Jurisprudência - Usucapião extraordinária não caracterizada
Jurisprudência - Usucapião extraordinária não caracterizada
APELAÇÃO CÍVEL - USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - BEM DE TITULARIDADE DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA - NÃO AFETAÇÃO A SERVIÇO PÚBLICO - IMÓVEL PASSÍVEL DE SER USUCAPIDO - SOMA DE POSSE DOS ANTECESSORES - PRESENÇA DOS REQUISITOS - ART. 1.238, CAPUT E ART.1.243, DO CC/02 - POSSE COMPROVADA - RECURSO NÃO PROVIDO.
- A jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça tem o entendimento no sentido de que os bens de sociedade de economia mista, tal como da ora apelante, estão sujeitos à usucapião, exceto quando afetados à prestação de serviço público, o que não restou demonstrado nos autos.
- O art. 1.243 do CC/02 permite a soma da posse dos antecessores com a dos novos possuidores para o cálculo da prescrição aquisitiva.
- No caso em tela, restando comprovada a posse mansa, pacífica e ininterrupta, exercida pelo autor e seus antecessores, por cerca de 20 anos, estão preenchidos os requisitos da usucapião extraordinária, nos termos do art. 1.238, caput, do CC/02, de modo que a declaração do domínio do imóvel usucapiendo é medida que se impõe.
Apelação Cível nº 1.0126.15.000616-4/001 - Comarca de Capinópolis - Apelante: Celg Distribuição S.A. - Celg D - Apelado: Paulo Sergio Alves Ferreira. - Relatora: Des.ª Shirley Fenzi Bertão
ACÓRDÃO
Vistos, etc., acorda, em Turma, a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 11 de agosto de 2021. - Shirley Fenzi Bertão - Relatora.
VOTO
DES.ª SHIRLEY FENZI BERTÃO - Trata-se de recurso de apelação, interposto por Celg Distribuição S.A - CELG D, contra a r. sentença de f. 286/288, proferida pelo MM. Juiz de Direito Thales Cazonato Corrêa da Vara Cível da Comarca de Capinópolis/MG, que, nos autos da ação de usucapião extraordinária, ajuizada por Paulo Sergio Alves Ferreira, julgou procedente o pedido inicial, nos seguintes termos:
``[...] Percebe-se, pois, que as provas produzidas foram suficientes à procedência do pedido de declaração da aquisição da propriedade do imóvel urbano mencionado na inicial, restando evidente que, acrescida a posse dos antecessores, na forma permitida pelo art. 1.243 do Código Civil, o autor possui a posse tranquila e ininterrupta do imóvel há mais de 15 anos.
Cumpre consignar que, por se tratar a CELG de pessoa jurídica de direito privado, não há óbice legal ao reconhecimento da usucapião, desde que presentes os requisitos exigidos por lei. Isso porque, o patrimônio dela é de natureza privada, mormente não tendo sido demonstrado que o bem era efetivamente utilizado para a prestação de serviços públicos.
Com tais razões de decidir, merece ser acolhida a pretensão inicial, devendo ser concedida a tutela jurisdicional à parte autora.
Dispositivo.
Em face ao exposto e fundamentado por tudo mais que dos autos consta, julgo procedente o pedido inicial de usucapião para declarar o domínio da parte requerente Paulo Sérgio Alves Ferreira sobre a área de um imóvel urbano medindo 360,00m², lote de terreno de n° 7, quadra `A', situado no Bairro Novo Horizonte, no município de Cachoeira Dourada/MG, conforme caracterização e divisas constantes da planta e memorial descritivo (f. 10/13) jungidos ao processo, o que faço como fundamento art. 1.238 do Código Civil.
Esta sentença, instruída com o Memorial Descritivo e com a Planta, servirá de título para transcrição no respectivo Cartório de Registro de Imóveis.
Expeça-se o competente mandado ao Oficial do C.R.I competente, na forma da lei processual e art. 226 da Lei de Registros Públicos.
Em face do princípio da sucumbência, condeno a requerida Celg no pagamento das custas processuais finais e nas despesas processuais, bem assim, a arcar com honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa, nos termos do art. 85, § 2°, incisos I a IV, do CPC.
[...].''
Em suas razões recursais (f. 307-322), alega a apelante, em suma, que ``a área usucapida enquadra-se entre os bens públicos de uso especial, sendo insuscetíveis de prescrição aquisitiva''.
Argumenta que, ``conforme certidões nos autos, a área usucapienda foi doada de particulares em 1.962 e desde então o imóvel vem sendo incorporado a empresas de energia elétrica''.
Explica que, ``a priori, a área em questão foi desapropriada para servir de canteiro de obra para a unidade de hidroelétrica de Cachoeira Dourada, no Rio Paranaíba e, posteriormente, passou a ser de servidão de água e de trânsito'', não podendo o apelado alegar desconhecimento a respeito da impossibilidade jurídica de usucapir o referido bem.
Conclui que o imóvel objeto da lide deve ser caracterizado como bem público, ``não podendo ser livremente alienado pelo apelado, não sendo assim suscetível ao instituto da usucapião, devendo a retro sentença ser reformada em sua totalidade, julgando assim improcedente o pleito inicial da presente demanda''.
Discorre sobre a inexistência de animus domini, visto que o autor reside em outra cidade (Ituiutaba) e o imóvel descrito na inicial serve apenas para lazer aos fins de semana, evidenciando ainda a invasão da referida área e, por consequência, o exercício de posse precária.
Enfatiza que ``os imóveis objetos da presente lide estão afetados ao serviço público de energia elétrica, sendo bem reversível à união, devendo ser aplicado a este o regime jurídico de direito público e, por consequência, reconhecendo a imprescritibilidade de tal bem''.
Ressalta que ``o bem não se desafeta da concessão pelo fato de estar momentaneamente desativada qualquer instalação da Celg GT, pois continua sendo bem reversível a união e seu uso, seja direto ou indireto, deve continuar dentro das finalidades do setor elétrico''.
Ao final, requer o provimento do presente recurso, a fim de que seja reformada r. sentença e julgada improcedente a pretensão inicial.
Preparo regular (f. 412/413).
Embora devidamente intimado, o apelado não apresentou contrarrazões, conforme certificado à f. 402v.
É o relatório.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Consta da inicial que o autor, Paulo Sergio Alves Ferreira, é legítimo possuidor do imóvel lote de terreno nº 7, quadra ``A'', do Bairro Novo Horizonte, no município de Cachoeira Dourada/MG; que adquiriu a posse do bem em questão, por meio do instrumento particular de compra e venda, firmado em novembro de 2014; que possui, junto com seus antecessores, posse mansa, pacífica e ininterrupta há mais de 15 anos; que mantém a posse exclusiva do imóvel sem qualquer comunhão de terceiros.
Diante disso, ajuizou a presente demanda, objetivando que seja declarado o seu domínio sobre o imóvel, em questão, haja vista a presença dos requisitos da usucapião extraordinária.
Em sua defesa, a ré, preliminarmente, impugnou o valor da causa e o pedido de justiça gratuita e, no mérito, alegou, em síntese, que a parte autora não comprovou a alegada posse e que o imóvel, por se tratar de bem público, não é suscetível de usucapião.
Sobreveio a sentença combatida, reconhecendo o domínio do autor, Paulo Sérgio Alves Ferreira, sobre área objeto da presente demanda.
Inconformada, a ré interpôs o presente recurso.
A questão controvertida, no caso em tela, consiste em saber se o imóvel objeto do litígio caracteriza-se como bem público e, portanto, insuscetível de ser usucapido, bem como se houve exercício de posse mansa e pacífica com animus domini, pelo lapso temporal exigido na legislação.
Pois bem.
Como se sabe, a usucapião constitui forma originária de aquisição da propriedade, em decorrência do exercício da posse, durante determinado período de tempo, desde que presentes todos os requisitos legais autorizadores fixados pela legislação civil.
Sobre o tema, Francisco Eduardo Loureiro ensina:
``[...] como modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais pela posse prolongada e qualificada por requisitos estabelecidos em lei. É modo originário de aquisição da propriedade, pois não há relação pessoal entre um precedente e um subsequente sujeito de direito. O direito do usucapiente não se funda sobre o direito do titular precedente, não constituindo este direito o pressuposto daquele, muito mesmo lhe determinando a existência, as qualidades e a extensão.'' (LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil comentado, 9. ed., São Pualo: Manole, p. 1.144).
Sabe-se, também, que os bens públicos não podem ser usucapidos, nos termos do art. 102, do Código Civil:
``Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos à usucapião.''
Como cediço, os bens públicos são aqueles pertencentes às pessoas de direito público interno, dividindo-se entre aqueles de uso comum, uso especial e dominicais, consoante o que dispõe os art. 98 e 99 do CC/02:
``Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.
Art. 99. São bens públicos:
I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.''
Sobre o tema, importante salientar que a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça tem o entendimento no sentido de que os bens de sociedade de economia mista, tal como a ora apelante, estão sujeitos à usucapião, exceto quando afetados à prestação de serviço público. Confira-se:
``Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Usucapião extraordinária. Decisão da presidência do STJ. Súmula nº 182 do STJ. Reconsideração. Violação de dispositivo constitucional. Não conhecimento. Acórdão recorrido. Fundamento suficiente para sua manutenção. Impugnação. Ausência. Súmula nº 283 do STF. Requisitos e possibilidade de usucapião do imóvel. Súmulas nº 7 e 83 do STJ. Agravo interno provido. Agravo em recurso especial desprovido - [...] - A jurisprudência desta Corte Superior entende que os bens de sociedade de economia mista estão sujeitos à usucapião, exceto quando afetados à prestação de serviço público. [...]''. (STJ - AgInt no AREsp 1744947/SE, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma, j. em 9/2/2021, DJe de 12/2/2021).
``Agravo em recurso especial ação reivindicatória. Alegação de violação à coisa julgada material. Inocorrência. Aplicação da súmula nº 7/STJ. Bem de titularidade de sociedade de economia mista. Não afetação a serviço público a cargo dela. Usucapião extraordinária reconhecida pela corte de origem. Aplicação da súmula nº 7/STJ. Adequação da decisão agravada. Agravo interno desprovido.'' (STJ - AgInt no AREsp 1393385/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j. em 30/3/2020, DJe de 1/4/2020).
A propósito, é o entendimento desta Egrégia Corte:
``Apelação cível. Ação de usucapião. Imóvel pertencente a sociedade que, no decorrer do prazo prescricional aquisitivo, era de economia mista. Pessoa jurídica de direito privado. Bens passíveis de serem usucapidos. Ausência de afetação à atividade pública essencial - Em sendo a ré constituída sob a forma de sociedade de economia mista, estava ela submetida ao regime de Direito Privado, nos termos do que dispõe o art. 173, § 1 º, inciso II, da Constituição da República, assim não se havendo de falar em bem público, o seu patrimônio, mas sim em bem privado, sujeito à sua própria administração. Se determinada entidade tem personalidade jurídica de direito privado, seu patrimônio há de caracterizar-se como privado, notadamente se inexistente comprovação de que o bem usucapiendo está ligado à prestação de serviço público essencial, bastante para lhe trazer afetação, conferindo especial proteção, própria do regime de Direito Público.'' (TJMG - Apelação Cível 1.0317.02.001872-5/001, Rel. Des. José de Carvalho Barbosa, 13ª Câmara Cível, j. em 12/4/2018, p. em 20/4/2018).
``Ação de usucapião extraordinária. Art. 1.238, parágrafo único, cc/02. `posse-trabalho'. Estabelecimento de moradia habitual no imóvel, pelo possuidor. Redução do prazo para 10 (dez) anos. Regra de transição diferenciada. Art. 2.029, cc/02. Aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas. Transcurso de mais de dois anos, desde a entrada em vigor do código civil de 2002. Aplicabilidade do novo prazo, ao caso dos autos. Bem pertencente a sociedade de economia mista. Afetação a execução de serviço público. Ausência. Aquisição por usucapião. Possibilidade. Requisitos legais. Configuração. Procedência do pedido inicial. Honorários advocatícios sucumbenciais. Majoração - [...] - Em não se tratando de bem público propriamente dito, afetado à execução de um serviço público, o bem pertencente a sociedade de economia mista pode ser adquirido por usucapião. - Assim, na usucapião extraordinária, se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual e havendo prova da posse pacífica e ininterrupta do mesmo sobre a área usucapienda há mais de 10 anos, exercida com animus domini, o pedido deve ser julgado procedente, em obediência aos art. 1.238, parágrafo único, e 2.029, ambos do novo Código Civil. - Os honorários de sucumbência fixados em valor demasiado reduzido e incompatível com as peculiaridades da causa devem ser majorados.'' (TJMG - Apelação Cível 1.0324.11.011683-1/001, Rel. Des. Eduardo Andrade, 1ª Câmara Cível, j. em 10/6/2014, p. em 18/6/2014).
Dito isso, no caso em comento, a despeito de alegar a existência de declaração de utilidade pública do imóvel em questão, sendo utilizado inicialmente como canteiro de obras para construção da Usina Cachoeira Dourada e, após, para constituir servidão de água e trânsito, a ora apelante não trouxe qualquer documento capaz de comprovar, de forma inconteste, que o bem, objeto do litígio, está afetado à prestação de serviço público.
Note-se que o próprio ente federativo, União, manifestou sua ausência de interesse jurídico na lide (f. 179/180).
Nessa toada, ausente prova contundente de que a área em discussão esteja diretamente afetada à prestação de serviço público, conclui-se que o imóvel não se enquadra na excepcionalidade da proteção sob o regime público, sendo plenamente possível a aquisição da propriedade por usucapião.
Destarte, resta-nos analisar se estão presentes, na hipótese dos autos, os requisitos para a aquisição da propriedade por usucapião extraordinária.
Tratando-se de usucapião extraordinária, é ônus da parte autora demonstrar que exerce a posse do imóvel pelo lapso temporal exigido na legislação, de forma ininterrupta, sem oposição ou interrupção e com ânimo de dono ao longo do tempo.
Assim dispõe o art. 1.238 do Código Civil:
``Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.''
Sobre a matéria, o professor Orlando Gomes ensina que:
``[...] a posse que conduz à usucapião deve ser exercida com animus domini, mansa e pacificamente, contínua e publicamente, da seguinte forma: a) O animus domini precisa ser frisado para, de logo, afastar a possibilidade de usucapião dos fâmulos da posse [...]. b) A posse deve ser mansa e pacífica, isto é, exercida sem oposição. O possuidor tem de se comportar como dono da coisa, possuindo-a tranquilamente. A vontade de conduzir-se como proprietário do bem carece ser traduzida por atos inequívocos. Posse mansa e pacífica é, numa palavra, a que não está viciada de equívoco. Na aparência, oferece a certeza de que o possuidor é proprietário. c) Além de pacífica, a posse precisa ser contínua.'' (GOMES, Orlando. Direitos reais, n. 116, Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 155).
Os documentos que instruem a inicial demonstram que o autor adquiriu o imóvel em questão por meio de instrumento particular de compra e venda, datado de 3/11/2014, de Fabiana Neves da Silva Dantas (f. 7/8), e pretende o reconhecimento da usucapião, considerando-se, para fins de prescrição aquisitiva, o cômputo do exercício da posse de seus antecessores.
É bem verdade que o art. 1.243 do CC/02 permite a soma da posse dos antecessores com a dos novos possuidores para o cálculo da prescrição aquisitiva.
Sobre o tema, Caio Mário da Silva Pereira ensina:
``Em face do princípio vigente, cumpre determinar os requisitos da usucapião extraordinária, levando em consideração o disposto no art. 1.238: A) Posse. Como foi visto no parágrafo anterior (nº 305, supra), a posse ad usucapionem há de ser pacífica, ininterrupta, e com intenção de dono. B) Tempo. Tendo em vista a redação do art. 1.238, deverá estender-se por quinze anos contínuos, salvo se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo, quando o lapso de tempo exigido se reduz a dez anos. Não é imprescindível que o usucapiente exerça por si mesmo e por todo o tempo de sua duração os atos possessórios, tais como cultivo do terreno, presença do imóvel, conservação da coisa, pagamento de tributos, manutenção de tapumes, defesa contra vias de fato de terceiros, e outros. Consideram-se úteis e igualmente legítimos os atos praticados por intermédio de prepostos, agregados ou empregados. Também não se requer a continuidade da posse na mesma pessoa, o que a extensão do tempo naturalmente dificulta. Estabelece a lei que o sucessor una à sua a posse do antecessor - accessio possessionis. Mas, como ninguém pode, por si mesmo, ou por ato seu, mudar a causa ou título da posse, a acessão desta somente terá lugar, sendo ambas contínuas e pacíficas (art. 1.243 do Código Civil), com observância do princípio segundo o qual o sucessor universal continua de direito à posse do antecessor, ao passo que ao sucessor a título singular é facultado unir uma à outra (art. 1.207); facultado quer dizer, fica ao seu arbítrio postular ou não a acessão.'' (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil - Vol. IV / Atual. Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho. - 25. ed., - Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 143).
Dessa forma, para que ocorra a soma das posses anteriores, é imprescindível a comprovação de que estas, de fato, ocorreram.
Em audiência de instrução e julgamento, foram ouvidos um informante e uma testemunha compromissada, os quais afirmaram que o requerente e seus antecessores exerceram posse mansa e pacífica sobre o imóvel usucapiendo, por mais de 20 anos, sem oposição ou interrupção, e com ânimo de dono.
Por oportuno, transcrevo trecho dos depoimentos testemunhais colhidos em audiência de instrução e gravada por mídia audiovisual (f. 204/207):
Depoimento de Juvenal Crispan Dantas, ouvido como informante:
``Que é amigo do autor; que o autor tem imóvel em Cachoeira Dourada/MG; que se trata de uma casa de lazer; que reside ali perto há muito tempo; que o autor frequenta o local há mais de dez anos; que o Sr. Paulo adquiriu o imóvel do Getúlio e de sua esposa, Fabiana Neves da Silva Dantas; que todo fim de semana o Sr. Paulo está lá, que não sabe de qualquer oposição ou interrupção à sua posse; que Lucivaldo morou lá muito tempo antes de Getúlio e transferiu o imóvel para ele [...]''
Depoimento de Lucivaldo Lucas Fernandes
``[...] que é vizinho de Paulo em Cachoeira; que Paulo adquiriu o terreno ao lado de sua casa; que não é amigo íntimo dele; que seu Paulo vai ao imóvel objeto do litígio nos finais de semana; que ele exerce a posse há 3 ou 4 anos; que antes dele era um terreno de propriedade do Sr. Getúlio; que o Sr. Paulo comprou o imóvel de Getúlio, que exerceu a posse cuidando deste terreno, durante uns cinco anos; que antes o terreno era seu e antes era do Sr. Volnei, que o comprou na década de 70; que nunca houve oposição à posse desse imóvel; que trabalhou na Prefeitura, que nunca soube de algum caso que a empresa hidroelétrica se opôs à aquisição desses terrenos [...]''
Por outro lado, analisando atentamente as alegações e os elementos de prova contidos no feito, a apelada não se desincumbiu do seu ônus previsto no art. 373, II, do CPC/15, de comprovar qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito autoral.
Nessa linha, restando evidenciada nos autos a posse mansa, pacífica e ininterrupta do autor sobre o imóvel descrito na inicial, a qual, somada a de seus antecessores, atinge o lapso temporal exigido na legislação, sem oposição ou interrupção, e com ânimo de dono ao longo do tempo, impõe-se o reconhecimento da prescrição aquisitiva pela usucapião extraordinária, tal como entendeu o douto Magistrado primevo.
Dispositivo.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso, para manter inalterada a r. sentença vergastada.
Como consectário, condeno a apelante ao pagamento das custas recursais, bem como dos honorários advocatícios, ora majorados de 10% para 12% do valor da causa, nos termos do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil.
Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Adriano de Mesquita Carneiro e Fabiano Rubinger de Queiroz.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
DJe n. 168 - 01/09/2021
Extraído de Sinoreg/MG