Prisões em excesso se voltam contra o interesse social, aponta painel

Altos Estudos Sobre Audiências de Custódia. FOTO: Luiz Silveira/Agência CNJ

Prisões em excesso se voltam contra o interesse social, aponta painel

14/06/2019 - 10h24

O uso excessivo de prisões provisórias nos casos em que outras medidas poderiam ser adotadas é prejudicial ao interesse público e resulta em um custo benefício danoso ao orçamento público. Essa foi a tônica do primeiro painel do evento Altos Estudos em Audiência de Custódia, promovido pelo programa Justiça Presente nesta quinta-feira (13/6) no Supremo Tribunal Federal. O programa é uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com o Ministério da Justiça e Segurança Pública e agências das Nações Unidas para enfrentar a crise penal no país. 

O painel “Prisão Cautelar: Possibilidades e Desafios frente à Superpopulação e Superlotação Carcerárias” reuniu o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Nefi Cordeiro, o professor da Universidade de São Paulo Maurício Dieter, e a representante do Instituto Sou da Paz Stefhanie Morin. O painel foi mediado pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ Carlos Gustavo Direito.

Com mais de 30 anos de atuação na área criminal, o ministro Nefi Cordeiro destacou a importância do rigor na fundamentação das decisões que convertem o flagrante em prisão provisória. “Não temos nos nossos julgamentos [no STJ] exigido grande fundamentação, mas queremos fundamentação concreta, e isso pode ser feito em duas linhas”, disse. De acordo com o ministro, a maioria dos habeas corpus (ação para garantir a liberdade em caso de ameaça por ilegalidade ou abuso de poder) que chegam aos tribunais superiores vão ao STJ, sendo que cerca de 40% deles tratam de matéria de prisão cautelar e o principal motivo é a fundamentação.

“Não é possível prender traficante só porque trafica, roubo porque afeta a sociedade, precisa de fundamentação completa. Precisa mostrar pela prova dos autos, elementos concretos, que pessoa irá reiterar em crimes graves, ou que já agiu para provocar dano em instrução criminal, ou o risco de fuga concretizado, não pela condição social”, disse o ministro. De acordo com Nefi Cordeiro, caso não haja elementos concretos para determinar a prisão provisória, os magistrados não devem temer abalo social. “Não estamos atuando para atender interesse de vingança imediata”, afirmou.

O ministro ainda falou sobre a necessidade de se criar estruturas, fluxos e redes para que os juízes tenham segurança na opção por medidas cautelares diferentes da prisão, e que essas estruturas podem ser fomentadas pelos próprios magistrados “O juiz é agente político, é agente de transformação social. Além das nossas responsabilidades diárias, precisamos sim fazer transformação social. Não dentro do processo, mas ele pode promover ações voltadas à fiscalização do apoio ao egresso ou mesmo que a cautelar tenha algum grau de fiscalização”, disse.

De acordo com o juiz auxiliar da presidência do CNJ Gustavo Direito, as questões levantadas pelo ministro Nefi Cordeiro traduzem várias das preocupações do programa Justiça Presente quanto ao tema das audiências de custódia. “Queremos justamente contribuir para mudar a cultura da prisão, e também estamos tomando medidas para melhorar o acompanhamento de cautelares diferentes da prisão”, disse.

Pesquisa
Representando o Instituto Sou da Paz, Stefhanie Morin falou sobre pesquisa recente lançada pela organização, Vale a Pena, que trata das alternativas ao uso da prisão provisória na cidade de São Paulo. A pesquisa recomenda a expansão e qualificação das audiências de custódia como forma mais barata e eficaz de combater a violência, além de intervenções sociais com abordagens multifatoriais nos bairros que apresentam altos índices de encarceramento. Recomenda, ainda, investimentos em educação, esporte, lazer e trabalho, assim como o fortalecimento da Defensoria Pública.

O estudo parte de dados sobre o sistema prisional de São Paulo, que aponta mais de 58 mil presos provisórios ao custo mensal de R$ 76 milhões aos cofres públicos, para investigar alternativas mais eficientes para prevenção à violência. O estudo destaca que a maioria desses presos vem de territórios de vulnerabilidade social e praticaram crimes de baixo potencial ofensivo. “Investir mais na prevenção à violência em perfis específicos nesses locais é esperado que tenha efeito. Vale mais a pena investir na prevenção do que enxugar gelo quando ciclo penal está consolidado”, pontuou.

De acordo com a pesquisadora, entre 2010 e 2017, houve queda significativa em investimentos de programas de prevenção a violência em São Paulo, enquanto explodiram gastos no sistema prisional. “O estado gastou 130 vezes mais com presos do que em ações de transferência de renda e de inserção social de jovens em São Paulo. Não estamos propondo apenas transferência de verbas da SAP [Secretaria de Administração Penitenciária] para programas específicos, mas sim a problematização que tem de ser feita sobre discrepância de gastos, sobre a prioridade que o poder público dá para políticas de segurança pública e encarceramento versus prevenção da violência”, disse.

Perspectiva acadêmica
O professor da USP Maurício Dieter falou sobre pontos de preocupação com a observação das audiências de custódia a partir de uma perspectiva acadêmica. Entre esses pontos, estão o excesso de prisões preventivas por tráfico de quantidades muito pequenas de drogas, a falta de fundamentação concreta nas decisões que determinam prisões preventivas, a falta da correta apuração dos casos de tortura no ato da prisão e a falta de parâmetros científicos mais qualificados para a apuração dos fatos que levaram à prisão.

Outro ponto de atenção relatado pelo professor é o peso excessivo do relato policial como prova, uma vez que ao justificar o ato de prisão perante o juiz, o policial justifica sua própria atividade. “No Brasil, se fundamenta estado de polícia. Se tem a palavra da polícia e se presume boa-fé do agente público, mas isso existe no direito administrativo, não no penal. Toda presunção de inocência acaba vindo só da fala do acusado, que muitas vezes tem apenas até a 7ª série e precisa desconstituir o acusatório”, disse.

O professor ainda ponderou que as prerrogativas dos magistrados lhes dão suporte para tomar decisões muitas vezes não aclamadas pela sociedade, mas que estão em consonância com os princípios constitucionais. Afirmou ainda que as audiências de custódia poderiam ser mais usadas para fomentar uma narrativa de reparação às vítimas, algo que não ocorre hoje na Justiça Criminal.

Débora Zampier
Agência CNJ de Notícias

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