Apelação Cível - Ação de cancelamento de cláusula de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade
24/07/2014 13:10
Apelação Cível - Ação de cancelamento de cláusula de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade - Bem imóvel - Direito sucessório
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE CANCELAMENTO DE CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE, INCOMUNICABILIDADE E IMPENHORABILIDADE - MITIGAÇÃO DA VEDAÇÃO LEGAL CONTIDA NO ART. 1.676 DO CC/1916 - ATENDIMENTO DA REAL CONVENIÊNCIA DO INTERESSADO E ADEQUAÇÃO DO IMÓVEL À SUA FUNÇÃO SOCIAL - SUB-ROGAÇÃO - DESNECESSIDADE - RECURSO PROVIDO
- A doutrina e a jurisprudência vêm admitindo o abrandamento da vedação contida no art. 1.676 do CC/1916, como forma de atender à real conveniência de quem visa proteger e de possibilitar a adequação do bem à sua função social.
Apelação Cível nº 1.0342.12.001021-6/001 - Comarca de Ituiutaba - Apelantes: Rop de Andrade Martins, Ruver de Andrade Martins - Relator: Des. Luiz Artur Hilário
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos em dar provimento ao apelo.
Belo Horizonte, 27 de maio de 2014 - Luiz Artur Hilário - Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES. LUIZ ARTUR HILÁRIO - Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença de f. 146/148, proferida nos autos da ação de cancelamento de cláusulas restritivas gravadas sobre bem imóvel com pedido liminar (sic) proposta por Ruver de Andrade Martins e Rop de Andrade Martins, na qual o MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Ituiutaba julgou improcedente o pedido formulado na inicial.
Em suas razões recursais de f. 192/218, os apelantes sustentam, em suma, que a cláusula de inalienabilidade gravada sobre um bem imóvel não é absoluta, devendo ser mitigada ante as particularidades do caso concreto e em razão do princípio da função social da propriedade. Alegam que referida cláusula foi inserida pelos próprios apelantes, com a exclusiva finalidade de garantir a moradia dos seus pais, e que, após a morte destes, não mais persiste o interesse em manter o imóvel, que tem gerado apenas transtornos de ordem moral, financeira e psicológica aos recorrentes. Aduzem que os Tribunais vêm admitindo o cancelamento das cláusulas restritivas, mesmo sem sub-rogação, ao entendimento de que tais gravames, muitas vezes, impedem a plena fruição do direito de propriedade.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Versam os autos sobre ação proposta pelos apelantes, visando ao cancelamento de cláusula de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade que grava o imóvel inscrito sob a Matrícula nº 7.598, no Cartório do 1º Ofício de Notas da Comarca de Ituiutaba/MG.
O referido imóvel foi adquirido pelos apelantes, no ano de 1988, mediante procuração outorgada ao Sr. Rui Martins de Andrade, genitor dos recorrentes, o que se comprova pela certidão de f. 101/102.
Nota-se do aludido documento e da escritura pública de compra e venda acostada às f. 138 que, além da cláusula de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, o imóvel foi gravado com o ônus de usufruto vitalício em favor dos genitores dos apelantes, o qual se extinguiu, em 18.11.2011, em virtude do falecimento dos usufrutuários.
Pois bem.
A constituição da cláusula restritiva que recai sobre o imóvel se deu no ano de 1988, quando ainda vigorava o Código Civil de 1916, que, em seus arts. 1.676 e 1.677, dispunha:
``Art. 1.676 - A cláusula de inalienabilidade temporária, ou vitalícia, imposta aos bens pelos testadores ou doadores, não poderá, em caso algum, salvo os de expropriação por necessidade ou utilidade pública, e de execução por dívidas provenientes de impostos relativos aos respectivos imóveis, ser invalidada ou dispensada por atos judiciais de qualquer espécie, sob pena de nulidade.
Art. 1.677. Quando, nas hipóteses do artigo antecedente, se der alienação de bens clausulados, o produto se converterá em outros bens, que ficarão sub-rogados nas obrigações dos primeiros.
Segundo se infere dos dispositivos legais apontados, a cláusula de inalienabilidade, instituída com a finalidade de resguardar o patrimônio familiar, não pode ser dispensada, salvo nos casos de expropriação por necessidade ou utilidade pública e de execução de dívidas provenientes de impostos relativos aos respectivos imóveis.
Ocorre, porém, que a doutrina e a jurisprudência vêm admitindo o abrandamento da vedação contida no art. 1.676 do CC/1916, como forma de atender à real conveniência de quem visa proteger e, ainda, de possibilitar a adequação do bem à sua função social.
Nesse sentido, o entendimento assente do Superior Tribunal de Justiça:
``Direito das sucessões. Revogação de cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade impostas por testamento. Função social da propriedade. Dignidade da pessoa humana. Situação excepcional de necessidade financeira. Flexibilização da vedação contida no art. 1.676 do CC/16. Possibilidade. 1. Se a alienação do imóvel gravado permite uma melhor adequação do patrimônio à sua função social e possibilita ao herdeiro sua sobrevivência e bem-estar, a comercialização do bem vai ao encontro do propósito do testador, que era, em princípio, o de amparar adequadamente o beneficiário das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. 2. A vedação contida no art. 1.676 do CC/16 poderá ser amenizada sempre que for verificada a presença de situação excepcional de necessidade financeira, apta a recomendar a liberação das restrições instituídas pelo testador. 3. Recurso especial a que se nega provimento (REsp nº 1.156.679/MG - Rel.ª Ministra Nancy Andrigh, DJe de 15.04.2011).
``Civil. Pedido de alvará para desconstituição parcial de cláusula de impenhorabilidade. Imóvel rural. Solicitação de financiamento para desenvolvimento de atividade agropecuária. Cédula rural hipotecária. Código civil anterior, art. 1.676. Exegese. Súmula n. 7-STJ. I - A orientação jurisprudencial adotada pelo STJ é no sentido de se atenuar a aplicação do art. 1.676 do Código Civil anterior, quando verificado que a desconstituição da cláusula de impenhorabilidade instituída pelo testador se faz imprescindível para proporcionar o melhor aproveitamento do patrimônio deixado e o bem-estar do herdeiro, o que se harmoniza com a intenção real do primeiro, de proteger os interesses do beneficiário. II - Caso que se amolda aos pressupostos acima, porquanto a pretensão de liberar da cláusula restritiva se destina a obter financiamento através de cédula rural hipotecária que grava apenas 20% da gleba e está vinculada ao desenvolvimento de atividade agropecuária. III. `A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial (Súmula n. 7-STJ). IV - Recurso especial não conhecido (REsp nº 303.424/GO, Rel. Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJe de 13.12.2004).
``Direito civil. Art. 1.676 do Código Civil. Cláusula de inalienabilidade. Promessa de compra e venda. Validade, pelas peculiaridades da espécie. - A regra restritiva à propriedade encartada no art. 1.676 do Código Civil deve ser interpretada com temperamento, pois a sua finalidade foi a de preservar o patrimônio a que se dirige, para assegurar à entidade familiar, sobretudo aos pósteros, uma base econômica e financeira segura e duradoura. Todavia, não pode ser tão austeramente aplicada a ponto de se prestar a ser fator de lesividade de legítimos interesses, sobretudo quando o seu abrandamento decorre de real conveniência ou manifesta vantagem para quem ela visa proteger associado ao intuito de resguardar outros princípios que o sistema da legislação civil encerra, como se dá no caso em exame, pelas peculiaridades que lhe cercam. Recurso especial não conhecido (REsp 10.020/SP, Rel. Ministro César Asfor Rocha, DJe de 14.10.1996).
Na espécie em exame, observo que as peculiaridades do caso concreto justificam a dispensa das cláusulas restritivas incidentes sobre o imóvel adquirido pelos próprios apelantes, uma vez que a realidade fática do momento da imposição do gravame não mais persiste.
Dos elementos probatórios constantes nos autos, depreende-se que os apelantes estabeleceram raízes afetivas e profissionais em cidades diversas da localização do imóvel (Ituiutaba/MG), residindo o primeiro recorrente na cidade de Goiânia/GO e o segundo em Vila Velha/ES, o que evidentemente dificulta a administração do imóvel.
Observa-se, ademais, que o imóvel, desde a morte dos usufrutuários, se encontra desocupado, gerando despesas a serem suportadas pelos apelantes, e que estes não possuem condições de plenamente usufruir do bem, por terem se estabelecido em outras localidades.
Aliás, ao que se percebe, o interesse maior da instituição do gravame era de resguardar o direito à moradia dos genitores dos apelantes (usufrutuários), o que não mais persiste diante do falecimento deles, especialmente se evidenciado que os requerentes, independentes financeiramente, nunca necessitaram do imóvel para a sua subsistência.
Nessas circunstâncias, em que os apelantes, que contam com mais de sessenta anos de idade, são capazes e aptos financeiramente a garantir a própria subsistência e em que são evidenciados nos autos obstáculos que dificultam a administração e a própria fruição do imóvel pelos proprietários, entendo que a relativização da imposição do gravame se mostra necessária no caso concreto, a fim de permitir o exercício pleno dos direitos inerentes à propriedade e resguardar o princípio constitucional da função social da propriedade.
Sobre a desnecessidade de sub-rogação, o que se justifica como forma de sobrepor a utilidade social do bem e em consideração ao fato de que o bem foi adquirido pelos apelantes mediante contrato de compra e venda, cita-se o seguinte precedente jurisprudencial:
``Imóvel. Cláusulas restritivas. Inalienabilidade. Incomunicabilidade. Impenhorabilidade. Usufruto vitalício. Extinção. Um dos doadores falecido. Anuência do outro doador. Restrições impostas. Maioridade do donatário. Cancelamento do gravame. Sub-rogação. Desnecessidade. - As regras de proibição, tais como as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, que venham a gravar um imóvel para proteção de descendente, devem ser mitigadas e, mesmo, canceladas, quando sobrevém nova situação de fato que, por si, demonstra a desnecessidade do gravame e sua contrariedade a preceitos inscritos na própria Constituição da República (TJMG, Apelação Cível nº 457.031-6, Comarca de Belo Horizonte, Rel. Desembargador Luciano Pinto, j. em 27.08.2004).
Com tais considerações e firme nesse entendimento, dou provimento ao apelo, para afastar a cláusula de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade que grava o imóvel inscrito sob a Matrícula nº 7.598, no Cartório do 1º Ofício de Notas da Comarca de Ituiutaba/MG.
Custas recursais, ex lege.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Márcio Idalmo Santos Miranda e Amorim Siqueira.
Súmula - DERAM PROVIMENTO AO APELO.
Data: 24/07/2014 - 11:11:33 Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico - 23/07/2014
Extraído de Sinoreg/MG