Modificação do regime de bens não exige "justificativas ou provas exageradas", decide STJ
Modificação do regime de bens não exige "justificativas ou provas exageradas", decide STJ
20/05/2021
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM
A apresentação da relação pormenorizada do acervo patrimonial do casal não é requisito essencial para deferimento do pedido de alteração do regime de bens. Esse foi o entendimento apresentado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ em decisão unânime que afastou a necessidade de apresentação da relação discriminada do patrimônio dos cônjuges.
O caso, com relatoria da ministra Nancy Andrighi, tratava da possibilidade de modificação do regime de bens escolhido pelo casal, já autorizada pelo artigo 1.639, § 2º, do Código Civil de 2002. Segundo a jurisprudência da Corte, o pedido pode ser atendido ainda que o casamento tenha sido celebrado na vigência do Código Civil anterior.
Para tanto, a norma estabelece que os cônjuges devem formular pedido motivado, cujas razões devem ter sua procedência apurada em juízo, resguardados os direitos de terceiros. Por outro lado, segundo os ministros, não é preciso exigir "justificativas ou provas exageradas", sobretudo porque a decisão que concede a modificação do regime de bens opera efeitos ex nunc.
"Na sociedade conjugal contemporânea, estruturada de acordo com os ditames assentados na Constituição de 1988, devem ser observados – seja por particulares, seja pela coletividade, seja pelo Estado – os limites impostos para garantia da dignidade da pessoa humana, dos quais decorrem a proteção da vida privada e da intimidade", destaca o acórdão.
A preocupação consiste em não tolher a liberdade dos cônjuges na escolha da melhor forma de condução da vida em comum. Em seu voto, Andrighi também considerou a presunção de boa-fé e a proteção dos direitos de terceiros conferida pelo dispositivo legal em questão.
Com a justificativa plausível para a pretensão de mudança de regime de bens, a apresentação de documentos necessários, a ausência de verificação de indícios de prejuízos aos consortes ou a terceiros e a necessidade de reservação da intimidade e da vida privada, "revela-se despicienda a juntada da relação pormenorizada de seus bens", nos termos do acórdão.
Possibilidade de extrajudicialização
Para o juiz Rafael Calmon, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão do STJ segue o que diz a lei e a percepção majoritária da Corte. Contudo, ele opina que tais entendimentos dos tribunais deveriam ser alterados, aliados a uma alteração legislativa para uma atualização do ordenamento jurídico sobre a temática.
"O STJ tem proferido decisões paradigmáticas que dialogam com o Direito das Famílias contemporâneo. Nesse caso, o entendimento dialoga com a lei. A lei não comunica bem com o Direito das Famílias contemporâneo porque exige a judicialização de uma questão que, na minha opinião e na de muitos, deveria ser extrajudicializada."
O magistrado defende que as circunstâncias que levam um casal a decidir pela alteração do regime de bens no curso do casamento competem à privacidade. "Tanto é assim que eles não precisam declinar nenhum motivo ou se valer de circunstâncias para escolher o regime no momento em que estão formando a união, seja pelo casamento ou por qualquer outra entidade."
"A rigor, no momento de se alterar, também não se deveria exigir motivo nenhum, pois isso compete à intimidade do casal. Penso que a alteração deveria ser feita em cartório, já que a escolha do regime de bens não depende de algo judicializado. No silêncio das partes, subsiste o regime da comunhão parcial de bens, que é o regime supletivo no Brasil", acrescenta.
Efeitos práticos e jurídicos
O especialista fala dos efeitos práticos e jurídicos da alteração dos regimes de bens. "A partir da sentença do juiz e com o trânsito em julgado, vai valer o que eles escolherem – como sair de um regime de comunhão parcial para um de separação, por exemplo. Esse é o efeito prático na vida deles, como se tivessem casado e escolhido o regime a partir daquele momento."
Os efeitos jurídicos são idênticos, diz Rafael Calmon. "De forma majoritária, mas com respeitáveis entendimentos em sentido contrário, entende-se que os efeitos da alteração de regime são sempre projetados para o futuro e nunca para o passado. Ou seja, são ex nunc e não ex tunc; são efeitos para frente, não retroativos."
Motivações e circunstâncias
Segundo o magistrado, são diversas as circunstâncias que podem levar um casal a optar pela alteração do regime de bens. "A vida é muito rica para ser compartimentada em caixinhas. É comum que o casal se case sobre uma circunstância e sobre uma mentalidade econômica financeira, que, com o passar do tempo, passam por alterações."
Ele cita situações em que um dos cônjuges começa, por exemplo, a operar na bolsa de valores, a empreender ou quando pretende constituir uma personalidade jurídica se valendo de capital de risco. "Todos esses casos podem levar a uma certa ameaça ao patrimônio comum do casal", explica Rafael Calmon.
"Nesses casos, as partes costumam rever o seu regime de bens saindo de um regime de índole comunitária, ou seja, aquele que comunicam-se os bens, para de índole separatista. Logo, em um eventual fracasso da empreendida, da sociedade empresária ou da operação na bolsa, o patrimônio do outro ficaria garantido, de certa forma", conclui.
A notícia se refere ao Recurso Especial – REsp 1.904.498-SP.
Fonte: IBDFAM
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Casal pode mudar regime de bens e fazer partilha na vigência do casamento
É possível mudar o regime de bens do casamento, de comunhão parcial para separação total, e promover a partilha do patrimônio adquirido no regime antigo mesmo permanecendo casado.
A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reformou entendimento adotado pela Justiça do Rio Grande do Sul. Os magistrados de primeiro e segundo graus haviam decidido que é possível mudar o regime, mas não fazer a partilha de bens sem que haja a dissolução do casamento. Assim, o novo regime só teria efeitos sobre o patrimônio a partir do trânsito em julgado da decisão que homologou a mudança.
O relator do recurso interposto pelo casal contra a decisão da Justiça gaúcha, ministro Marco Aurélio Bellizze, ressaltou que os cônjuges, atualmente, têm ampla liberdade para escolher o regime de bens e alterá-lo depois, desde que isso não gere prejuízo a terceiros ou para eles próprios. É necessário que o pedido seja formulado pelos dois e que haja motivação relevante e autorização judicial.
Riscos
O casal recorrente argumentou que o marido é empresário e está exposto aos riscos do negócio, enquanto a esposa tem estabilidade financeira graças a seus dois empregos, um deles como professora universitária.
O parecer do Ministério Público Federal considerou legítimo o interesse da mulher em resguardar os bens adquiridos com a remuneração de seu trabalho, evitando que seu patrimônio venha a responder por eventuais dívidas decorrentes da atividade do marido – preservada, de todo modo, a garantia dos credores sobre os bens adquiridos até a alteração do regime.
Proteção a terceiros
Bellizze ressaltou que ainda há controvérsia na doutrina e na jurisprudência sobre o momento em que a alteração do regime passa a ter efeito, ou seja, a partir de sua homologação ou desde a data do casamento. No STJ, tem prevalecido a orientação de que os efeitos da decisão que homologa alteração de regime de bens operam-se a partir do seu trânsito em julgado.
O ministro salientou, porém, que há hoje um novo modelo de regras para o casamento, em que é ampla a autonomia da vontade do casal quanto aos seus bens. A única ressalva apontada na legislação diz respeito a terceiros. O parágrafo 2º do artigo 1.639 do Código Civil de 2002 estabelece, de forma categórica, que os direitos destes não serão prejudicados pela alteração do regime.
“Como a própria lei resguarda os direitos de terceiros, não há por que o julgador criar obstáculos à livre decisão do casal sobre o que melhor atende a seus interesses”, disse o relator.
“A separação dos bens, com a consequente individualização do patrimônio do casal, é medida consentânea com o próprio regime da separação total por eles voluntariamente adotado”, concluiu.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
Superior Tribunal de Justiça (STJ)