Apelação Cível - Ação ex empto - Contrato de compra e venda de imóvel levado a registro em 1996 - Prazo decadencial

Apelação Cível - Ação ex empto - Contrato de compra e venda de imóvel levado a registro em 1996 - Prazo decadencial

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO EX EMPTO - CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL LEVADO A REGISTRO EM 1996 - PRAZO DECADENCIAL

- Durante a vigência do Código Civil de 1916, à míngua de previsão específica, o prazo para a propositura de ação ex empto era o prescricional vintenário (art. 177) das ações pessoais; com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, que previu prazo decadencial ânuo, aplica-se a regra de transição do art. 2.028 para as aquisições realizadas sob a égide da codificação anterior.

- Ultrapassado, quando da propositura da ação, o prazo de um ano a contar da entrada em vigor do CC/2002, acertado o reconhecimento da decadência do direito autoral.

Apelação Cível nº 1.0080.12.001341-4/001 - Comarca de Bom Sucesso - Apelante: Vicente Pedro Inhota - Apelado: Espólio de Ronaldo de Paiva Carrara - Interessada: Mary Ângela Lage Carrara - Relator: Des. João Cancio

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 6 de abril de 2016. - João Cancio - Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. JOÃO CANCIO - Trata-se de apelação cível interposta por Vicente Pedro Inhota contra a r. sentença proferida pelo MM. Juízo da Comarca de Bom Sucesso, de f. 117/121, que, nos autos da "ação ex empto c/c indenização" ajuizada pelo ora recorrente em face de Espólio de Ronaldo de Paiva Carrara, julgou extinto o processo nos termos do art. 269, IV, do CPC, ao reconhecer a decadência do direito autoral.

Em suas razões (f. 128/135), o recorrente alega, em síntese, que adquiriu do apelado uma propriedade rural, no lugar denominado "Fazenda Boa Vista", com área de 30.76.38ha em 29.01.1996, conforme Escritura Pública de Compra e Venda lavrada pelo Cartório de Paz e Notas de Santo Antônio do Amparo (Livro 115, f. 139), levada a registro no CRI da Comarca de Bom Sucesso (Matrícula 3-8.443, f. 209, lv. 2-A-B).

Conta que, ao realizar o levantamento planimétrico da propriedade, foi constatado que, na verdade, possui área de 23.00.00ha, com diferença, portanto, de 7.76.38 da área constante na escritura e registro.

Defende que o apelado deve ser condenado a completar a área alienada ou abater o preço no valor de R$77.638,00, que deve ser convertido em indenização.

Sustenta que o prazo prescricional aplicável no caso é o do art. 177 do CC/1916, de 20 anos, não se podendo falar em decadência do direito do autor, mormente porque tomou conhecimento da divergência em 04/2012 e a presente ação foi ajuizada em 05/2012.

Requereu, ao final, o provimento do recurso para reforma da sentença primeva e procedência dos pedidos iniciais.

Recebido o recurso no efeito devolutivo às f. 136.

Contrarrazões às f. 138/147.

É o relatório.

Passo a decidir.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Cuidam os autos de ação ex empto ajuizada por Vicente Pedro Inhota em face de Espólio de Ronaldo de Paiva Carrara, na qual alega o autor haver adquirido uma propriedade rural do réu com área de 30.76.38ha, em 1996, e que, ao realizar levantamento planimétrico, em março de 2012, constatou-se que o imóvel possui área de 23.00.00ha.

Diante dos fatos narrados, pugnou pela procedência dos pedidos iniciais, para condenar o réu a completar a área vendida ou abater o preço, no importe de R$77.638,00, que deveria ser convertido em indenização.

O d. Sentenciante, entendendo ter transcorrido mais de um ano previsto no art. 501 do CC/2002, julgou extinto o feito, resolvendo o mérito nos termos do art. 269, IV, do CPC.

Irresignado, o autor apela, pugnando pelo afastamento da decadência e pela procedência dos pedidos iniciais.

Eis os limites da lide.

O instituto da decadência tem como objeto o direito a ser exercido que, seja por determinação legal ou pela vontade unilateral ou das partes envolvidas, deve ser exercido em determinado lapso de tempo, sob pena de caducar e não mais poder ser levado a efeito.

Assim, na hipótese de o titular do direito deixar de exercê-lo até o momento estabelecido para o término de seus efeitos, ocorre a decadência e, por via de consequência, perderá o direito, de forma que não mais poderá exercê-lo.

Nessa esteira, tem-se que a decadência do direito tem razão de existir em favor da segurança jurídica que deve prevalecer entre as partes envolvidas, pois o direito decorrente da relação não pode subsistir ad eternum, sendo certo que o prazo decadencial estabelecido no ordenamento ou convencionado entre as partes implicadas resulta em evidente fortalecimento do negócio jurídico.

No caso, a pretensão inicial se amolda à previsão do art. 1.136 do Código Civil de 1916, vigente à época da celebração do negócio, visto que previa ao adquirente o direito de exigir a complementação da área, a resolução do contrato ou o abatimento do preço quando, nos contratos de compra e venda de imóvel ad mensuram, a área não corresponder ao declarado.

"Art. 1.136. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por pedida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área e, não sendo isso possível, o de reclamar a rescisão do contrato ou abatimento proporcional do preço. Não lhe cabe, porém, esse direito se o imóvel foi vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões.

Parágrafo único. Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de 1/20 (um vigésimo) da extensão total enunciada".

Na codificação anterior não havia previsão de prazo prescricional específico para o caso, aplicando-se, por via de consequência, o prazo vintenário das ações pessoais.

Nesse sentido, as lições de Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barbosa e Maria Celina Bodin de Moraes (Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, v. II, p. 167):

``A questão antes havia de ser resolvida pelo cotejo com o art. 178 do CC1916, em que não constava prazo específico para o exercício do direito derivado deste vício, a rigor, aparente da coisa. Não se trata de vício redibitório, convém assinalar, pois a extensão do terreno é ostensiva, posto que, pelas circunstâncias peculiares que envolvem as alienações de imóveis, frequentemente não seja objeto de conferência prévia ou concomitante à realização do negócio.

Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, estabeleceu-se prazo de natureza decadencial, de apenas um ano, a ser contado, em regra, do registro do título, nos termos de seu art. 501 do Código Civil, que dispõe:

``Art. 501. Decai do direito de propor as ações previstas no artigo antecedente o vendedor ou o comprador que não o fizer no prazo de um ano, a contar do registro do título.

Parágrafo único. Se houver atraso na imissão de posse no imóvel, atribuível ao alienante, a partir dela fluirá o prazo de decadência.

Vale registrar que persiste a discussão acerca da natureza de tal prazo, embora o código o tenha identificado como decadencial. Nesse contexto, a lição de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:

"2. Prescrição da pretensão material. Embora o texto da norma se utilize do verbo decair, a hipótese não é de decadência, e sim de prescrição da pretensão de complementação da área ou do abatimento proporcional do preço. Há, ainda, outra impropriedade na norma comentada. O direito de propor ação nunca se extingue, nem pela prescrição nem pela decadência, pois a ação sempre será exercitável. A pretensão de direito material é que pode ser atingida pela prescrição ou decadência. Neste sentido: Barbosa Moreira. O novo Código Civil e o direito processual (RF 364/186) (Código Civil comentado. 9. ed., p. 698).

Considerando que houve redução de prazo pelo Código Civil de 10.01.2003 (Lei 10.406), aplica-se a regra de transição do art. 2.028 do referido Código, in verbis:

"Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrega em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada".

A escritura pública de compra e venda firmada entre as partes fora registrada em 24.09.1996; assim, como até a entrada em vigor do Código Civil de 2002 não havia transcorrido a metade do prazo vintenário, aplica-se o novo prazo (um ano), a partir de 10.01.2003, tendo-se, portanto, esgotado em 10.01.2004.

Nesse sentido:

``Direito civil e processual civil. Ação ex empto. Ação pessoal. Prazo prescricional previsto no Código Civil de 1916. Art. 177. 20 anos. Prazo decadencial previsto no Código Civil em vigor. Art. 501. 01 ano. Regra de transição. Art. 2.028, Código Civil. Interpretação. Decadência pronunciada. - Restou firmado pela doutrina e jurisprudência, quando em vigor o Código Civil de 1916, que o prazo prescricional aplicável à ação ex empto era o prazo vintenário, previsto no art. 177. O Código Civil de 2002, além de reduzir o prazo para 01 ano, tratou referido prazo como decadencial, conforme se extrai do art. 501. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada, ut art. 2.028, Código Civil. Via de conseqüência, transcorrido menos da metade do tempo estabelecido na lei revogada, conta-se o prazo previsto na lei nova. Este novo prazo, previsto na lei revogadora, é contado a partir de sua entrada em vigor, não retroagindo à data anterior à sua vigência (Apelação Cível n° 1.0103.06.001610-4/001 - 15ª Câmara Cível - Relator: Des. Mota e Silva - j. em 13.11.2008).

``Apelação cível. Ação ex empto c/c ordinária de revisão de contratual. Decadência do direito. Art. 501 do Código Civil. Revisão do contrato. Perícia realizada. Ausência de irregularidades. Provimento negado. - Verificado ter sido o imóvel adquirido na vigência do Código Civil de 1916, com o ajuizamento da ação quando já estava em vigor o novo Código, aplica-se a regra de transição prevista no art. 2.028 deste Codex. Ultrapassado o prazo de 01 (um) ano, previsto no art. 501 da Lei Civil, decaiu a parte autora de seu direito. Não sendo detectada, através da perícia judicial, qualquer irregularidade no contrato, deve o pedido revisional ser julgado improcedente (Apelação Cível nº 1.0471.04.029346-9/001 - 13ª Câmara Cível - Rel. Des. Newton Teixeira Carvalho - j. em 04.07.2013).

``Responsabilidade civil. Ação redibitória. Prazo decadencial. Danos morais. Descumprimento contratual. 1 - O art. 1.136 do Código Civil de 1916 atribui ao comprador o direito de exigir a complementação da área (ação ex empto) ou, não sendo possível, de reclamar a resolução do contrato (ação redibitória) ou o abatimento do preço (ação quanti minoris) quando, em um contrato de compra e venda ad mensuram, em que estipulado o preço por medida de extensão, a área não corresponde ao declarado. Com a entrada em vigor do atual Código Civil, o prazo para o exercício do direito foi reduzido para 1 (um) ano, contado do registro do título ou da efetiva imissão na posse - art. 501. 2 - Não se exige a comprovação efetiva do dano moral. No entanto, é necessário que a vítima demonstre a violação ao neminem laedere e que a argumentação por ela trazida convença o julgador de sua existência. Em regra, o descumprimento contratual não enseja condenação por danos morais. Meros dissabores, aborrecimentos, percalços do dia a dia não são suficientes à caracterização do dever de indenizar. Recurso não provido (Apelação Cível n° 1.0027.05.062421-5/001 - 16ª Câmara Cível - Relator: Des. Wagner Wilson - j. em 19.08.2009).

Reconhecida a decadência do direito autoral, agiu com acerto o Julgador de primeira instância ao extinguir o feito, com resolução de mérito, com fulcro no art. 269, IV, CPC.

Conclusão.

Em face do exposto, nego provimento ao recurso, mantendo in totum a sentença primeira.

Custas recursais, pelo recorrente, observada a gratuidade de justiça de que é beneficiário (f. 120).

É como voto.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Roberto Soares de Vasconcellos Paes e Sérgio André da Fonseca Xavier.

Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Data: 10/05/2016 - 11:32:01   Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico
Extraído de Sinoreg/MG

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