Quarta Turma confirma divisão de loteria ganha durante união com sexagenário
Origem da Imagem/Fonte: STJ
A Quarta Turma entendeu que o prêmio representou aumento patrimonial decorrente de fato eventual e que sua divisão não ofende a proteção que a lei conferiu às pessoas idosas
Quarta Turma confirma divisão de loteria ganha durante união com sexagenário, mas condiciona resto da partilha à prova de esforço comum
Em julgamento realizado nesta terça-feira (24), a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou decisão que determinou a meação de prêmio de loteria recebido por um sexagenário que vivia sob união estável. Em relação à divisão dos outros bens do casal, entretanto, o colegiado entendeu pela necessidade se ser comprovado o esforço comum para sua aquisição.
A sentença também havia determinado a partilha dos bens em que houve a efetiva comprovação do esforço comum, mas deixou de dividir o prêmio da loteria por entender não ser possível a comprovação de que o valor recebido foi “produto da concorrência de esforços”.
Sentença reformada
Em segundo grau, foi determinada tanto a partilha do prêmio como também de todos os bens adquiridos durante a convivência do casal. A comprovação do esforço comum foi considerada desnecessária.
O acórdão reconheceu que o fato de o homem contar com mais de 60 anos de idade, ao tempo em que foi estabelecida a união estável, impunha a fixação do regime de separação obrigatória de bens, conforme estabelecia o Código Civil de 1916 (aplicado ao caso). No entanto, para o tribunal de origem, a contribuição para o patrimônio formado durante a união deveria ser ponderada, uma vez que a convivência já seria prova de cooperação dos cônjuges.
Em relação ao prêmio de loteria, o acórdão aplicou o artigo 1.660 do Código Civil de 2002, que estabelece que entram na comunhão “os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior”.
Divergência parcial
No STJ, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, divergiu parcialmente do entendimento aplicado. Em relação à presunção de esforço comum na aquisição do patrimônio, o ministro destacou entendimento pacificado pela Segunda Seção do STJ de que os bens amealhados no período anterior à vigência da Lei 9.278/96, que tornou possível a presunção relativa de esforço comum, devem ser divididos proporcionalmente ao esforço comprovado, direto ou indireto, conforme disciplinado pelo ordenamento jurídico vigente no período da respectiva aquisição.
Para Salomão, o disposto na norma também não poderia ser aplicado ao caso porque a Lei 9.278/96 trata de regra específica para os casos de união estável, e não de separação obrigatória de bens, imposta ao caso apreciado.
“Não caberia, segundo penso, cogitar de que a Lei 9.278/96, no seu artigo 5º, contempla presunção de que os bens adquiridos durante a união estável são fruto do trabalho e da colaboração comum, porquanto tal presunção, por óbvio, somente tem aplicabilidade em caso de incidência do regime próprio daquele diploma, regime este afastado, no caso ora examinado, por força do artigo 258, parágrafo único, inciso II, do Código Civil de 1916”, explicou o ministro.
Com esse entendimento, o ministro Salomão restabeleceu a decisão de primeiro grau para que a ex-companheira só faça jus aos bens adquiridos durante a união estável, desde que comprovado o esforço comum.
Prêmio
Em relação ao prêmio de loteria, o ministro entendeu acertada a decisão de segundo grau. “Fica mantido o acórdão recorrido no que toca ao dever de meação do prêmio da Lotomania recebido pelo ex-companheiro, já que se trata de aumento patrimonial decorrente de fato eventual e que independe de aferição de esforço de cada um”, disse o relator.
Salomão considerou ainda que a partilha do referido valor ganho não ofende a proteção que a norma quis conferir aos sexagenários, uma vez que os ganhos ocorreram durante a união, não havendo falar em matrimônio realizado por interesse ou em união meramente especulativa.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.Separação de bens não é obrigatória para idosos quando casamento é precedido de união estável
O regime de separação de bens deixa de ser obrigatório no casamento de idosos se o casal já vivia um relacionamento em união estável, iniciado quando os cônjuges não tinham restrição legal à escolha do regime de bens, segundo decisão unânime da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Nesse caso, de acordo com o entendimento dos ministros, não há necessidade de proteger o idoso de “relacionamentos fugazes por interesse exclusivamente econômico”, interpretação que “melhor compatibiliza” com o sentido da Constituição Federal, segundo o qual a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento.
A decisão colegiada foi tomada no julgamento de processo que envolvia um casal que viveu em união estável por 15 anos, até 1999, quando se casaram pelo regime de comunhão total de bens. Na época do matrimônio, o marido tinha 61 anos e filhos de outro relacionamento.
Anulação
Após o falecimento do pai, um dos filhos do primeiro relacionamento foi à Justiça para anular o regime de comunhão universal, sob a alegação de que o artigo 258 do Código Civil de 1916, vigente à época, obrigava o regime de separação total de bens quando o casamento envolvesse noivo maior de 60 ou noiva maior de 50 anos.
A relatora do caso no STJ, ministra Isabel Gallotti, ressaltou no voto que essa restrição também foi incluída no artigo 1.641 do atual Código Civil para nubentes de ambos os sexos maiores de 60 anos, posteriormente alterada para alcançar apenas os maiores de 70 anos.
“Como sabido, a intenção do legislador foi proteger o idoso e seus herdeiros necessários dos casamentos realizados por interesse estritamente econômico”, disse a ministra, ao ressaltar que, no caso em julgamento, o casal já vivia em união estável por 15 anos, “não havendo que se falar, portanto, na necessidade de proteção do idoso em relação a relacionamentos havidos de última hora por interesse exclusivamente econômico”.
Incoerência
Isabel Gallotti destacou ainda que aceitar os argumentos do recurso acarretaria “incoerência jurídica”. Isso porque, durante a união estável, o regime era o de comunhão parcial.
Ao optar pelo casamento, “não faria sentido impor regime mais gravoso”, ou seja, o da separação, “sob pena de estimular a permanência na relação informal e penalizar aqueles que buscassem maior reconhecimento e proteção por parte do Estado, impossibilitando a oficialização do matrimônio”.
A relatora ressaltou que a lei ordinária deve merecer interpretação compatível com a Constituição. “No caso, decidir de modo diverso contrariaria o sentido da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, parágrafo 3°, a qual privilegia, incentiva e, principalmente, facilita a conversão da união estável em casamento”, concluiu.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
Superior Tribunal de Justiça (STJ)