APELAÇÃO CÍVEL - PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - CONTRATO INFORMAL

APELAÇÃO CÍVEL - PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - CONTRATO INFORMAL - RESCISÃO PRETENDIDA PELOS VENDEDORES - ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE OUTORGA DA ESCRITURA POR EXISTÊNCIA DE DÍVIDA FISCAL - QUESTÃO ESTRANHA À RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE AS PARTES - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO - MANUTENÇÃO

- O contrato informal de promessa de compra e venda de imóvel, pelo qual os promitentes vendedores se obrigaram a outorgar escritura ao promitente comprador, não deve ser rescindido a pedido daqueles, sob o argumento de que uma dívida que teriam com a Fazenda Pública os impediria de outorgar a escritura por fraude à execução.

- Mesmo existindo a alegada dívida com o Fisco, o motivo do pedido de rescisão não se justifica, porque a outorga da escritura não está impossibilitada de se realizar, se não há nenhum gravame lançado sobre o imóvel no cartório de registro e o promitente comprador insiste na manutenção do negócio.

- A fraude à execução, além de ser um argumento estranho à relação jurídica entre as partes, é matéria adstrita ao vero credor dos promitentes vendedores, de modo que somente ele pode alegá-la para resguardo de seu direito.

Apelação Cível nº 1.0687.11.000481-3/001 - Comarca de Timóteo - Apelantes: Maria Ângela Teles, Sérgio Antônio Teles e outros - Apelado: Adenilson Rocha Soares - Relator: Des. Luciano Pinto

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em rejeitar a preliminar de cerceamento de defesa e negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 9 de maio de 2013. - Luciano Pinto - Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. LUCIANO PINTO - Sérgio Antônio Teles e Maria Ângela Teles ajuizaram ação de rescisão de contrato de promessa de compra e venda contra Adenilson Rocha Soares.

Narraram ter prometido à venda o imóvel descrito na inicial, através de contrato verbal firmado com o réu em 06.09.2006, ao preço de R$ 50.000,00.

Acrescentaram que, no momento da contratação, o réu pagara o valor de R$ 25.000,00, ficando o restante do valor a ser pago quando da outorga da escritura, fato que ocorreria após quitação de dívida ativa, à qual os autores teriam sido lançados pela Fazenda Pública.

Mais, disseram que, por liberalidade do réu, este teria pagado mais R$ 10.000,00 do valor do imóvel, restando, da dívida, o montante de R$ 15.000,00; contudo, narraram que, ao procurar o Fisco para a quitação da sua dívida, verificaram que o seu valor passava de R$ 300.000,00, o que, ao que disseram, seria impossível saldar tal valor.

Com isso, alegaram que, uma vez não sendo possível o cumprimento, por parte deles, do contrato firmado com o réu, já que não poderiam outorgar a escritura do imóvel por fraude à execução, requereram a rescisão do contrato, haja vista o réu ter-se recusado, de forma amigável, a aceitar tal rescisão.

Discorreram longamente sobre o tema, alegando que a venda do imóvel ao réu configurava fraude à execução, nos termos da lei, e, por isso, o negócio seria nulo de pleno direito.

Transcreveram norma legal e requereram a procedência da ação, com pedido liminar de reintegração de posse.

Juntaram documentos.

O réu, citado, contestou a ação às f. 68/76.

Verberou a pretensão liminar de reintegração de posse, assinalando não ter violado o contrato nem dado causa à sua rescisão, estando, assim, na posse legítima do imóvel que adquirira de boa-fé dos autores, através de negociação legal.

Disse que, ao firmar o contrato com os autores, estes se obrigaram a outorgar a escritura, e que o pagamento do restante do valor do imóvel se daria nessa data, não havendo nenhuma razão jurídica para a rescisão do negócio, mesmo que haja dívida fiscal dos promitentes vendedores.

Adiante, afirmou que a alegada dívida, ainda que esteja em fase de execução, não impediria que os autores cumprissem sua obrigação de outorgar a escritura, já que o imóvel se encontra livre e desembaraçado de quaisquer ônus, conforme documento do cartório de registro de imóveis.

Assim, disse que a alegação dos autores, de que estariam impedidos de cumprir sua parte na avença, porque não poderiam outorgar a escritura, não prevaleceria nem também justificaria a rescisão do contrato.

Discorreu longamente sobre o tema, alegando, adiante, ter realizado benfeitorias no imóvel, que acabaram valorizando-o muito.

Descreveu tais benfeitorias e disse que o imóvel estaria, hoje, valendo mais de R$ 350.000,00.

Mais, disse que os autores teriam vendido o imóvel a ele, réu, exatamente para saldar a alegada dívida que teriam com o Fisco, de modo que não há falar em fraude à execução do contrato firmado pelas partes.

Com isso, pediu a improcedência da ação ou, alternativamente, que fosse indenizado pelas benfeitorias do imóvel, ou que este seja reavaliado e lhe devolvido o valor total a que teria direito em razão da pretensa rescisão.

Juntou documentos.

Às f. 136/146, os autores impugnaram a contestação.

À f. 149, as partes foram intimadas a especificar provas, tendo os autores se manifestado às f. 151/153, onde protestaram, por provas documentais, acerca das alegadas benfeitorias que o réu disse ter edificado no imóvel, além de perícia contábil e prova testemunhal.

O réu, de sua vez, requereu prova testemunhal.

Às f. 155/156, o MM. Juiz proferiu decisão indeferindo a tutela antecipada requerida pelos autores e parte das provas requeridas pelos autores.

Adiante, à f. 162, realizou-se audiência de conciliação, onde as partes ratificaram as provas que pretendiam produzir.

Às f. 163/167, foi proferida sentença que julgou improcedente o pedido, tendo o MM. Juiz a quo, após transcrever inúmeros arestos sobre o tema da fraude à execução, se arrimado no seguinte fundamento:

"Portanto, razão não assiste aos autores, quando pretendem a rescisão contratual tão somente pela preexistência de dívida fiscal em execução.

Por fim, porque não pactuado o arrependimento e inexistindo cláusula resolutória expressa, descabe rescindir unilateralmente o contrato por vontade dos promissários vendedores, eis que o promissário comprador cumpriu sua parte da obrigação não concordando o pedido inicial (exegese dos artigos 475 e 1.417 do Código Civil)".

Daí o recurso dos autores, de f. 170/174, onde alegam, primeiro, ter o MM. Juiz julgado antecipadamente o feito, sem que lhes fosse permitida a produção de prova acerca da má-fé do réu ao adquirir o imóvel, sabendo que eles, autores, tinham dívida com o Fisco.

Com isso, entendendo não ser possível provar a má-fé do réu, sem a referida prova oral, pediram a cassação da sentença.

Adiante, disseram que, caso prevaleça a preliminar, deveria ser acolhido o impedimento do Juiz de primeiro grau, por força do art. 134, IV, do CPC.

No mérito, discorreram longamente sobre a má-fé do réu ao firmar o negócio, porque a venda do imóvel violava direito de credor, no caso, a Fazenda Pública, com a qual eles, autores, teriam dívida.

Disseram ter o réu praticado fraude à execução, e, assim, o contrato deveria ser rescindido.

Por fim, pediram a procedência da ação, alegando que, em relação às benfeitorias descritas pelo réu, estas deveriam ser levantadas através do devido processo legal.

Com tais razões, requereram o provimento do recurso.

O réu apresentou contrarrazões às f. 177/183, pela manutenção da sentença.

Em suma, é o que se tem a relatar.

Presentes os pressupostos legais, conheço do recurso.

Preliminar.

Cerceamento de defesa.

Os apelantes assinalam ter havido julgamento antecipado do feito, sem que lhes fosse oportunizada a prova acerca da má-fé do apelado quando adquiriu o imóvel, má-fé essa que configurava, a seu aviso, a fraude à execução.

Sem razão os apelantes.

Primeiramente, deve-se esclarecer que a matéria, aqui, não está ligada a qualquer questão de fraude à execução, porque o contrato firmado entre as partes tem por objeto imóvel livre de constrição e, além disso, somente quem poderia, a rigor, alegar a referida fraude seria o vero credor da dívida, isto é, a Fazenda Pública.

Em segundo lugar, a alegação dos apelantes, quando requereram a rescisão do contrato, foi de que eles não poderiam outorgar a escritura do imóvel, a favor do apelado, em razão de uma dívida que teriam com a Fazenda Pública, configurando a impossibilidade de cumprimento de obrigação, de sua parte. Agora, eles se voltam contra ato que praticaram - venda do imóvel - para pleitear sua rescisão, alegando que tal venda configurava fraude à execução e que o réu é que teria agido de má-fé quando aceitou adquirir o imóvel mesmo sabendo da referida dívida com o Fisco.

Ora, obviamente que não pode ser acolhido o argumento, e, de resto, a prova pretendida é absolutamente inócua, já que, como dito, não há que se apurar má-fé do apelado, nestes autos, para fins de rescisão do contrato, porque a existência de fraude à execução é matéria estranha à relação jurídica entre as aqui partes, embora se deva assinalar que, um eventual reconhecimento, em outra ação, de ter havido fraude contra credor com a venda do imóvel, essa declaração somente torna ineficaz o contrato em relação àquele credor fraudado, mas não gera a rescisão do contrato aqui firmado.

Com isso, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa, ficando prejudicado o argumento seguinte, dos apelantes, de impedimento do Magistrado de presidir a dilação probatória.

Mérito.

No mérito, também não têm razão os apelantes, porque, frise-se, não há que se apurar qualquer má-fé do apelado, ao adquirir o imóvel, uma vez que não existe, na relação jurídica entre as partes, evocação de fraude à execução ou a credor.

Além disso, o que os apelantes pretendem, com a alegação de má-fé do apelado, é nada mais que fugir à responsabilidade assumida com ele de outorgar-lhe a escritura do imóvel que venderam.

Verberar, aqui, os apelantes, a validade do contrato configura teoria dos atos próprios do sistema da lei civil, comportamento contraditório pelo qual a parte produz um documento e, em seguida, se volta contra seus próprios passos para reputá-lo nulo.

A proibição do venire contra factum proprium implica exatamente a impossibilidade de se pretender anular contratos ou títulos fundados em fato praticado pelo próprio sujeito que empolga o argumento da invalidade.

Nas fontes romanas do direito civil, a vedação já existia no turpitudinem suam allegans non auditur (aquele que alega a sua torpeza não deve ser ouvido), bem como no adversus factum suum movere controversias prohibetur (contra um fato próprio, não se pode mover ação de impugnação), como bem anotou o extraordinário ensaio de Luciano de Camargo Penteado (in Figuras parcelares da boa-fé objetiva e venire contra factum proprium, Revista de Direito Privado, n. 27, jul./set. 2006, p. 253 e seguintes).

O venire contra factum proprium, figura parcelar da boa-fé objetiva, como anota Luciano de Camargo Penteado no ensaio acima citado, é de ser aplicado em qualquer caso, porque a matéria da boa-fé é de ordem pública e incide em qualquer momento.

Além do mais, consoante os arts. 113 e 422 do Código Civil, os negócios jurídicos devem ser interpretados, levando-se em conta a probidade, a boa-fé e a lealdade entre as partes, verbis:

"Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração".

"Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé".

Assim, não pode, aqui, prevalecer a tese de que o contrato não teria validade, porque violava direito de terceiro, no caso, a Fazenda Pública.

De resto, o nuclear, aqui, é que a outorga da escritura, a que se obrigaram os apelantes, frise-se, não está obstada, em razão de eventual dívida deles com o Fisco, de modo que não pode haver a rescisão do contrato, por esse motivo.

Isso posto, nego provimento ao recurso.

DES.ª MÁRCIA DE PAOLI BALBINO - De acordo com o Relator.

DES. EVANDRO LOPES DA COSTA TEIXEIRA - De acordo com o Relator.

Súmula - PRELIMINAR REJEITADA. RECURSO NÃO PROVIDO.

 

Data: 28/06/2013 - 11:24:57   Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico - 27/06/2013 

Extraído de Recivil

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