Autonomia e proteção patrimonial: A influência da decisão do STF sobre regime de bens para pessoas maiores de 70 anos
Autonomia e proteção patrimonial: A influência da decisão do STF sobre regime de bens para pessoas maiores de 70 anos
Samili Woichekoski
Regimes de bens evoluíram historicamente, influenciados por valores sociais e contextos legais. Código Civil brasileiro atual prevê quatro categorias: Separação, Comunhão Parcial, Comunhão Universal e Participação Final.
segunda-feira, 11 de março de 2024
Atualizado às 08:19
Historicamente, os regimes de bens foram influenciados por diferentes contextos culturais, sociais e legais ao longo do tempo, eles foram tradicionalmente influenciados por uma combinação de costumes culturais, valores sociais e desenvolvimentos legais, refletindo diferentes concepções sobre propriedade, família e igualdade entre os cônjuges ao longo do tempo.
Atualmente o nosso Código Civil brasileiro prevê vários tipos de regime de bens, em suma, existem quatro categorias, sendo elas, Regime de Separação de Bens, de Comunhão Parcial, de Comunhão Universal e a Participação Final nos Aquestos.
Sucintamente, o Regime de Separação de Bens é aquele onde não existe comunicação dos bens ao longo do casamento, ou seja, cada um dos cônjuges possuem seus próprios bens. Já no regime de comunhão parcial de bens, existe comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento e, em um eventual divórcio, haverá a divisão dos respectivos haveres.
Ademais, na Comunhão Universal, todos os bens se comunicam, aqueles adquiridos antes do casamente e na constância dele, devendo ser divididos integralmente entre o casal e, por fim, na Participação Final dos Aquestos, não existe comunicação do patrimônio durante o casamento, todavia, em eventual divórcio, os bens adquiridos onerosamente serão divididos.
Importante ressaltar que as pessoas podem escolher o regime que regerá sua relação conjugal ou união estável de acordo com a legislação do país em que residem. A escolha dele pode ser feita pelos noivos antes do casamento ou durante a união estável, através de um contrato pré-nupcial ou de convivência, respectivamente. Essa escolha deve ser registrada em cartório para ter validade legal. O regime escolhido afeta a forma como os bens são administrados e partilhados durante o relacionamento e em caso de separação ou falecimento de um dos cônjuges.
No Brasil, a fixação do regime de separação de bens não é obrigatória, o regime padrão é o da comunhão parcial, conforme estabelecido pelo Código Civil. No entanto, as partes têm o direito de escolher livremente o regime que melhor se adeque às suas necessidades e preferências, desde que respeitadas as disposições legais.
Entretanto, em alguns casos existe a obrigatoriedade de fixação do regime de separação de bens, na melhor forma do art. 1.641 do Código Civil, vejamos:
Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
No entanto, recentemente o STF proferiu uma decisão histórica, na qual prevê a modificação dessa anterior obrigatoriedade, in verbis:
"O Tribunal, por unanimidade, apreciando o Tema 1.236 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator, Ministro Luís Roberto Barroso (Presidente). Em seguida, foi fixada a seguinte tese: "Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante escritura pública". Plenário, 1.2.24."
No julgamento do ARE 1.309.642, o STF firmou a tese de que nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoas maiores de 70 anos, o regime de separação de bens estabelecido pelo art. 1.641, inciso II, do Código Civil, pode ser modificado por meio da expressa manifestação de vontade das partes, desde que realizada por meio de escritura pública. Essa decisão reconhece a autonomia e capacidade das partes mais velhas para decidir sobre o regime patrimonial de seus relacionamentos, mesmo que esteja em desacordo com a presunção legal estabelecida para essa faixa etária.
Nesse viés, permitir que pessoas maiores de 70 anos possam escolher seu regime de bens traz uma série de benefícios e reconhece a autonomia e capacidade dessas pessoas de tomar decisões importantes sobre seus relacionamentos, nesse contexto passemos a analisar alguns dos benefícios:
Autonomia e liberdade de escolha: Reconhece-se o direito das pessoas idosas de decidirem sobre sua vida e patrimônio, permitindo-lhes escolher o regime de bens que melhor se adeque às suas necessidades e circunstâncias individuais.
Adaptação às circunstâncias pessoais: Considera-se que as pessoas mais velhas podem ter experiências de vida diferentes e necessidades patrimoniais específicas, que podem ser melhor atendidas por regimes de bens diferentes daqueles previstos por padrão na legislação.
Flexibilidade familiar: Permite que as pessoas idosas ajustem o regime de bens de acordo com as dinâmicas familiares e relacionamentos existentes, levando em conta não apenas seu próprio interesse, mas também o de seus familiares e herdeiros.
Facilitação de acordos pré-nupciais: A possibilidade de escolha do regime de bens também estimula a realização de acordos pré-nupciais ou de convivência, promovendo uma comunicação aberta e transparente entre os parceiros sobre questões financeiras e patrimoniais antes do casamento ou da união estável.
Em resumo, permitir que pessoas maiores de 70 anos possam escolher seu regime de bens reconhece sua autonomia e capacidade de autodeterminação, proporcionando-lhes a liberdade de tomar decisões importantes sobre seu patrimônio e relacionamentos de acordo com suas necessidades e preferências individuais.
Porém, existe uma linha muito tênue entre essa flexibilização, porque embora tenhamos inúmeros benefícios, conforme retro mencionado, a decisão também pode apresentar alguns desafios e potenciais malefícios:
Vulnerabilidade financeira: Alguns idosos podem ser mais suscetíveis a influências externas, como pressão familiar ou manipulação por parte de terceiros, o que pode resultar na escolha de um regime de bens que não reflita seus verdadeiros desejos ou interesses.
Exploração financeira: Pessoas idosas podem estar em maior risco de serem vítimas de exploração financeira por parte de parceiros ou familiares, especialmente se estiverem em situação de fragilidade física, cognitiva ou emocional.
Prejuízos patrimoniais: A escolha de um regime de bens inadequado pode resultar em prejuízos financeiros significativos para uma das partes, especialmente se houver desequilíbrio de poder ou conhecimento financeiro entre os cônjuges.
Litígios familiares: A possibilidade de escolha do regime de bens também pode aumentar o potencial de litígios familiares em casos de disputas sobre herança, divisão de bens ou término de relacionamentos, especialmente se não houver clareza ou transparência nas decisões tomadas.
Complexidade legal e burocrática: Para alguns idosos, o processo de escolha do regime de bens pode ser complexo e difícil de entender, especialmente se houver questões legais ou financeiras complicadas envolvidas.
Portanto, embora permitir que pessoas maiores de 70 anos escolham seu regime de bens possa promover a autonomia e a liberdade de escolha, também é importante considerar os possíveis malefícios e desafios associados, especialmente em relação à proteção financeira e ao bem-estar emocional dos idosos.
A decisão de permitir que idosos acima de 70 anos escolham seu regime de bens representa um marco significativo na evolução do direito de família e pode ter várias ramificações na sociedade. Primeiramente, essa medida reconhece a autonomia e capacidade das pessoas idosas de tomar decisões importantes sobre seu patrimônio e relacionamentos, promovendo assim a dignidade e o respeito à sua individualidade.
Em termos sociais, essa decisão pode contribuir para uma maior inclusão e participação das pessoas idosas na vida familiar e comunitária, ao permitir que elas exerçam seu direito de escolha e sejam ativas na tomada de decisões que afetam suas vidas. Isso pode fortalecer os laços familiares e promover uma maior integração intergeracional na sociedade.
Além disso, ao reconhecer a capacidade das pessoas idosas de tomar decisões autônomas, essa medida pode ajudar a combater estereótipos e preconceitos relacionados à idade, promovendo uma cultura de respeito e valorização do envelhecimento ativo.
No entanto, é importante considerar os desafios práticos e éticos associados a essa decisão, especialmente no que diz respeito à proteção dos direitos e interesses das pessoas idosas, garantindo que elas tenham acesso a informações claras e apoio adequado para tomar decisões informadas e voluntárias.
Além disso, é necessário garantir que essas medidas sejam acompanhadas por políticas e programas que promovam o bem-estar e a segurança das pessoas idosas, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade física, cognitiva ou econômica.
Em resumo, a influência da decisão que permite que idosos acima de 70 anos escolham seu regime de bens pode ter um impacto significativo na sociedade, promovendo a autonomia, a inclusão e o respeito aos direitos das pessoas idosas, ao mesmo tempo em que desafia os estereótipos e preconceitos relacionados à idade.
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BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2022. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016].
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6096433
Samili Woichekoski
Graduanda em Direito pela Universidade do Distrito Federal - UDF. Estagiária da área Cível no Escritório Barreto Dolabella. Possui experiência na área de Contratos, LGPD, Cidadania Italiana e Portuguesa, bem como atuação em outros escritórios na área de direito Bancário e Cível. Participando ainda, de iniciação científica na área de Direito Cível.
Fonte: Migalhas