Alienação fiduciária e os débitos condominiais: quem paga a conta?

Alienação fiduciária e os débitos condominiais: quem paga a conta?

Flávio Marques Ribeiro e Carlos Simão

Com o advento da lei 9.514/97, criou-se a alienação fiduciária de bem imóvel, cujo objetivo foi tornar mais rápido, seguro e eficaz, a concessão de crédito no mercado imobiliário.

sexta-feira, 11 de agosto de 2023
Atualizado em 10 de agosto de 2023 10:16

Com o advento da lei 9.514/97, criou-se a alienação fiduciária de bem imóvel, cujo objetivo foi tornar mais rápido, seguro e eficaz, a concessão de crédito no mercado imobiliário.

O objetivo desta lei foi reduzir os riscos de inadimplemento em contratos de financiamento e incentivar os bancos a concessão de empréstimos para compra de imóveis, uma vez que o contrato é garantido pelo próprio bem que está sendo financiado e se o alienado não quitar, o banco alienante pode consolidar a propriedade do imóvel de maneira extrajudicial.1

Como toda lei nova, seja em razão de lacunas, seja por dúvidas na sua interpretação, cabe ao judiciário definir o que deve ser feito naquele conflito sobre a norma em debate, e no caso de débitos condominiais envolvendo o imóvel dado em garantia, a divergência surge quando não há o pagamento da dívida e a execução avança para fase de penhora e expropriação.

Sabemos que na cobrança de despesa condominial, diante do caráter "propter rem", o próprio imóvel é o garantidor do pagamento dos débitos condominiais, contudo, quando existe alienação fiduciária sobre o bem, tem-se entendido que somente é possível penhorar os direitos do contrato de aquisição.

O fundamento utilizado é que não seria possível a penhora do imóvel alienado fiduciariamente para pagamento de despesas condominiais de responsabilidade do devedor fiduciante, uma vez que o bem não integra o seu patrimônio, mas sim o do credor fiduciário.

Esse foi o entendimento da 3ª turma do STJ, no RE 2.036.289, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, que impediu a penhora pelo condomínio do imóvel alienado fiduciariamente, admitindo-se tão somente a penhora do direito real de aquisição derivado da alienação fiduciária.2

Tal decisão é totalmente desfavorável aos condomínios, pois prestigia o interesse do credor fiduciário que detém a posse indireta do bem, porém não assume o encargo de pagamento do débito condominial, causando prejuízos a toda massa condominial que precisa arcar financeiramente com a desídia do condômino inadimplente.

Sem falar que a penhora de direitos do titular da aquisição também não se mostra uma solução prática, pois em muitos casos, o valor pago no contrato é mínimo, com elevado saldo devedor junto ao credor fiduciário, fazendo com que não haja interessados em arrematar tal direito num eventual leilão.

Recentemente, contrariando esse entendimento, a 4ª turma do STJ, no RE 2.059.278, deu provimento ao recurso especial, através do voto divergente do ministro Raul Araújo, para autorizar a penhora da unidade devedora de débitos condominiais quando existente a alienação fiduciária.3

Nos fundamentos da decisão, o imóvel alienado pode ser penhorado e leiloado, já que a inadimplência prejudica outros condôminos que fazem o pagamento das cotas em dia e tendem a suportar eventuais rateios por conta da inadimplência para ajustar o fluxo de caixa do condomínio.

De acordo com o ministro, se estas despesas não forem pagas pelo devedor fiduciante nem pelo devedor fiduciário, quem terá que arcar serão os demais condôminos, não parecendo correto e nem justo atribuir esse ônus a massa condominial.

Essa decisão prestigia o caráter "propter rem" da dívida, ficando sempre atrelada ao imóvel, independente da sua titularidade ou garantia existente.

O fato é que existe enorme insegurança jurídica gerada pelo STJ, gerada por decisões desalinhadas e contraditórias, de modo que deve haver uma posição definitiva sobre o assunto.

Enquanto isso, todos pagam essa conta.

-----

1 Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

2 "Assim, não é possível a penhora do imóvel alienado fiduciariamente em execução de despesas condominiais de responsabilidade do devedor fiduciante, na forma dos arts. 27, § 8º, da Lei nº 9.514/1997 e 1.368-B, parágrafo único, do CC/2002, mas vez que o bem não integra o seu patrimônio, mas sim o do credor fiduciário, admitindo-se, contudo, a penhora do direito real de aquisição derivado da alienação fiduciária, de acordo com os arts. 1.368-B, caput, do CC/2002, c/c o art. 835, XII, do CPC/2015".

3 Proclamação Final de Julgamento: Após o voto do relator negando provimento ao recurso especial, e o voto do Ministro Raul Araújo dando provimento ao recurso especial, divergindo do relator, no que foi acompanhando pelos Ministros João Otávio de Noronha, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira, a Quarta Turma, por maioria, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto divergente do Sr. Ministro Raul Araújo, que lavrará o acórdão. Vencido o relator. (23.05.2023).

Flávio Marques Ribeiro
Advogado, especialista em Direito Empresarial e em Direito Imobiliário e sócio do ZMR advogados

Carlos Simão
Bacharel em Direito pela Universidade Paulista. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pelo IBMEC-Damásio. Pós-Graduando em Advocacia Cível pela Fundação do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Membro Efetivo da Comissão de Direito Condominial da OAB de São Caetano do Sul/SP. Experiência em Direito Imobiliário e Condominial.

Fonte: Migalhas

  

Notícias

Extinção de processo por não recolhimento de custas exige citação da parte

Recurso especial Extinção de processo por não recolhimento de custas exige citação da parte 26 de janeiro de 2025, 9h52 O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte manteve a decisão de primeiro grau. Os autores, então, entraram com recurso especial alegando que deveriam ter sido intimados...

Herança musical: Como proteger direitos autorais antes da morte?

Precaução Herança musical: Como proteger direitos autorais antes da morte? Dueto póstumo envolvendo Marília Mendonça e Cristiano Araújo ilustra como instrumentos jurídicos podem preservar legado de artistas. Da Redação quinta-feira, 23 de janeiro de 2025 Atualizado às 15:07 A preservação do legado...

Imóveis irregulares: Saiba como podem ser incluídos no inventário

Imóveis irregulares: Saiba como podem ser incluídos no inventário Werner Damásio Descubra como bens imóveis sem escritura podem ser partilhados no inventário e quais os critérios para garantir os direitos dos herdeiros. domingo, 19 de janeiro de 2025 Atualizado em 16 de janeiro de 2025 10:52 A...

STJ julga usucapião de imóvel com registro em nome de terceiro

Adequação da via STJ julga usucapião de imóvel com registro em nome de terceiro Recurso visa reformar decisão de tribunal que extinguiu o processo por ausência de interesse de agir. Da Redação sexta-feira, 17 de janeiro de 2025 Atualizado às 17:23 A 4ª turma do STJ iniciou julgamento de ação de...

Divórcio é decretado antes da citação do cônjuge, que reside nos EUA

Divórcio é decretado antes da citação do cônjuge, que reside nos EUA 16/01/2025 Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM A Justiça do Rio de Janeiro decretou o divórcio antes da citação do cônjuge, um americano que reside nos Estados Unidos. A decisão da 2ª Vara de Família da Regional da Barra da...

Holding deixada de herança: entenda o que a Justiça diz

Opinião Holding deixada de herança: entenda o que a Justiça diz Fábio Jogo 14 de janeiro de 2025, 9h14 Sem uma gestão transparente, o que deveria ser uma solução para proteger o patrimônio pode acabar se transformando em uma verdadeira dor de cabeça. Leia em Consultor Jurídico      ...