Desistência da compra de imóvel: como funciona a Lei do Distrato?

Desistência da compra de imóvel: como funciona a Lei do Distrato?


Principal motivo da discordância está na aplicação das multas: lei prevê retenção de 50% do valor, mas juízes têm considerado caso a caso


Criada em 2018 para definir regras claras para o cancelamento dos contratos de compra e venda de imóveis, a Lei dos Distratos (13.786) tem sido motivo de divergências. Advogados que defendem empresas imobiliárias afirmam que a nova legislação não tem sido capaz de prover a segurança esperada, uma vez que as decisões judiciais estariam favorecendo os compradores de imóveis. Por sua vez, advogados de consumidores rebatem, afirmando que a norma abre brechas para abusos de poder econômico.


A Lei dos Distratos surgiu depois que os cancelamentos de vendas explodiram nos idos de 2014, quando a economia brasileira entrou em recessão. Na época, não havia regras para esse tipo de situação, e as decisões judiciais geralmente obrigavam as empresas a devolverem em torno de 75% do valor pago pelos consumidores até a entrega do imóvel.


Isso gerou desequilíbrios, pois as construtoras tinham a obrigação de terminar a obra mesmo perdendo a receita das vendas distratadas. A conta não fechava. Muitas empresas entraram no vermelho e algumas até foram para recuperação judicial, como foi o caso de PDG Realty, Rossi Residencial, Viver, João Fortes e Urbplan (antiga Scopel).


“Com a sanção da Lei 13.786, foram definidas regras para evitar surpresas. No caso da compra e venda de apartamentos na planta, está prevista a retenção de 50% do valor pago pelo consumidor até o momento da rescisão (quando há patrimônio de afetação). No caso de lotes adquiridos na planta, a retenção deve ser de no máximo 10% do valor do contrato. Também foi definido na lei que não haverá devolução da taxa de corretagem, paga diretamente à intermediadora, que costuma ser de 4% a 6% do valor total do imóvel.”


Outro ponto importante: as empresas ficam autorizadas a devolver o dinheiro só depois da entrega do imóvel e do recebimento do Habite-se, de modo a evitar que fiquem sem dinheiro para terminar a obra, prejudicando os outros consumidores que compraram um imóvel no mesmo empreendimento.


Onde está a divergência


Os advogados das empresas relatam que muitos magistrados estão reduzindo as multas para cerca de apenas 10% do que foi pago, no intuito de aliviar o peso considerado excessivo para consumidores. O tema foi discutido durante o Fórum Loteamentos Urbanos, organizado pelo Estadão. A situação preocupa empresas, que veem aí o risco de um estímulo às rescisões de contratos sem justificativa e aplicação de um valor insuficiente de multas para cobrir os custos de produção.


O sócio-fundador do escritório VBD Advogados, Olivar Vitale, fez o mapeamento de mais de 100 decisões de distratos e alerta que as multas têm sido baseadas no que foi pago pelos consumidores durante o andamento do contrato, independente do valor. “Não se analisa o quanto foi pago, se foi 0,5% ou 80%”, exemplifica.

 

Para ele, o risco dessa flexibilização é quebrar a empresa e deixar os demais compradores sem receber o imóvel. “Vivemos hoje uma insegurança muito grande. Imagine que um loteador vende 300, 400 lotes. Depois, metade desiste da compra. Mesmo assim, ele tem de seguir com a implementação da infraestrutura, ruas, saneamento, iluminação, etc. Como faz?”, questiona. “Muito mais do que proteger o caixa de um empreendedor, a importância da Lei dos Distratos é proteger o adquirente que espera receber o imóvel”.


A sócia do escritório Durazzo Medeiros Advogados, Kelly Durazzo, observa que as multas muitas vezes não têm sido suficientes para cobrir os custos das empresas com estande, corretagem, financiamentos e a obra em andamento. “A regra para loteamentos, que é 10% com base no valor do contrato, é reduzida pelo Judiciário, passando para ser 10% do pago, que é quase nada. Há decisões em que a multa fica em R$ 200, outras chegam a R$ 1 mil. Obviamente, isso não leva a um resultado positivo.”


Em levantamento com 40 casos, Kelly diz que o Judiciário cita com recorrência o artigo 413 do Código Civil, que prevê a possibilidade de redução de multa quando há o entendimento de que ela é considerada excessiva. “Mas com base em que ela é excessiva? Porque em nenhum desses casos julgados trazem a menção de quanto foi efetivamente pago”, pondera.


O advogado e coordenador do conselho jurídico do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), Marcelo Terra, defende que a lei seria clara nesse tema. “Não deveria ter espaço para o Judiciário ter interpretação diferente”, afirma.


O vice-presidente do conselho jurídico da Associação das Empresas de Loteamento Urbano (Aelo), Luís Paulo Germanos, diz que esse ambiente coloca em xeque a função social das empresas. “As empresas recolhem tributos, produzem riqueza, desenvolvem o território urbano de forma ordenada e respondem pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado”.


O que diz o advogado dos consumidores


Já quem defende os consumidores pondera que a Lei dos Distratos deve ser aplicada, sim, de forma relativizada. “Não é lícito que quem exerça atividades comerciais se enriqueça em detrimento de consumidores vulneráveis. É óbvio que a atividade econômica busca o lucro e isso não se condena. O condenável são os abusos e a promoção de desequilíbrio entre as partes”, argumenta Marcelo Tapai, sócio-fundador do escritório Tapai Advogados.


“Multa de 50% do que foi pago para a loteadora, mais 5% a 6% sobre o valor do negócio a título de corretagem, o que, em alguns casos, pode chegar a mais de 70% dos valores pagos, é enriquecimento sem causa e torna o contrato excessivamente oneroso, especialmente porque a empresa fica com o lote e o revende para terceiros”, diz Tapai.


“Havendo esse claro desequilíbrio, a própria legislação autoriza o juiz a adequar a penalidade para tornar equilibrada a relação contratual.”


Redução de multas só em situação ‘excepcional’, afirma desembargador


O desembargador Marcelo Guimarães Rodrigues, presidente da 21ª Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) afirma que a possibilidade de redução da cláusula penal deve ser entendida como uma situação excepcional. “Assim, implica em ser devidamente justificada no caso concreto, dado que, como regra, é direito subjetivo do credor exigir a penalidade tal como consta do contrato”, diz, em entrevista.


Ele explica que a aplicação da multa pode, eventualmente, ser flexibilizada com base no artigo 413 do Código Civi, quando “a obrigação tiver sido cumprida em parte” e “se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”.


“Digno de nota que nessa normativa consta o advérbio ‘equitativamente’, alusivo à noção de equidade, justamente um dos conceitos jurídicos indeterminados mais abertos e, assim, propício a diferentes interpretações”, afirma Rodrigues.


Há casos tramitados na justiça em que a aplicação ‘integral’ da multa foi validada por ter sido considerada em conformidade com a lei, por força do princípio da obrigatoriedade do contrato. Sob esse olhar, a Lei do Distrato é vista como uma proteção da coletividade ao garantir o cumprimento do contrato e que os valores serão utilizados para a conclusão da obra e a entrega das unidades a todos os consumidores, aponta.


Em outras análises, é aceitável que a penalidade seja reduzida ‘proporcionalmente’ pelo juiz, caso a obrigação principal tenha sido cumprida em parte, explica o desembargador.


“Pode suceder, por exemplo, de o devedor ter cumprido o contrato em sua maior proporção, porém não na parte que mais interessava ao credor. Logo, cabe ao juiz examinar se a prestação principal comporta o cumprimento parcial”, diz. “E se o credor não recebeu qualquer proveito do cumprimento parcial, não haveria, em tese, de se cogitar de reduzir a cláusula penal.”


Fonte: Estadão
Extraído de Sinoreg-MG

                                                                                                                            

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