Consumidor tem direitos na rescisão de contrato de imóvel

Consumidor tem direitos na rescisão de contrato de imóvel

Por questões econômicas e sociais, nos últimos anos observamos forte incentivo para realização de negócios imobiliários, culminando, especialmente, na aquisição de imóveis na planta.

Porém, a crise financeira mundial já reflete no Brasil. O crescimento do PIB tem sido abaixo do esperado e há o aumento da inflação, elevando o custo de vida. O resultado é que os salários já não comportam o adimplemento de todas as prestações de anos atrás.

Como consequência, o número de pessoas com dificuldade em honrar as prestações dos imóveis adquiridos, especialmente na planta, está aumentando – e vários compromissários compradores, ao rescindir o contrato, estão sofrendo prejuízos maiores do que o legalmente aceitável. Especialmente pelo desconhecimento do direito que possuem, até mesmo como devedor.

Isso porque, ao longo dos anos, o judiciário consolidou o entendimento de que o devedor, também, possui direitos, inclusive para pleitear a própria rescisão contratual em decorrência da situação financeira que ocupa. Ou seja, o judiciário reconhece que o devedor não precisa aguardar que o credor adote qualquer procedimento para lhe cobrar, período em que o débito é atualizado com incidência de juros e demais ônus monetários que resultam no aumento do prejuízo do devedor.

Assim, o aconselhável é que o compromissário comprador inadimplente, ao perceber que não conseguirá honrar com as prestações, entre em contato com o credor, exponha sua situação e questione se há possibilidade de avençar a rescisão contratual de forma extrajudicial, sendo imprescindível questionar no mínimo três questões fundamentais: 1) percentual do valor pago que será retido a título de taxa administrativa ou uso do bem; 2) metodologia de atualização do valor pago; 3) prazo para devolução dos valores.

Em posse das respostas, o devedor poderá consultar o advogado de sua confiança e verificar se as condições para rescisão contratual estão condizentes com a realidade. Isso porque são frequentes as distorções entre o legalmente aceitável e o praticado.

Em decorrência da elevada quantidade de processos com discussões análogas, o Tribunal de Justiça de São Paulo sumulou algumas questões, vejamos:

Súmula 1: O Compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem.

Súmula 2: A devolução das quantias pagas em contrato de compromisso de compra e venda de imóvel deve ser feita de uma só vez, não se sujeitando à forma de parcelamento prevista para a aquisição.

Mas, talvez a grande discussão judicial seja para apurar qual o percentual é o adequado a título de retenção por parte do credor, pois ao rescindir o contrato, até para manter a igualdade das partes, deve-se pagar os custos que o vendedor realizou com material publicitário, pessoal e outros administrativos. Tais gastos, na maioria dos casos, estão compreendidos entre 10% a 20% do valor pago.

Porém, apenas com a análise individual de cada caso é que será possível averiguar tal índice, pois há situações em que tal percentual pode ser maior e mesmo assim ser considerado legal, senão vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. PARTE SUBSTANCIAL DA DÍVIDA. RESTITUIÇÃO. RESCISÃO CONTRATUAL. INDENIZAÇÃO. RETENÇÃO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. BASES FÁTICAS DISTINTAS. 1. O pagamento inicial do valor do negócio descaracteriza-se como arras confirmatórias quando representa o adimplemento de parte substancial da dívida. 2. É cabível a retenção pelo vendedor de percentual entre 10% e 20% a título de indenização em caso de rescisão contratual decorrente de culpa do comprador, sob pena de enriquecimento ilícito do vendedor. Precedentes. 3. Não se conhece da divergência jurisprudencial quando os julgados dissidentes cuidam de situações fáticas diversas. 4. Recurso Especial conhecido em parte e provido. (Superior Tribunal de Justiça STJ; REsp 761.944; Proc. 2005/0099618-8; DF; Quarta Turma; Rel. Min. João Otávio de Noronha; Julg. 05/11/2009; DJE 16/11/2009)

47038291 - PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE RESCISÃO CONTRATUAL. APELAÇÃO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. NÃO ACOLHIMENTO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA ASSINADO ENTRE AS PARTES. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RETENÇÃO DE 25% DO VALOR PAGO EM FAVOR DA CONTRATADA A TÍTULO DE RESSARCIMENTO DE DESPESAS. CDC, ART. 53. 1. A preliminar de ilegitimidade passiva, com pedido de substituição processual pelo condomínio edilício, não prospera em virtude do contrato de compra e venda acostado aos autos. 2. O Código de Defesa do Consumidor é aplicado ao caso em tela, uma vez configurada a relação de consumo entre as partes. 3. O percentual de retenção fixado pela sentença em 25% do valor total pago, como ressarcimento das despesas efetuadas pela contratada, não ofende o disposto no CDC, art. 53 e baseia-se em precedentes do STJ. 4. Recursos conhecidos e improvidos. (TJ-CE; APL 567206-32.2000.8.06.0001/1; Quinta Câmara Cível; Rel. Des. Francisco Suenon Bastos Mota; DJCE 31/03/2010)

Em outra esfera, há situações em que o devedor já está utilizando o imóvel. Nesses casos, o valor percentual retido pelo credor pode ser mais elevado. Na maioria das situações está compreendido entre 20% e 30% do valor pago, mas, também, poderá ser alterado dependendo da situação. E a retenção percentual é justa, pois o valor abrange dentre outros, os ônus da depreciação e o próprio uso do bem. Vejamos:

COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA. Comprador que pleiteia rescisão do contrato por insuportabilidade do pagamento das prestações. Possibilidade, decretada a culpa do comprador. Entendimento jurisprudencial sobre o tema. Retenção integral dos valores pagos Possibilidade, no caso, para compensar a ocupação do imóvel e os tributos incidentes e devidos até a data da efetiva desocupação a evitar o enriquecimento sem causa do devedor, diante fruição do bem sem a devida contraprestação Inexistência de infringência ao disposto no artigo 53 da Lei nº 8.078/90. Direito de retenção e indenização por eventuais benfeitorias (úteis e necessárias), bem como acessões, apurando-se o quantum em liquidação de sentença. Medidas destinadas a evitar o enriquecimento sem causa de ambas as partes. Sentença, em parte, reformada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SP; APL 9169616-39.2008.8.26.0000; Ac. 5651364; Guarulhos; Décima Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Élcio Trujillo; Julg. 31/01/2012; DJESP 23/02/2012)

Compromisso de compra e venda. Rescisão contratual por culpa do comprador. Devolução das parcelas com desconto de 25% a título de cláusula penal indevido o ressarcimento a título de aluguel por ocupação do imóvel. Restituição dos valores gastos com benfeitorias necessárias indevido em razão de cláusula contratual. Recurso da autora parcialmente provido e do requerido improvido. (TJ-SP; APL 9090833-04.2006.8.26.0000; Ac. 5540202; Guarulhos; Nona Câmara de Direito Privado; Rel. Des. José Luiz Gavião de Almeida; Julg. 08/11/2011; DJESP 13/12/2011).

Já com relação à forma de devolução do valor pago, o entendimento é pacifico, ou seja, o saldo de direito a ser ressarcido ao devedor deve ser feito por intermédio de uma única parcela e no ato da rescisão, não sendo aceitável o condicionamento da devolução a venda da unidade, parcelamento ou outra situação futura imprevisível. Isso porque ao operar a rescisão do contrato, o objetivo maior é fazer com que as partes retornem a mesma situação de antes da avença. Vejamos:

95316849 - COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA DE IMÓVEL. ADESÃO A PLANO DE POUPANÇA PARA FUNDO HABITACIONAL. RESCISÃO PLEITEADA PELOS ASSOCIADOS. DESISTÊNCIA DO NEGÓCIO. RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS PAGAS. Fixação da retenção em 20% do montante pago, que cobrem razoavelmente as despesas. Devolução de 80% dos valores pagos devidamente corrigidos e de uma só vez. Inconformismo apenas quanto à forma de devolução. Descabimento. Devolução do saldo em única parcela a evitar o enriquecimento sem causa de ambas as partes. Sentença mantida. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ-SP; APL 0007245-46.2002.8.26.0114; Ac. 5586339; Campinas; Sétima Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Élcio Trujillo; Julg. 30/11/2011; DJESP 16/01/2012)

AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. RETENÇÃO PARCIAL. CLÁUSULA PENAL. POSSIBILIDADE. RESTITUIÇÃO IMEDIATA, EM PARCELA ÚNICA. Em se tratando de ação em que a parte pretende a restituição das parcelas pagas, em decorrência do desfazimento de compromisso de compra e venda de imóvel, por não haver transcorrido mais da metade do antigo prazo previsto no Código Civil de 1916, aplica-se o novo prazo estabelecido no art. 205 do Código Civil de 2002, recomeçando a contagem da entrada em vigor desta legislação, ou seja, de 11.01.2003, não tendo se operado a prescrição. - Em caso de descumprimento de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, por culpa do promissário comprador, é razoável a retenção, pelo promitente vendedor, de parte dos valores pagos, a título de cláusula penal. - A restituição do valor despendido pelo comprador deve ser feita de imediato e em parcela única. - Recurso provido em parte. (TJ-MG; APCV 4373076-29.2008.8.13.0702; Uberlândia; Décima Segunda Câmara Cível; Rel. Des. Alvimar de Ávila; Julg. 08/02/2012; DJEMG 14/02/2012) CC, art. 205

Soberano, também, é o entendimento de que nos casos em que a ação de rescisão é proposta pelo compromissário vendedor (credor), o compromissário comprador (devedor) poderá não apresentar reconvenção para pleitear a devolução do que lhe é de direito, assunto, também, sumulado. Vejamos:

Súmula 3: Reconhecido que o compromissário comprador tem direito à devolução das parcelas pagas por conta do preço, as partes deverão ser repostas ao estado anterior, independentemente de reconvenção.

Mesmo com tal possibilidade, em algumas situações o compromissário comprador poderá ter que fazer uso de tal ferramenta processual, razão pela qual é imprescindível o estudo do caso de forma individualizada.

Não obstante tudo isso, em algumas situações o compromissário comprador poderá repassar o imóvel a terceiros, desde que exista a concordância do credor, situação em que, muitas vezes, resulta na redução de prejuízos.

Destarte, é fundamental que o devedor saiba que mesmo inadimplente é possuidor de direitos que são resguardados pelo Poder Judiciário e a busca pelo que a Lei assegura poderá culminar com a diminuição de prejuízos.

 

Atualizada em 09/02/13

Extraído de Colégio Notarial do Brasil
 

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