Coparentalidade: casal de mulheres consegue registrar filho com amigo em comum antes do nascimento

Coparentalidade: casal de mulheres consegue registrar filho com amigo em comum antes do nascimento

26/09/2024
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM

Em decisão inovadora, a Justiça do Rio de Janeiro permitiu que uma criança já nascesse registrada com o nome das duas mães e do pai. O caso envolve um contrato de coparentalidade entre duas mulheres, casadas civilmente, que dividiam com o amigo em comum, além da amizade, o desejo pelo exercício da maternidade e paternidade.

A gravidez foi planejada pelo casal em conjunto com o amigo e realizada por meio de procedimento de Fertilização In Vitro – FIV com três beneficiários. É o primeiro caso de coparentalidade no Brasil, com essas características, no qual foi garantido o registro dois meses antes do nascimento.

O primeiro caso de sentença proferida antes do nascimento em caso de coparentalidade é de 2016, na Comarca de Santos (SP). O caso, porém, tratava-se de inseminação caseira.

A decisão foi proferida pela justiça itinerante do Rio de Janeiro no mesmo dia do ajuizamento do feito.  “A sentença procedente e proferida antes mesmo do nascimento traz segurança jurídica ao projeto parental e abre caminho para outros projetos parentais que contem também com três beneficiários, tranquilizando as partes da viabilidade do planejamento familiar levado a efeito”, afirma a advogada Ana Carolina dos Santos Mendonça, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, que atuou no caso.

Segundo o magistrado responsável pelo caso, restou demonstrado que a criança em desenvolvimento é, afetivamente, filha de ambas as autoras, e biologicamente, filha de uma delas e do autor.

"Por todo o exposto, não há qualquer óbice e deve ser autorizada a emissão de certidão de nascimento como pretendida, eis que claramente compatível com a previsão constitucional e legal e que tal pleito tem por objetivo garantir a dignidade humana de todas as partes envolvidas, genitoras, filho(a), e, no caso em tela, do genitor que cedeu o material genético e deseja manter o vínculo afetivo com a criança que nascerá, como genitor”, registrou  a sentença.

Autonomia privada

Após anos de procura por uma clínica de reprodução humana assistida que realizasse a FIV com três beneficiários, o trio conseguiu realizar o procedimento em uma clínica de São Paulo. “Uma vez alcançado o sucesso na gestação, passamos a trabalhar no processo judicial, ajuizado em 20 semanas.”

Para Ana Carolina Mendonça, a decisão é de grande relevância, “em especial por não limitar injustificadamente um projeto parental de mais de duas pessoas, pouco importando a existência ou não de um vínculo de conjugalidade entre os participantes”.

A decisão, segundo a advogada, também reflete o respeito pela autonomia privada dos envolvidos e, principalmente, um olhar atento e cuidado para o melhor interesse do infante.

Coparentalidade x Conjugalidade

Autora do livro "Famílias Coparentais" e membro do IBDFAM, Nathália de Campos Valadares lembra que os conceitos de conjugalidade e parentalidade permaneceram vinculados durante muito tempo. As famílias eram entendidas somente como aquelas formadas pelos laços conjugais, enquanto as demais relações familiares eram equiparadas às sociedades de fato, sendo remetidas ao direito obrigacional.

“Hoje, é corriqueiro o estabelecimento do vínculo conjugal sem o laço parental, na medida em que o casal pode optar por não exercer a paternidade ou a maternidade. Da mesma forma, é possível que se tenha a parentalidade sem a conjugalidade, como é o caso da coparentalidade”, destaca.

Nathália esclarece as diferenças entre os conceitos: “A coparentalidade é o compartilhamento das responsabilidades maternas e paternas, baseando-se na maneira como aqueles que exercem a parentalidade trabalham juntos no papel de pais; já a conjugalidade indica o vínculo de pessoas casadas ou em união estável. É a relação exclusiva entre o casal”.

De acordo com a especialista, o termo foi introduzido na década de 1970, inicialmente para descrever a relação de um ex-casal na criação dos filhos em comum, além de definir como os pais exercem o projeto parental.

Com o passar dos anos, a expressão coparentalidade se inseriu no meio jurídico e começou a ser utilizada para designar a família formada por indivíduos que almejam exercer a paternidade ou a maternidade sem terem um vínculo conjugal ou amoroso.

“Esse arranjo familiar é um demonstrativo de como as constantes mudanças sociais impactam a maneira como as pessoas se relacionam e é um exemplo de uma sociedade moderna e tecnológica. Tanto que há diversos sites e aplicativos, no Brasil e no mundo, voltados para pessoas que querem ter filhos com parceiros amigos”, detalha.

Parentalidade responsável

A coparentalidade é calcada nos princípios da parentalidade responsável, do livre planejamento familiar e do melhor interesse da criança e do adolescente, explica Nathália de Campos Valadares.

“A coparentalidade é uma das muitas possibilidades de parentalidade existentes, e segue regras e aplicações semelhantes às que ocorrem quando os pais não mantêm mais entre si um relacionamento conjugal ou amoroso”, comenta.

O Direito das Famílias, segundo a especialista, tem tratado os casos de coparentalidade observando a pluralidade familiar, sem distinção e “resguardando as mais diferentes maneiras encontradas pelas pessoas para formarem a família que melhor atenda à concretização dos seus desejos”.

Nathália Valadares diz que os desafios emocionais são similares aos de outros núcleos familiares, enquanto os desafios legais incluem a necessidade de recorrer ao Judiciário para o registro civil.

Outro obstáculo citado pela especialista é a adoção conjunta entre amigos – um dos critérios previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA é que os pretensos adotantes sejam casados/conviventes ou divorciados/ex-companheiros. Ela frisa, porém: “Já há decisões judiciais admitindo a adoção de crianças e adolescentes por parceiros amigos”.

“Como a sociedade está em constante movimento e os arranjos familiares se tornam cada vez mais plurais, é pertinente que a legislação e os julgadores possam respeitar e proteger as diferentes formas de família”, conclui Nathália.

Por Débora Anunciação
Fonte: IBDFAM

                                                                                                                            

Notícias

A idade mínima para ser juiz

  Juízes, idade mínima e reflexos nas decisões Por Vladimir Passos de Freitas A idade mínima para ser juiz e os reflexos no comportamento e nas decisões é tema tratado sem maior profundidade. As Constituições de 1824 e de 1891 não fixaram idade mínima para ser juiz. Todavia, o Decreto 848,...

Quando o anticoncepcional falha

Quando o anticoncepcional falha (25.02.11) O TJ de Santa Catarina decidiu que uma indústria Germed Farmacêutica Ltda. deve continuar pagando pensão de um salário mínimo mensal - mesmo enquanto apelação não é julgada - a uma mulher da cidade de Navegantes que teria engravidado apesar de utilizar...

Credores não habilitados

Extraído de AnoregBR Concordatária tem direito ao levantamento de valores que estão depositados à disposição de credores não habilitados Sex, 25 de Fevereiro de 2011 13:53 A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a empresa Ferragens Amadeo Scalabrin Ltda. tem direito ao...

Direito de Família

  Leis esparsas e jurisprudência geram novas tendências Por Caetano Lagrasta   O Direito de Família é atividade jurídica em constante evolução, ligada aos Costumes e que merece tratamento diferenciado por parte de seus lidadores. Baseado no Sentimento, no Afeto e no Amor, merece soluções...

É válida escuta autorizada para uma operação e utilizada também em outra

24/02/2011 - 10h16 DECISÃO É válida escuta autorizada para uma operação e utilizada também em outra Interceptações telefônicas autorizadas em diferentes operações da Polícia Federal não podem ser consideradas ilegais. Essa foi a decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao...

Estatuto da família

  Deveres do casamento são convertidos em recomendações Por Regina Beatriz Tavares da Silva   Foi aprovado em 15 de dezembro de 2010, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, um projeto de lei intitulado Estatuto das Famílias (PL 674/2007 e...