ecossistema.

"O que a gente vê nos últimos anos é uma redução na quantidade de pescado que eles conseguem capturar, e isso vem causando um problema maior. Quanto menos peixe, maior o esforço de pesca. Mais tempo a rede fica no mar, maior é a rede usada, e com isso aumenta a problemática da captura acidental de espécies como o boto."

Flach acredita que os pescadores também são vítimas desse processo, por acumularem prejuízos. "Na verdade, a gente não pode apontar o culpado como sendo o pescador, porque ele já tem mais de 100 anos na baía e vivia em harmonia com o ecossistema e a população de botos. O que mudou foram os empreendimentos", argumenta ele, que também pede mais fiscalização contra a pesca predatória.

O Instituto Estadual do Ambiente informou por meio de nota que participa de ações regulares de repressão à pesca predatória na Baía de Sepetiba. Ainda segundo o instituto, "há um monitoramento sistemático das emissões de efluentes das empresas licenciadas pelo estado no entorno da Baía de Sepetiba. Não há registro recente de acidentes ambientais ou descumprimento das normas do licenciamento naquela região".

Edição: Lílian Beraldo
Agência Brasil

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