Clipping – Estadão – Promotor facilita registro de pai em certidão de nascimento em São Paulo

Clipping – Estadão – Promotor facilita registro de pai em certidão de nascimento em São Paulo

SÃO PAULO – “Encontre seu pai aqui”, diz uma placa na parede sobre uma mesa entulhada de processos no segundo andar do Fórum de São Bernardo do Campo, no ABC paulista.

Lá trabalha o promotor público Maximiliano Roberto Ernesto Fuhrer, que espalhou o projeto de busca pela paternidade por 78 postos do Poupatempo de São Paulo. Desde 2006, já foram feitos 3.991 atendimentos para a abertura de “processo de investigação e reconhecimento de paternidade”

Com base na taxa de crianças nascidas sem o nome do pai no registro civil em 2017, de cerca de 4%, o promotor estima que 750 mil paulistas de zero a 30 anos não tenham o nome do pai na certidão —existem 20,4 milhões de pessoas nessa faixa etária em SP. “É uma epidemia”, diz Fuhrer.

As fichas preenchidas pelas mulheres no Poupatempo em busca do pai dos filhos são encaminhadas à Promotoria de suas cidades para a abertura do processo, que é totalmente gratuito. Até mesmo o teste de DNA, quando necessário, é custeado pelo Estado.

Não há prazos. Se o pai já estiver morto e for preciso fazer exame de DNA, o Ministério Público pode requisitar amostras do código genético de parentes.

“Preciso fazer alguma coisa”, decidiu o promotor, de 65 anos, assim que chegou à comarca, em 2002, e reparou no grande número de certidões de nascimento que passavam pelas suas mãos sem o nome do pai no registro civil. Calculou que haveria umas 200 pessoas nessa situação e levou um susto ao fazer seu primeiro levantamento nas escolas da cidade, com a ajuda de diretores e professores.

“Encontramos mais de 10 mil alunos sem a filiação paterna. Dava um exército de crianças sem pai”, lembra ele, ao contar à Folha como iniciou este trabalho sozinho, antes do Poupatempo adotar o programa de reconhecimento de paternidade.

O próximo passo planejado por ele é uma parceria com a Secretaria da Educação paulista para incorporar neste trabalho todas as escolas públicas do estado. Um convênio foi assinado com o governo anterior, mas ainda não está implantado. Fuhrer vai tentar de novo agora com o novo governo.

O que mais dificulta a ampliação do serviço é a falta de informações das mulheres interessadas em dar o nome dos pais aos filhos –uma lacuna que cria todo tipo de constrangimentos nas escolas, nos empregos e outros lugares onde se exige o registro civil e se pergunta com frequência: “Cadê o nome do pai?”

Por iniciativa do promotor, cartazes foram afixados em locais públicos ensinando o caminho das pedras: “Reconhecimento de paternidade “” Um gesto de amor e respeito. Mãe: procure a escola do seu filho. Processo inteiramente gratuito e sigilo absoluto”.

Fuhrer constatou em sua cruzada que muitas mães desistiam no meio do caminho por não terem dinheiro para pagar a averbação do nome do pai no registro civil, já que muitos cartórios cobravam uma taxa, o que é proibido. Ao receber das diretoras das escolas de São Bernardo do Campo as fichas preenchidas pelas mães, o promotor ia atrás da localização dos pais, onde eles estivessem, por meio de cartas precatórias.

“Em 60% dos casos, os pais reconheciam a paternidade, sem problemas, e era feita a averbação no registro civil. As mães recebiam seus documentos aqui, eu mesmo entregava, mas como sempre ficava emocionado com a cena, pedi para um funcionário fazer isso. Só quando os pais se recusavam a reconhecer filhos e a fazer o exame de DNA, era movida uma ação judicial”, diz.

Até hoje ele fica com lágrimas nos olhos ao recordar de alguns casos, como a de um senhor bem idoso que pediu o registro dos quatro filhos legítimos, que já tinham entre 50 e 60 anos.

“Veio a família inteira… Este senhor explicou que, como sempre viajou muito a trabalho, não estava em casa quando os filhos nasciam, e depois não tinha tempo para fazer a averbação, foi esquecendo…”

Já bastante doente, não queria morrer antes de registrar os filhos, o que foi providenciado com presteza pelo promotor. Ao receberem os documentos, todos choraram e se abraçaram numa cena que o circunspecto promotor nunca vai esquecer na vida.

Nestas horas, ele volta no tempo e lembra como surgiu a ideia do cartaz afixado à sua frente. “Tinha um igual no saguão do Mappin [antigo magazine do centro de São Paulo, na praça Ramos de Azevedo, que já fechou faz tempo] para crianças que se perdiam dos pais naquela imensidão da loja…”

Hoje, é diferente. Milhões de crianças pelo Brasil afora não chegam a se perder dos pais simplesmente porque nem chegaram a conhecê-los, e não têm notícias deles.

Segundo o último censo do IBGE, 11,6 milhões de lares no Brasil são chefiados por mulheres com pais ausentes. Numa declaração polêmica na última campanha eleitoral, o atual vice-presidente, general Hamilton Mourão, chegou a dizer que “família sem pai ou avô é fábrica de elementos desajustados”

Maximiliano Fuhrer não se conforma com a quantidade de crianças sem o registro do pai e faz a sua parte para mudar este cenário de um Brasil sem pai –e, muitas vezes, também sem mãe.

Sim, há no Brasil não se sabe quantas crianças órfãs de pai e mãe, sem origem, perambulando pelas ruas, que sonham com uma família adotiva. E há até casos de mães que se recusam a reconhecer os filhos, descobriu o promotor em suas pesquisas.

Fonte: Folha de S. Paulo
Extraído de Anoreg/BR

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