Apenas uma em cada sete crianças que vivem em abrigos pode ser adotada
25/05/2012 14:19
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Apenas uma em cada sete crianças e adolescentes que vivem em abrigos pode ser adotada
25/05/2012 - 8h08
CidadaniaJustiçaNacional
Amanda Cieglinski
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Em uma ampla sala colorida, cercado por cuidadoras, um grupo de seis bebês, com 6 meses de idade em média, divide o mesmo espaço, brinquedos e histórias de vida. Todos eles vivem em uma instituição de acolhimento enquanto aguardam que a Justiça defina qual o seu destino: voltar para a família biológica ou ser encaminhados para adoção.
A realidade das 27 crianças que moram no Lar da Criança Padre Cícero, em Taguatinga, no Distrito Federal (DF), repete-se em outras instituições do país. Enquanto aguardam os trâmites judiciais e as tentativas de reestruturação de suas famílias, vivem em uma situação indefinida, à espera de um lar. Das 39.383 crianças e adolescentes abrigadas atualmente, apenas 5.215 estão habilitadas para adoção. Isso representa menos de 15% do total, ou apenas um em cada sete meninos e meninas nessa situação.
Aprovada em 2009, a Lei Nacional da Adoção regula a situação das crianças que estão em uma das 2.046 instituições de acolhimento do país. A legislação enfatiza que o Estado deve esgotar todas as possibilidades de reintegração com a família natural antes de a criança ser encaminhada para adoção, o que é visto como o último recurso. A busca pelas famílias e as tentativas de reinserir a criança no seu lar de origem podem levar anos. Juízes, diretores de instituições e outros profissionais que trabalham com adoção criticam essa lentidão e avaliam que a criança perde oportunidades de ganhar um novo lar.
“É um engodo achar que a nova lei privilegia a adoção. Em vez disso, ela estabelece que compete ao Estado promover o saneamento das deficiências que possam existir na família original e a ênfase se sobressai na colocação da criança na sua família biológica. Com isso, a lei acaba privilegiando o interesse dos adultos e não o bem-estar da criança”, avalia o supervisor da Seção de Colocação em Família Substituta da 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF, Walter Gomes.
Mas as críticas em relação à legislação não são unânimes. O juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Nicolau Lupianhes Neto avalia que não há equívoco na lei ao insistir na reintegração à família natural. Para ele, a legislação traz muitos avanços e tem ajudado a tornar os processos mais céleres, seguros e transparentes. “Eu penso que deve ser assim [privilegiar a família de origem], porque o primeiro direito que a criança tem é nascer e crescer na sua família natural. Todos nós temos o dever de procurar a todo momento essa permanência na família natural. Somente em último caso, quando não houver mais solução, é que devemos promover a destituição do poder familiar”, defende.
O primeiro passo para que a criança possa ser encaminhada à adoção é a abertura de um processo de destituição do poder familiar, em que os pais poderão perder a guarda do filho. Antes disso, a equipe do abrigo precisa fazer uma busca ativa para incentivar as mães e os pais a visitarem seus filhos, identificar as vulnerabilidades da família e encaminhá-la aos centros de assistência social para tentar reverter as situações de violência ou violação de direitos que retiraram a criança do lar de origem. Relatórios mensais são produzidos e encaminhados às varas da Infância. Se a conclusão for que o ambiente familiar permanece inadequado, a equipe indicará que o menor seja encaminhado para adoção, decisão que caberá finalmente ao juiz.
Walter Gomes critica o que chama de “obsessão” da lei pelos laços sanguíneos. “Essa ênfase acaba demonstrando um certo preconceito que está incrustado na sociedade que é a supervalorização dos laços de sangue. Mas a biologia não gera afeto. A lei acaba traduzindo o preconceito sociocultural que existe em relação à adoção.”
Uma das novidades introduzidas pela lei – e que também contribui para a demora nos processos - é o conceito de família extensa. Na impossibilidade de a criança retornar para os pais, a Justiça deve tentar a reintegração com outros parentes, como avós e tios. Luana* foi encaminhada ao Lar da Criança Padre Cícero quando tinha alguns dias de vida. A menina já completou 6 meses e ainda aguarda a decisão da Justiça, que deverá dar a guarda dela para a avó, que já cuida de três netos. A mãe de Luana, assim como a de vários bebês da instituição, é dependente de crack e não tem condições de criar a filha.
O chefe do Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria Pública de São Paulo, Diego Medeiros, considera que o problema não está na lei, mas na incapacidade do Estado em garantir às famílias em situação de vulnerabilidade as condições necessárias para receber a criança de volta. “Como defensoria, entendemos que ela é muito mais do que a Lei da Adoção, mas o fortalecimento da convivência familiar. O texto reproduz em diversos momentos a intenção do legislador de que a prioridade é a criança estar com a família. Temos que questionar, antes de tudo, quais foram os esforços governamentais destinados a fortalecer os vínculos da criança ou adolescentes com a família”, aponta.
Pedro* chegou com poucos dias de vida ao Lar Padre Cícero. A mãe o entregou para adoção junto com uma carta em que deixava clara a impossibilidade de criar o menino e o desejo de que ele fosse acolhido por uma nova família. Mesmo assim, aos 6 meses de vida, Pedro ainda não está habilitado para adoção. Os diretores do abrigo contam que a mãe já foi convocada para dizer, perante o juiz, que não deseja criar o filho, mas o processo continua em tramitação. Na instituição onde Pedro e Luana moram, há oito crianças cadastradas para adoção. Dessas, apenas duas, com graves problemas de saúde, têm menos de 5 anos de idade.
Enquanto juízes, promotores, defensores e diretores de abrigos se esforçam para cumprir as determinações legais em uma corrida contra o tempo, a fila de famílias interessadas em adotar uma criança cresce: são 28 mil pretendentes cadastrados e apenas 5 mil crianças disponíveis (veja infográfico). Para a vice-presidenta do Instituto Brasileiro de Direito da Família, Maria Berenice Dias, os bebês abrigados perdem a primeira infância enquanto a Justiça tenta resolver seus destinos. “Mesmo que eles estejam em instituições onde são super bem cuidados, eles não criam uma identidade de sentir o cheiro, a voz da mãe. Com tantas crianças abrigadas e outras tantas famílias querendo adotar, não se justifica esse descaso. As crianças ficam meses ou anos depositadas em um abrigo tentando construir um vínculo com a família biológica que na verdade nunca existiu”, critica.
Agência Brasil
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Prazo máximo de dois anos para permanência de crianças em abrigos ainda é descumprido
25/05/2012 - 8h14
CidadaniaJustiçaNacional
Amanda Cieglinski
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Aos 17 anos, Bruno* já perdeu as esperanças de ser adotado. Sabe que o tempo é cruel com as crianças e os adolescentes que vivem em abrigos: os pretendentes cadastrados para adoção preferem os mais novos, até 4 anos de idade. A demora na tramitação dos processos, até que a família biológica perca a guarda e a criança seja habilitada para adoção, reduz as chances de acolhimento em um novo lar.
A Lei Nacional da Adoção, aprovada em 2009, fixou em dois anos o tempo máximo de permanência da criança ou do adolescente em um abrigo. Mas, na prática, a demora da Justiça para analisar e decidir cada situação faz com que esse prazo seja extrapolado na maioria dos casos. Bruno não é exceção. Muitos adolescentes ficam nas instituições de acolhimento até os 18 anos, quando devem sair para construir as próprias vidas. A meta de Bruno é trabalhar e montar sua casa para poder cuidar dos três irmãos que vivem com ele na instituição Nosso Lar, que atualmente cuida de 42 crianças e adolescentes (apenas 16 aptos para adoção), no Núcleo Bandeirante, no Distrito Federal.
Há mais de uma década na direção do Nosso Lar, Cláudia Vilhena avalia que nos últimos anos a situação melhorou – os processos aos poucos estão mais rápidos e há mais disposição das famílias para aceitar crianças mais velhas. “A lei mudou e a coisa parece que está começando a tomar jeito. Até ela completar 3 anos, a adoção é fácil. De 3 a 8 anos, a chance é média, mas você ainda consegue sucesso. De 8 anos para cima, começa a ser mais difícil. Eu espero que não aconteça com os meus pequenos o que aconteceu com os mais velhos. Os maiores percebem que a chance deles é pequena porque veem outras crianças chegando e saindo”, diz a diretora da instituição.
Para o juiz José de Paiva, vice-presidente de Assuntos da Infância e Juventude da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), a lei ainda passa por um período de implantação e é natural que todos os envolvidos nos processos – abrigos, varas da Infância, Ministério Público e Defensoria Pública – estejam se adaptando. Ele acredita que em um ou dois anos essas dificuldades sejam superadas. “Pode ser que, com o passar do tempo, a gente sinta necessidade de fazer uma mudança [na Lei da Adoção], mas, da forma como ela está hoje, já traz respostas que são muito boas”, avalia.
A lei também estabeleceu que a cada seis meses a situação da criança que vive em um abrigo precisa ser revisada. A instituição produz um relatório sobre a condição das famílias e as tentativas de reintegração com os pais biológicos, avós ou tios. A partir daí, indica se a criança ou adolescente deverá ser encaminhado para adoção ou pode voltar para a família de origem.
Mas nem sempre essa resposta é rápida. Mariana* foi encontrada na rua por um casal, depois de ter sido abandonada pela mãe com poucos dias de vida. Na sua certidão, constam apenas o primeiro nome e a data de nascimento, que foi estimada porque ela ainda estava com o cordão umbilical. A polícia investigou, mas não descobriu nada sobre os pais da menina. O passado da bebê virou uma incógnita e, mesmo diante do total desconhecimento sobre a família biológica, Mariana completou 6 meses e ainda não seguiu para adoção. A menina permanece no Nosso Lar.
Paiva acredita que, com o passar dos anos, serão criadas jurisprudências, e, com isso, o tempo de encaminhamento da criança para a adoção – ou o retorno à família de origem – será abreviado. “Temos consciência de que é preciso fazer pequenos ajustes nos procedimentos. Quando o juiz percebe que o retorno à família é inviável, nós temos agilizado. No caso de uma criança recém-nascida que é abandonada, os juízes vão perceber que seis meses é muito tempo para procurar uma família, dois meses são mais do que suficientes”, opina.
A falta de recursos humanos e físicos para o trabalho nas varas de Infância e tribunais do país também atrapalha o andamento dos processos. O juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Nicolau Lupianhes Neto avalia que a lei tem pontos importantes, como o estabelecimento de prazos máximos de permanência nos abrigos. “Mas ainda falta um pouco de estrutura humana e material. Existem dificuldades de toda ordem para se cumprir os prazos, mas elas têm que ser superadas. A cada seis meses, a corregedoria organiza audiências concentradas [uma espécie de mutirão] para avaliar a situação dessas crianças que estão nas unidades de acolhimento para ver quem já pode ser reintegrado”, destaca.
As diretoras do Nosso Lar, Cláudia Vilhena e Mariza Santana, falam com carinho das crianças que já passaram pela instituição. As duas trabalham para que a situação dos meninos e meninas que ainda permanecem no local seja resolvida o mais rápido possível. Mesmo oferecendo todo amor e cuidado aos acolhidos, as diretoras esperam que eles possam ser inseridos em uma família – seja a biológica ou adotiva. “Aqui não é a casa definitiva deles, é um espaço de transição. Minha esperança é que a gente não tenha mais casos como o do Bruno, que chegou aqui bebê e vai sair com 18 anos. Isso é muito cruel na vida de uma pessoa”, lamenta Cláudia.
*Os nomes foram trocados em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) // Edição: Juliana Andrade e Lílian Beraldo
Agência Brasil
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Exigência de famílias com relação a perfil da criança dificulta adoção
25/05/2012 - 8h22
CidadaniaJustiçaNacional
Amanda Cieglinski
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Os abrigos que acolhem crianças e adolescentes no país estão cheios, mas ainda assim famílias esperam anos na fila para adotar um filho. A demora nos processos de destituição do poder familiar, em que os pais perdem a guarda e a criança pode ser encaminhada à adoção, explica em parte esse fenômeno. Outro motivo é a discrepância entre o perfil das crianças disponíveis e as expectativas das famílias.
A maior parte dos pretendentes procura crianças pequenas, da cor branca e sem irmãos. Dos 28 mil candidatos a pais incluídos no Cadastro Nacional de Adoção, 35,2% aceitam apenas crianças brancas e 58,7% buscam alguma com até 3 anos. Enquanto isso, nas instituições de acolhimento, mais de 75% dos 5 mil abrigados têm entre 10 e 17 anos, faixa etária que apenas 1,31% dos candidatos está disposto a aceitar.
Quase mil crianças e adolescentes já foram adotados por meio do cadastro, criado em 2008. Antes da ferramenta, que é administrada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as unidades federativas tinham bancos de dados próprios, o que dificultava a troca de informações e a adoção interestadual.
Para o juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Nicolau Lupianhes Neto, é possível perceber uma mudança na postura das famílias pretendentes, que têm flexibilizado o perfil buscado. A principal delas diz respeito à faixa etária: antes a maioria aceitava apenas bebês, mas hoje a adoção de crianças até 4 ou 5 anos de idade está mais fácil.
“A gente observa que isso tem mudado pelos próprios números do cadastro, mas essa transformação não vai acontecer da noite para o dia porque faz parte de uma cultura”, aponta o magistrado. Uma barreira difícil de ser superada ainda é a adoção de irmãos. Apenas 18% aceitam adotar irmãos e 35% dos meninos e meninas têm irmãos no cadastro. A lei determina que, caso a criança ou adolescente tenha irmãos também disponíveis para adoção, o grupo não deve ser separado. Os vínculos fraternais só podem ser rompidos em casos excepcionais, que serão avaliados pela Vara da Infância.
Outros fatores são entraves para que uma criança ou adolescente seja adotado, entre eles a presença de algum tipo de deficiência física ou doença grave, condição que atinge 22% dos incluídos no cadastro. Bianca* tem 5 meses de idade e chegou com poucos dias de vida ao Lar da Criança Padre Cícero, em Taguatinga, no Distrito Federal. A mãe, usuária de crack, tentou fazer um aborto e Bianca ficou com sequelas em função das agressões que sofreu ainda na barriga. Ela tem paralisia cerebral parcial. Apesar da deficiência, é uma menina esperta, ativa e muito carinhosa. Os médicos que acompanham o tratamento de Bianca no Hospital Sarah, em Brasília, estão animados com a sua evolução, segundo a assistente social Renata Cardoso. “Mas a gente sabe que no caso dela a adoção vai ser difícil”, diz.
Aos 37 anos, Renata sabe muito bem como é a realidade das crianças que vivem nos abrigos, mas têm poucas chances de ser adotada. Ela chegou ao Lar da Criança Padre Cícero aos 7 anos de idade, com três irmãos. Órfãos de mãe, eles não podiam morar com o pai, que era alcoólatra. Houve uma tentativa de reintegração quando o pai se casou, mas ela e os irmãos passaram poucos meses na casa da madrasta e logo retornaram para a instituição. “Não deu certo”, lembra. Dois de seus irmãos saíram do abrigo após completar 18 anos e formaram suas próprias famílias. Renata quis continuar o trabalho de Maria da Glória Nascimento, a dona Glorinha, diretora do lar. Ela nunca foi adotada oficialmente por Glorinha, mas ela e os irmãos são tratados como se fossem filhos biológicos.
“Com o tempo, a gente sentiu que ela ia cuidar da gente como filho. Não tive vontade de ir embora, nunca vi aqui como um abrigo, sempre vi como minha casa e ela [Glorinha] como minha mãe. Ela sempre ensinou que nós iríamos crescer para cuidar dos menores e foi assim”, conta.
*O nome foi trocado em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) // Edição: Juliana Andrade e Lílian Beraldo
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