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Jurisprudência mineira – Apelação cível – Ação de dissolução parcial de sociedade c/c apuração de haveres – Inclusão de ex-esposa no quadro social e liquidação de haveres – Subsociedade entre os ex-cônjuges

Publicado em 17 de novembro de 2020

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE C/C APURAÇÃO DE HAVERES – INOVAÇÃO RECURSAL – ILEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA – PRELIMINARES REJEITADAS – COISA JULGADA – PRELIMINAR AFASTADA – INCLUSÃO DE EX-ESPOSA NO QUADRO SOCIAL E LIQUIDAÇÃO DE HAVERES – PARTICIPAÇÃO NAS COTAS DO EX-MARIDO – SUBSOCIEDADE ENTRE OS EX-CÔNJUGES – NÃO ATRIBUIÇÃO DE QUALIDADE DE SÓCIA DA PESSOA JURÍDICA

– Não se vislumbra nenhuma inovação recursal, uma vez que os argumentos e pedidos contidos na apelação são reproduções do que já foi deduzido na peça inicial e debatido no feito.

– A legitimidade para a causa consiste na qualidade da parte de demandar e ser demandada, ou seja, de estar em juízo.

– Nos termos do art. 337, § 2º e 4º, do CPC, a coisa julgada se dá quando já decidida ação idêntica, sendo que a identidade se revela quando partes, causa de pedir e pedido são idênticos.

– A atribuição de parte das cotas do sócio à ex-cônjuge forma uma subsociedade entre os então cônjuges, mas não tem força de incluí-la na sociedade contra a vontade dos demais sócios, visto que estes não estão obrigados a receber um nova sócia em seu quadro societário em razão de acordo firmado entre aqueles em ação de divórcio.

Apelação Cível nº 1.0317.13.002789-7/004 – Comarca de Itabira – Apelante: Lucy Ane Ribeiro Gama – Apelados: Marcos Vinícius Ferreira Linhares, Reginaldo Moreira de Figueiredo, Adalmário de Assis Miranda, Recuperadora Sales Gama Ltda. E outros – Relator: Des. Mota e Silva

ACÓRDÃO

Vistos, etc., acorda, em Turma, a 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em rejeitar as preliminares de inovação recursal e de ilegitimidade ativa e passiva, afastar a preliminar de coisa julgada e, no mérito, negar provimento ao recurso para julgar improcedentes os pedidos iniciais.

Belo Horizonte, 14 de julho de 2020. – Mota e Silva – Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. MOTA E SILVA – Trata-se de recurso de apelação interposto por Lucy Ane Ribeiro Gama, opondo-se à sentença de f. 301/302-v., proferida pela Juíza de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Itabira, Karen Castro dos Montes, que, nos termos do art. 485, V, do CPC, extinguiu, sem resolução do mérito, a ação ajuizada em face de Recuperadora Sales Gama Ltda., Adalmário de Assis Miranda, Marcos Vinícius Ferreira Linhares e Reginaldo Moreira de Figueiredo.

A sentença entendeu que a autora reproduziu o mesmo pedido e a causa de pedir em ação de divórcio já julgada e com decisão transitada em julgado, cabendo ingressar com pedido de liquidação de sentença se pretendia o recebimento do objeto da partilha.

Ao final, condenou a autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa, mas suspensa a exigibilidade ao deferir o pedido de gratuidade da justiça.

Inconformada, Lucy Ane Ribeiro Gama insiste nos mesmos fatos e pedidos iniciais. Alega que foi casada com o sócio da empresa Recuperadora Sales Gama Ltda., Adalmário de Assis Miranda, e que, por ocasião do divórcio, ficou acertado que teria direito a 50% de suas cotas sociais, que eram de 6.737, além da participação nos lucros, na mesma proporção das cotas que lhe couberam por força da partilha na ação de divórcio.

Diz que não há como apurar os haveres e viabilizar o pagamento do quinhão pertencente à apelante na ação de divórcio, mas somente pelas vias ordinárias, razão pela qual ajuizou a presente demanda, opondo-se à existência de coisa julgada.
Requer que o Tribunal de Justiça afaste a preliminar de coisa julgada e julgue o mérito, reconhecendo a procedência de seus pedidos – f. 306/311.

Contrarrazões por Adalmário de Assis Miranda às f. 315/327 e por Recuperadora Sales Gama Ltda., Marcos Vinícius Ferreira Linhares e Reginaldo Moreira de Figueiredo às f. 330/344.

Ambas trazem os mesmos argumentos. Primeiramente, suscitam a preliminar de carência de ação por falta de interesse processual, uma vez que a pretensão já se encontra decidida, cabendo a execução, carência de ação por impossibilidade jurídica do pedido por haver coisa julgada, ilegitimidade passiva dos requeridos Recuperadora Sales Gama Ltda., Marcos Vinícius Ferreira Linhares e Reginaldo Moreira de Figueiredo, já que não foram citados na ação cuja pretensão já foi decidida, além do pedido de dissolução judicial da sociedade caber somente aos sócios, sendo que a autora não é sócia da empresa.

Alegam, ainda, inovação recursal ao argumentar que, “não obstante a ora apelada ter afirmado que atuou nos feitos mencionados acima, não se desincumbiu de comprovar o alegado. Isto porque, efetivamente não atuou nos processos em questão”.

Por fim, no mérito, pugnam pelo não provimento do recurso ao argumento de que a partilha das quotas sociais por um dos sócios não implica a alteração do contrato social com a inclusão de cônjuge na sociedade, sem a participação dos demais sócios.

Alegam que a partilha dos bens do casal poderá ocasionar a formação de uma associação nova, também chamada de sociedade interna ou negócio parciário, fazendo com que o cônjuge passe a ser sócio do outro nas cotas que este possui junto à sociedade limitada, mas se mantendo estranho a esta pessoa jurídica.

Acrescentam que a sociedade ré é de pessoas e norteada pela affectio societatis, não cabendo a inclusão da apelante no quadro societário.

É a síntese do necessário. Passo a decidir.

Recurso próprio, tempestivo e dispensado do preparo, uma vez que a parte litiga sob o amparo da assistência judiciária.
Preliminares.

Da inovação recursal.

Primeiramente, não se vislumbra nenhuma inovação recursal, visto que os argumentos e pedidos contidos na apelação são reproduções do que já foi deduzido na peça inicial e debatido no feito.

Da (i)legitimidade ativa e passiva.

A legitimidade para a causa consiste na qualidade da parte de demandar e ser demandada, ou seja, de estar em juízo. Sobre o tema ensina Cândido Rangel Dinamarco:

“Legitimidade ad causam é qualidade para estar em juízo, como demandante ou demandado, em relação a determinado conflito trazido ao exame do juiz. Ela depende sempre de uma necessária relação entre o sujeito e a causa e traduz-se na relevância que o resultado desta virá a ter sobre sua esfera de direitos, seja para favorecê-la ou para restringi-la. Sempre que a procedência de uma demanda seja apta a melhorar o patrimônio ou a vida do autor, ele será parte legítima; sempre que ela for apta a atuar sobre a vida ou patrimônio do réu, também esse será parte legítima. Daí conceituar-se essa condição da ação como relação de legítima adequação entre o sujeito e a causa. Uma vez que a parte autora detém 50% das cotas sociais pertencentes ao seu ex-marido, junto à pessoa jurídica, tem interesse econômico para receber os dividendos, devendo a pretensão se dirigir à sociedade e aos sócios. No entanto, se tem direito ao reconhecimento como sócia, fazendo assim constar no contrato social, e ao recebimento de sua cota parte por meio de alienação, estas matérias são de mérito” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros Editores. vol. II, p. 306).

Da coisa julgada.

Nos termos do art. 337, § 2º e 4º, do CPC, a coisa julgada se dá quando já decidida ação idêntica, sendo que a identidade se revela quando partes, causa de pedir e pedido são idênticos:

“§ 2º Uma ação é idêntica à outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

[…]

§ 4º Há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado.”

Não se pode considerar a existência de coisa julgada por força de decisão proferida em ação de divórcio, envolvendo apenas o casal, e a presente demanda, cuja pretensão é ver reconhecida a qualidade de sócia da empresa e o direito à alienação das cotas que couberam à ex-esposa por ocasião da separação, pedidos estes voltados contra os sócios e à sociedade.

Assim, considerando que as partes, o pedido e a causa de pedir constantes nas ações são distintos, não se vislumbra a ocorrência da coisa julgada.

Afastada a preliminar de coisa julgada (art. 485, V, do CPC), hei por bem apreciar o mérito, na licença do art. 1.013, § 3º, I, do CPC.

Mérito.

Lucy Ane Ribeiro Gama ajuizou ação em face de Recuperadora Sales Gama Ltda., Adalmário de Assis Miranda, Marcos Vinícius Ferreira Linhares e Reginaldo Moreira de Figueiredo.

Diz ter sido casada com Adalmário, sócio da empresa Recuperadora Sales Gama Ltda., e, por ocasião do divórcio, foi acordado que caberia à autora metade das cotas sociais pertencentes ao então marido, além do direito à participação nos lucros da sociedade na proporção das cotas que lhe foram destinadas.

Busca figurar no quadro societário por meio de alteração do contrato social e exercer o direito de retirada mediante apuração de haveres, recebendo a sua quota parte, mas respeitado o direito de preferência dos demais sócios e sociedade.

Eis o limite da lide.

Resta incontroverso que a Recuperadora Sales Gama Ltda. tem como sócios Adalmário de Assis Miranda, Marcos Vinícius Ferreira Linhares e Reginaldo Moreira de Figueiredo, cabendo a cada um 6.373, 6.374 e 6.373 cotas, respectivamente. E que se trata de sociedade limitada, nos moldes do art. 1.052 do CC, e de pessoas, conforme revela o contrato social de f. 28/31:

“Cláusula Décima Terceira: As modificações do contrato social que tenham por objeto matérias, tais como: denominação, sede, objeto, administração, aumento de capital, admissão de novos sócios, destinação de lucros, somente poderão ser processadas por deliberação unânime dos sócios, tornando-se dispensáveis, reunião ou assembleia quando os sócios decidirem por escrito, como determina a cláusula 10ª”.

Também está comprovado que Lucy e Adalmário eram casados e, por ocasião do divórcio, foi acordado que caberiam à primeira “50% de 6.373 cotas da empresa Recuperadora Sales Gama Ltda. pertencentes ao varão. A varoa terá direito a eventual participação nos lucros da referida empresa proporcional ao número de cotas que lhe couberam” – f. 23/24.

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, em Direito das famílias, trataram de várias controvérsias patrimoniais relevantes na separação, sendo uma delas a questão debatida neste feito:

“[…] quando um dos separandos é sócio ou cotista de alguma empresa, também, haverá controvérsia quanto à partilha das cotas sociais. Seguindo a regra do art. 1.027 da Codificação, respeitando a affectio societatis e a própria função social da empresa (já que não seria razoável extinguir a pessoa jurídica somente em razão da dissolução do casamento de um dos sócios), a empresa continuará operando normalmente, e o ex-cônjuge do sócio terá direito a receber a cota que lhe couber sobre a divisão periódica dos lucros até a dissolução da sociedade. De fato, o direito do cônjuge que está se separando cingese à parcela dos lucros que o sócio (ex-cônjuge) receberá na divisão periódica ou liquidação social. Apenas quando a sociedade estiver sendo dissolvida é que o separado poderá participar da divisão dos bens componentes do capital social”

(FARIAS, Cristiano Chaves & ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 341).
Assim, as cotas destinadas à apelante não a transformaram em sócia da empresa, mas apenas beneficiária de metade dos lucros destinados ao sócio, então ex-marido. E ainda lhe resta participação no capital social quando da dissolução da sociedade. Portanto, a atribuição de parte das cotas do sócio à ex-cônjuge formam uma subsociedade entre os então cônjuges, mas não tem força de incluí-la na sociedade contra a vontade dos demais sócios, visto que estes não estão obrigados a receber um nova sócia em seu quadro societário em razão de acordo firmado entre aqueles em ação de divórcio.

Portanto, não há como determinar a inclusão da apelante no quadro social da empresa nem mesmo a dissolução parcial da empresa para fins pagamento de suas cotas sociais.

Nesse sentido, julgados do STJ e deste TJMG:

“Comercial. Sociedade de responsabilidade limitada. Cessão de cotas a terceiros, parentes ou estranhos. – Sócio de sociedade de responsabilidade limitada pode ceder parte de suas cotas a terceiros, parentes ou estranhos, estabelecendo com eles a compropriedade das cotas, a revelia da sociedade. – Todavia não podem tais condôminos se erigirem a condição de sócios a revelia dos demais cotistas. Nulo o ato judicial que tal averbou no cartório de registro de pessoas jurídicas que 50% das cotas do sócio foram transferidos a seus filhos menores por força de partilha decorrente de separação judicial em respeito à integridade do principio da affectio societatis (art. 1.388 do Código Civil e art. 334 do Código Comercial). – Segurança deferida” (RMS 2.559/MT, Rel. Min. Waldemar Zveiter, Terceira Turma, j. em 28/11/1994, DJ de 6/3/1995, p. 4.353).

“Comercial. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Aquisição de quotas. Apuração de haveres. Direito do sócio. – A ação de apuração de haveres em sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada cabe somente a quem dela seja sócio, não se equiparando a tal quem adquire quotas de outro sócio, ainda que por partilha em dissolução de casamento pelo regime da comunhão de bens” (REsp 29.897/RJ, Rel. Min. Dias Trindade, Terceira Turma, j. em 14/12/1992, DJ de 1/3/1993, p. 2.514).

“Ação de divisão de condomínio. Tutela antecipada e medida cautelar. Separação judicial que estabeleceu a partilha dos bens em 50% para cada um. Ações e cotas de titularidade do ex-marido. Co-propriedade. Proibição de incorporação, fusão, cisão ou alienação. Limitação da proibição a 50% das ações e cotas de titularidade do agravante, as quais são de propriedade da agravante. – A medida cautelar tem por escopo garantir a efetividade da tutela ressarcitória ou servir de instrumento para viabilizar a tutela preventiva. – A decretação da separação judicial que partilha os bens do casal na ordem de metade para cada um, embora não faça da ex-mulher sócia das sociedades empresárias em que seu ex-cônjuge figure como sócio, dá a ela o direito de reclamar a sua preservação, em virtude do risco de dilapidação do seu patrimônio. – A proibição de atos de incorporação, fusão, cisão ou alienação de ações e cotas de titularidade do ex-marido deve ficar limitada a 50%, que é a parte que caberia à mulher em virtude da separação, não podendo alcançar a metade que é reconhecidamente de propriedade dele” (TJMG – Agravo de Instrumento 1.0040.05.036563-0/002, Rel. Des. Antônio de Pádua, 9ª Câmara Cível, j. em 16/1/2007, p. em 27/1/2007).

Com essas considerações, rejeito as preliminares de inovação recursal e de ilegitimidade ativa e passiva, afasto a preliminar de coisa julgada e, no mérito, nego provimento ao recurso para julgar improcedentes os pedidos iniciais.
Condeno a apelante ao pagamento das custas recursais e, nos termos do art. 85, § 11, do CPC, majoro os honorários advocatícios para 15% sobre o valor atualizado da causa.

Suspensa a exigibilidade dos ônus sucumbenciais por estar a parte amparada pela assistência judiciária.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Arnaldo Maciel e João Cancio.

Súmula – REJEITARAM AS PRELIMINARES DE INOVAÇÃO RECURSAL E DE ILEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA,
AFASTARAM A PRELIMINAR DE COISA JULGADA E, NO MÉRITO, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO PARA JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS INICIAIS.

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG
Extraído de Recivil

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