1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Alienação de vaga de garagem – Venda para não condómino – Vaga de garagem autônoma

1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Alienação de vaga de garagem – Venda para não condómino – Vaga de garagem autônoma

Publicado em 08/07/2014

1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Alienação de vaga de garagem – Venda para não condómino – Vaga de garagem autônoma – Aplicação do principio “tempus regit actum” que norteia os atos registrários – Ausência de autorização expressa na convenção de condomínio – Dúvida procedente

Processo 0002119-37.2014.8.26.0100
CP 479
Dúvida
Registro de Imóveis
5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
H. A.

Registro de Imóveis – Dúvida – Alienação de vaga de garagem – Venda para não condómino – Vaga de garagem autônoma – Aplicação do principio “tempus regit actum” que norteia os atos registrários – Ausência de autorização expressa na convenção de condomínio – Dúvida procedente.

Trata-se de dúvida suscitada pelo 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de H. A., devido à qualificação negativa de escritura de venda e compra (fls.10/12) levada por este a registro. O título refere-se à venda de uma vaga de garagem, matriculada sob nº 14.081, situada no 1º Pavimento do Conjunto Zarvos, tendo como outorgante vendedor Jose Eduardo de Assis. O óbice imposto pelo Registrador diz respeito à falta de comprovação de que o adquirente seria proprietário de alguma unidade autônoma no Edifício, ou detentor da titularidade de qualquer direito no condomínio, aplicando-se assim a lei vigente à época do registro Código Civil, art. 1331, § 1º, com a redação dada pela recente Lei Federal 12.607, de 2012. Ademais, salienta que a aquisição da propriedade imobiliária se dá apenas com o concurso do título e do registro, consubstanciando assim a carência para o presente caso, do pressuposto tempus regit actum, sendo, para tanto, o registro elemento essencial para seu aperfeiçoamento.

Em sua manifestação, sustenta o interessado que o negócio jurídico foi realizado antes da modificação do artigo 1331, § 1º, do Código Civil, ensejando a aplicação do princípio da irretroatividade das leis e do direito adquirido, o que tornaria legítimo o ingresso do título. Informa, ainda, que não se trata de alienação recente, visto que alienada a unidade já está, buscando apenas a sua regularização. Juntou documentos (fls. 09/23).

O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida, mantendo-se o entrave registrário (fls. 25/27, 34 e 42).

O interessado novamente sustentou a procedência de sua pretensão (fls. 29/32), por se tratar de ato jurídico perfeito, lavrado no dia 1º de agosto de 2008, portanto à época que vigia a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 e art. 1331, §1º, do Código Civil, e que a referida vaga de garagem tem matrícula própria (14.081), sem vinculação com qualquer uma das unidades autônomas, localizada em prédio misto, com predominância para escritórios e lojas. Juntou cópia da convenção de condomínio (fls. 39/40).

É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.

Pretende o suscitado o registro de escritura de venda e compra de uma vaga de garagem situada no 1º Pavimento do Conjunto Zarvos, tendo como vendedor Jose Eduardo de Assis. Segundo a melhor doutrina, representada por Ademar Fioranelli (Direito Registral Imobiliário, editora Sergio Antonio Fabris, 2001, p. 582/583) e Flauzilino Araújo dos Santos (Condomínios e Incorporações no Registro de Imóveis, editora Mirante, 2011, p. 119/124), a vaga de garagem pode estar compreendida numa das seguintes espécies: (a) garagem de uso comum (= em garagem coletiva): a garagem é uma das coisas de uso comum do prédio; não tem matrícula própria, e comumente vem descrita, na instituição e especificação de condomínio, com a expressão “pode-se estacionar um veículo na garagem coletiva com (ou sem) auxílio de manobrista”; (b) acessório da unidade autônoma: pode ser determinada ou indeterminada; não tem matrícula própria, e na matrícula da unidade autônoma a área da vaga vai descrita com a área total, ou separadamente (= uma descrição para a área da unidade autônoma, e outra para a da vaga de garagem); (c) vinculada a uma unidade autônoma: pode ser determinada ou indeterminada; é acessório da unidade autônoma, mas, além disso, também está vinculada a ela unidade autônoma; não tem matrícula própria, e na matrícula da unidade autônoma a área da vaga vai descrita com a área total, ou separadamente; e (d) unidade autônoma: para tanto, a vaga tem de possuir saída para via pública, diretamente ou por passagem comum, e ainda é necessário que: (1) a cada espaço corresponda fração ideal do terreno e das vias comuns; (2) a dependência do edifício em que esteja a vaga tenha sido construída segundo as regras urbanísticas aplicáveis a um imóvel autônomo; (3) demarcação efetiva; (4) designação numérica; (5) descrição na especificação do condomínio, com área, localização e confrontações; (6) possibilidade material de construir-se algum tipo de parede-meia, a qual, entretanto, pode deixar de fazer-se por conveniência de manobras. Os atributos de domínio de uso exclusivo (área, numeração, fração) e mesmo a existência de uma matrícula não são suficientes para afirmar que em certo caso se trate de própria e verdadeira unidade autônoma (e há casos de vagas indeterminadas para as quais erroneamente se abriram matrículas). Finalmente, a garagem como um todo pode ser uma única unidade autônoma.

Assim, para a regularidade da alienação de uma vaga de garagem é necessário que se atente a qual espécie ela pertence, já que cada uma delas tem disciplina jurídica própria. Em primeiro lugar, a alienação só será possível se a vaga de garagem possuir especialidade suficiente para constituir objeto de direito real, o que não ocorre quando ela for de uso comum (garagem coletiva); for acessória de unidade autônoma, ou vinculada a unidade autônoma, mas não existir delimitadamente, ou não possuir descrição independente (dentro da matrícula da unidade autônoma, ou em matrícula própria); ou constituir como um todo, única unidade autônoma, e a vontade de alienar não partir da unanimidade dos condôminos.

Além disso, as vagas de garagem só podem ser alienadas para condôminos, nos termos do art. 1331, § 1º, do Código Civil, salvo se a alienação para estranhos estiver expressamente autorizada na Convenção Condominial. Analisando a hipótese em questão, parece que, apesar de haver um número de matrícula independente para a vaga de garagem, não há previsão sobre a forma de sua alienação, que deverá ser expressa para afastar a regra geral.

No caso dos autos verifica-se que não existe comprovação de que o adquirente da vaga, H. A., seja condômino no Edifício, bem como não há qualquer ressalva na Convenção Condominial permitindo a alienação do abrigo para veículos a estranhos. Logo, persiste a vedação legal. Tampouco favorece ao suscitado a alegação de que a venda foi realizada na vigência da redação antiga do artigo 1331, §1º, do Código Civil, devendo prevalecer o princípio da irretroatividade das leis.

Não existe ofensa a ato jurídico perfeito, tendo em vista tratar-se a compra e venda de negócio jurídico complexo, que se esgota com o registro. Em relação aos atos de registro e averbação vigora o princípio do “tempus regit actum”, pelo qual o título deve guardar conformidade com as regras do registro no momento da apresentação (Ap. Cív. 990.10.172.750-1 de 03/08/2010, Rel: Munhoz Soares).

Do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital a requerimento de H. A.. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.
São Paulo, 16 de junho de 2014.
Tânia Mara Ahualli Juíza de Direito
(D.J.E. de 07.07.2014 – SP)


Extraído de Colégio Notarial do Brasil

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