Inseminação caseira: Veja impacto jurídico da prática não regulada no país

Reprodução assistida

Inseminação caseira: Veja impacto jurídico da prática não regulada no país

Recente decisão do STJ, reconhecendo dupla maternidade em caso de inseminação caseira, denota a urgência do tema.

Da Redação
segunda-feira, 4 de novembro de 2024
Atualizado às 09:56

Registrar o nascimento de um recém-nascido é um ato rotineiro, mas alguns genitores/as podem esbarrar em burocracias extraordinárias. No caso de filhos gerados por duas mães fora de clínicas de fertilização, por meio da chamada inseminação artificial caseira (autoinseminação), o reconhecimento da filiação na certidão de nascimento pode exigir 12 anos de espera ou uma ação judicial.

Isso porque a técnica - que envolve a introdução sem supervisão médica de sêmen no canal vaginal da mulher - está à margem de regulamentações legais e provoca óbices no registro civil, suscitando questões que perpassam o melhor interesse da criança e impactos na saúde pública.

Panorama da reprodução assistida

No Brasil, a reprodução assistida segue critérios definidos pelo CFM - Conselho Federal de Medicina, que regulamenta procedimentos como inseminação artificial e fertilização in vitro.

Para o registro de criança gerada por reprodução assistida exige-se a apresentação de declaração do diretor técnico da clínica, atestando que o procedimento ocorreu sob supervisão médica e segundo normas éticas.

Esse documento, reforçado pelo provimento 149/23 do CNJ, é fundamental para assegurar a validade jurídica do vínculo parental. 

Ocorre que tal documentação se torna um obstáculo significativo para famílias que recorrem à inseminação caseira, como muitos casais LGBTQIAPN+ e de baixa renda. Sem esse documento, essas famílias enfrentam dificuldades para obter o reconhecimento legal da dupla parentalidade.

Provimento

O IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Famíla apresentou ao CNJ pedido de revisão do provimento. O instituto argumentou que a exigência fere princípios como a dignidade humana e do melhor interesse da criança, pois limita o reconhecimento de diferentes estruturas familiares, contrariando a interpretação atual do STF sobre o reconhecimento de casais homoafetivos.

A ADFAS - Associação de Direito de Família e das Sucessões, a Anvisa e o CFM, a seu turno, manifestaram-se contra o pedido de providências.

Ao final, o Conselho negou o pedido do IBDFAM.

Melhor interesse da criança - Origem genética

A advogada e presidente da ADFAS - Associação de Direito de Família e das Sucessões, Regina Beatriz Tavares da Silva, alertou para os riscos da autoinseminação, como perfuração do colo do útero e possíveis transmissões de doenças, destacando que doações de sêmen são frequentemente oferecidas via redes sociais, o que aumenta o risco de contaminação com doenças como AIDS e sífilis.

Além disso, ressaltou que a ausência de dados do doador, com o desconhecimento da origem genética, pode dificultar futuros tratamentos médicos para as crianças.

Segundo Regina, a prática da inseminação caseira, sem regulamentação, gera situações complicadas, como potenciais disputas de paternidade, enquanto a reprodução assistida tem regras claras que eliminam vínculos de parentesco com doadores.

A advogada apontou ainda que o provimento CNJ 149/23, em seu art. 505, permite o reconhecimento de dupla maternidade para casais de mulheres após a criança completar 12 anos, caso a maternidade socioafetiva seja comprovada. Para crianças menores de 12 anos, o processo exige ação judicial.

Veja a entrevista:

Judicialização

No que se refere às ações judiciais, ainda neste mês de outubro, o STJ decidiu caso paradigmático relativo ao tema. 

Sob relatoria da ministra Nancy Andrighi, por unanimidade, a 3ª turma da Corte permitiu o registro de dupla maternidade de criança gerada por inseminação caseira.

A decisão foi obtida apenas em sede de recurso especial após a negativa do cartório e das instâncias inferiores. O processo se estendeu por mais de dois anos até o mérito ser concluído.

A advogada Ana Carolina dos Santos Mendonça, representante das genitoras, enfatizou as limitações enfrentadas pela mãe não gestante, desde restrições de acesso a UTI neonatal até barreiras para acompanhar a criança em atividades cotidianas.

Ela apontou que o não reconhecimento de dupla parentalidade impediu a criança de usufruir plenamente dos laços familiares, privando-a de vínculos com avós e irmãos, perpetuando desigualdade jurídica.

Melhor interesse da criança - Segurança jurídica

Para Ana Carolina, as dificuldades no registro das crianças geradas por inseminação caseira revelam disparidade no Brasil: famílias com recursos para custear tratamentos em clínicas têm direito ao registro sem obstáculos, enquanto aquelas que recorrem à autoinseminação, por escolha ou necessidade, enfrentam barreiras.

A advogada observou que essa desigualdade afeta de forma particular as famílias LGBTQIAPN+, ressaltando que famílias heterossexuais podem registrar filhos gerados fora de clínicas sem comprovações adicionais.

Segundo a causídica, a ideia de que o reconhecimento de dupla parentalidade incentivaria a inseminação caseira reflete preconceito moral, pois a autonomia privada deveria ser respeitada, tanto quanto em relações heterossexuais casuais.

Ela também desmistifica a inseminação caseira como prática clandestina, destacando que muitos casos envolvem doadores conhecidos e apoio médico, garantindo segurança e consciência no processo.

Confira a entrevista:

A decisão do STJ aproxima-se do conceito de "direito vivo", como descrito pelo jurista austríaco Eugen Ehrlich, ao refletir as necessidades reais da sociedade. Ao reconhecer a dupla maternidade, a Corte se alinhou à realidade cotidiana da família, suprindo lacuna que o ordenamento jurídico tradicional ainda não aborda plenamente.

O colegiado entendeu que essa seria a maneira adequada de priorizar o melhor interesse da criança e garantir seus laços afetivos, facilitando sua vida social e jurídica.

No entanto, conforme demonstrado, há também perspectiva contrária, que sugere que a facilitação da inclusão da mãe não genitora no registro da criança, com a alteração do provimento do CNJ, incentivaria inseminações caseiras, gerando riscos à saúde das mulheres e comprometendo - por outra ótica - o princípio do melhor interesse da criança, que permaneceria alheia à sua origem genética.

Enquanto o legislativo não se debruça sobre o tema, caberá aos tribunais, e ao CNJ, analisar cuidadosamente essa dupla ótica para interpretar qual seria a lente adequada ao melhor interesse da criança gerada por inseminação caseira.

Fonte: Migalhas

                                                                                                                            

Notícias

Igualdade das partes

Extraído de DPU Artigo: MP ao lado do juiz viola equidistância das partes  Por Eduardo Tergolina Teixeira, Gabriel Faria Oliveira e Vinícius Diniz Monteiro de Barros    A Constituição do Brasil, em seu artigo 5º, caput e incisos LIV e LV, estabelece a igualdade das partes no curso do...

Fiança questionada

  STJ mantém fiança de pessoa diversa do contratante A fiança feita por pessoa jurídica diferente daquela que celebrou o contrato principal, e que é juridicamente válida, deve ser mantida para não tornar o principal sem efeito. Esse foi o entendimento da 2ª Turma do Superior Tribunal de...

Diplomação deve incidir sobre suplente da coligação

Quinta-feira, 17 de março de 2011 Diplomação deve incidir sobre suplente da coligação, decide Lewandowski O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, indeferiu pedido de liminar apresentado por Wagner da Silva Guimarães, que pretendia assumir a cadeira do deputado federal Thiago...

Você teria sido aprovado no concurso para juiz de SC?

Fonte: www.espacovital.com.br Você teria sido aprovado no concurso para juiz de SC? (15.03.11)    Os leitores foram convidados a testar seus conhecimentos. Hoje, este saite repete, nesta páginas, quatro das mais complicadas (ou curiosas) perguntas, e já destaca em azul quais as...

Dano moral à doméstica deve ser analisado pela Justiça comum

15/03/2011 - 09h15 DECISÃO Dano moral à doméstica cometido por patroa médica deve ser analisado pela Justiça comum Cabe à justiça comum estadual processar e julgar ação de indenização por danos morais ajuizada por ex-empregada doméstica, por suposto erro médico praticado por sua ex-empregadora,...

STF deve julgar se ISS deve ser pago seguindo lei municipal ou lei federal

15/03/2011 - 13h03 DECISÃO STF deve julgar se ISS deve ser pago seguindo lei municipal ou lei federal Compete ao Supremo Tribunal Federal (STF) julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida julgar válida lei local contestada...