Artigo – Proibição do casamento infantil: importante transformação social – Por Regina Tavares

Artigo – Proibição do casamento infantil: importante transformação social – Por Regina Tavares

Na última quarta-feira (13/3), foi sancionada a Lei n.º 13.811 de 2019, que proíbe o casamento de menores de 16 anos. Essa lei altera a redação do art. 1.520 do Código Civil que antes permitia, em caso de gravidez, o casamento de menores de 16 anos.

Se por um lado a antiga previsão legal se fundava na garantia de proteção a quem tivesse menos de 16 anos e engravidasse precocemente, facultando-lhe o casamento. Por outro, a mudança aprovada tem respaldo no entendimento de que esse tipo de união traz prejuízos de ordem psicológica e social a quem tem menos de 16 anos, por ser incompatível com sua fase desenvolvimento, trazendo uma perspectiva educativa a propiciar mudanças sociais importantes.

Entre os juristas que têm se posicionado contra a aprovação daquela lei, com base em argumentos de ordem protetiva, destacam-se Venceslau Tavares Costa Filho e Flávio Henrique Santos. Em fundamentado artigo, com base no direito de constituir família e no princípio da paternidade responsável (Constituição Federal, art. 227), chamam a atenção para possíveis transtornos que poderiam ser gerados pela aprovação da lei ou, mesmo, sua inutilidade frente aos casos fáticos (artigo). A preocupação dos respeitáveis juristas é pertinente e oportuna por nos fazer refletir.

Ainda que, por amor ao debate, consideremos diferentes perspectivas e análises de possíveis desdobramentos, não se pode olvidar a louvável motivação de cunho pedagógico que, tanto o Poder Legislativo como o Poder Executivo, tiveram em mente ao aprovar e sancionar a nova Lei proibitiva do casamento de pessoa com menos de 16 anos.

Atente-se que o Código Civil brasileiro prevê o casamento como causa de emancipação, fazendo cessar a incapacidade de menores (art. 5.º, parágrafo único, II). Isso significa que, quando, nos termos do ordenamento legal anterior, uma adolescente menor do que 16 anos casava, adquiria capacidade civil, para responder por todas as suas ações no espectro da vida social e jurídica, deixando inclusive de estar sujeita ao poder familiar. Seus pais não poderiam mais, por exemplo, obrigá-la a frequentar a escola.

Sobre esta questão, há recente decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina no sentido de que não cabe responsabilizar os pais por abandono parental quando o menor já é casado (AC n.º 0900068-92.2018.8.24.0019, Relator Desembargador Antônio Zoldan da Veiga, j. 31/1/2019), no caso concluiu-se que, devido à emancipação da adolescente pelo casamento, não há como responsabilizar os seus pais pelas faltas escolares, já que não detinham mais o poder familiar.

De fato, um dos pontos preocupantes no Brasil é o abandono escolar, que acaba por ceifar as possibilidades de posterior ingresso e crescimento na vida profissional.

Importante observar que está vedado o casamento pela nova lei e também já não poderia existir união estável de menor de 16 anos de idade, uma vez que a capacidade civil é requisito essencial e indispensável à formação de entidade familiar, em razão dos seus efeitos. Assim, já eram inaplicáveis à união estável as regras que possibilitavam o casamento de menores de 16 anos com a autorização dos pais e suprimento judicial da idade, por se tratar de relação constituída no plano dos fatos, que se constrói no dia a dia, sendo impossível essa autorização ser dada diuturnamente (Regina Beatriz Tavares da Silva: Código Civil Comentado, 10 ed., Saraiva, 2016, p. 1806).

Não se pode esquecer, ainda, que estamos falando de adolescentes com idades aproximadas entre 12 e 15 anos, período importante em seu desenvolvimento psicossocial e que são, com efeito, ainda incapazes de tomar decisões de peso, por falta de maturidade e experiência. Sem contar que os impactos de uma relação conjugal nesse estágio de vida, em que ainda se está estruturando a identidade, gera um desequilíbrio na sua constituição com riscos e consequências negativas, tanto físicas como psicológicas, sem contar com os catastróficos desencadeamentos sociais daí advindos.

Aliás, só se pode falar em amadurecimento sexual, quando se tem, também, um amadurecimento emocional e racional. De modo que o desestímulo à iniciação precoce da vida sexual por adolescentes passa a ser uma questão de ordem pública. Estamos falando aqui do desenvolvimento da pessoa em sua integralidade, em que lhe é assegurada a dignidade de acordo com cada uma de suas fases da vida em plenitude.

Essa é a formação humana que se pretende seja viabilizada por meio da nova lei que proíbe casamentos de menores de 16 anos.

Claro que, por si só, a nova lei não tem o condão de mudar uma realidade radicada em grande parcela da sociedade brasileira há anos, como bem observaram Venceslau Tavares Costa Filho e Flávio Henrique Santos (artigo), mas, caso aliada a uma séria implementação de políticas educativas, pode representar um importante passo na direção da promoção da dignidade desses adolescentes. Não ignorando, por óbvio, que a efetivação da nova lei deverá ser realizada com a devida atenção aos adolescentes que se encontrem na situação de gravidez precoce, o que se acredita possa ser algo empreendido com a devida responsabilidade por nossa gestão pública, como a instituição de semana nacional de prevenção da gravidez na adolescência pela Lei 13.798/19 com objetivo de disseminar informações sobre medidas preventivas e educativas.

É um trabalho a médio, senão a longo prazo, mas que alguém precisa começar e começou!

*Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Doutora em Direito pela USP e advogada

Fonte: O Estado de S. Paulo

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