Motorista é absolvido por inconstitucionalidade de artigo do CTB
02/03/2012 10:20
Ao final, a desembargadora Salete Silva Sommariva, relatora da decisão, asseverou: "Por consequência lógica, não mais constituindo crime o fato descrito na denúncia (fuga do local do acidente), afigura-se imperativa a absolvição do réu, com fulcro no art. 386, III, do CPP".
Apelação Criminal n. 2009.026222-9, de Forquilhinha
Decisão
Motorista é absolvido por inconstitucionalidade de artigo do CTB
Um motorista que fugiu do local do acidente foi absolvido pela 2ª câmara Criminal do TJ/SC, em virtude de entendimento do Tribunal de inconstitucionalidade do artigo 305 do CTB - Código de Trânsito Brasileiro. O artigo condena criminalmente o condutor de veículo automotor que foge do local do acidente com o intuito de não ser responsabilizado penal ou civilmente.
O réu, sem habilitação e alcoolizado, pegou o carro que estava na garagem de sua casa e saiu de ré em direção à rua. Segundo a denúncia do MP, ao cruzar o logradouro, o réu atingiu outro veículo, que transitava corretamente em sua mão de direção. O motorista teria fugido do local para não ser identificado.
O Órgão Especial do TJ declarou inconstitucional o artigo 305 do CTB. Os julgadores transcreveram a decisão do órgão que ponderou ser desnecessário o condutor aguardar a chegada da autoridade competente para averiguação da responsabilidade civil ou penal, visto que isso seria impor ao condutor a obrigação de produzir prova contra si, situação vedada pela Constituição Federal.
Ao final, a desembargadora Salete Silva Sommariva, relatora da decisão, asseverou: "Por consequência lógica, não mais constituindo crime o fato descrito na denúncia (fuga do local do acidente), afigura-se imperativa a absolvição do réu, com fulcro no art. 386, III, do CPP".
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Processo: 2009.026222-9
Veja a íntegra da decisão.
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Apelação Criminal n. 2009.026222-9, de Forquilhinha
Relatora: Desa. Salete Silva Sommariva
APELAÇÃO CRIMINAL - ART. 305 DO CTB – FUGA DO LOCAL DO ACIDENTE PARA ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL OU PENAL – INCOMPATIBILIDADE COM A CF/88 – INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE – ARGÜIÇÃO AO ÓRGÃO ESPECIAL (CF/88, ART. 97; CPC, ART. 481 E RITJSC, ART. 161) - ACATAMENTO PELO ÓRGÃO MÁXIMO DA CORTE - INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA INCIDENTALMENTE - NECESSIDADE DE PROSSEGUIMENTO DO JULGAMENTO NO ÓRGÃO FRACIONÁRIO - ABSOLVIÇÃO EM RAZÃO DE O FATO NÃO CARACTERIZAR CRIME (CPP, ART. 386, III).
Reconhecida pelo Órgão Especial desta corte a inconstitucionalidade incidental do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro, cabe ao órgão fracionário (Segunda Câmara Criminal) que argüiu o vício material prosseguir no julgamento como de direito.
Dessa forma, em obséquio à invalidação incidenter tantum da norma penal em comento, o fato imputado na denúncia a ele relativo passa a revestir-se de atipicidade, não mais podendo pesar em desfavor do apelante, de ordem a ensejar a absolvição do réu, com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2009.026222-9, da comarca de Forquilhinha (Vara Única), em que é apelante Adriano Monteiro, e apelada A Justiça, por seu Promotor:
A Segunda Câmara Criminal decidiu, por unanimidade de votos, prosseguir no julgamento da apelação criminal quanto ao delito do art. 305 do CTB, suspenso em virtude da argüição de sua inconstitucionalidade incidental; diante da declaração de inconstitucionalidade do mencionado delito pelo órgão especial desta corte, tornou-se atípica a conduta do réu, ensejando a absolvição, nos termos do art. 386, III, do CPP. Custas legais.
Participaram do julgamento, em treze de dezembro de dois mil onze, os Exmos. Srs. Des. Sérgio Paladino (Presidente) e Tulio Pinheiro.
Florianópolis, 30 de janeiro 2012.
Salete Silva Sommariva
RELATORA
RELATÓRIO
Na comarca de Forquilinha, o Ministério Público, por seu promotor de justiça, ofereceu denúncia em face de Adriano Monteiro pela prática do crime de conduzir veículo automotor sob efeito de álcool sem possuir permissão para dirigir ou carteira de habilitação e ter se afastado do veículo do local do acidente, para fugir à
responsabilidade penal ou civil (Lei n. 9.503/97, arts. 306 c/c 298, III e 305), conforme narra a exordial acusatória:
No dia 03 de dezembro de 2006, por volta das 19h, A.M., que se encontrava embriagado e não possuía carteira de habilitação ou permissão para dirigir veículos, resolveu conduzir seu automóvel Uno, placas "IBK 3335", pela via pública de Forquilhinha/SC.
Deu, então, partida no automóvel, que se encontrava estacionado na garagem de sua residência, localizada na Rua Maria de Lourdes Fernandes da Silva/ s/nº, Ouro Negro, Forquilhinha/SC, e saiu dali de ré.
Em virtude de sua embriaguez e inabilidade para conduzir veículo automotor, entrou inadvertidamente e ainda de ré na rua Maria de Lourdes Fernandes da Silva, colidindo com o veículo Toyota Corola, placas "IIW 0784", de propriedade de Luiz Ângelo Madeira, que trafegava corretamente e em sua mão de direção.
Ao assim agir, expôs a dano potencial a incolumidade de toda a sociedade e, de especial maneira, a de Luiz Ângelo Madeira, que trafegava corretamente e em sua mão de direção.
Ao assim agir, expôs a dano potencial a incolumidade de toda a sociedade e, de especial maneira, a de Luiz Ângelo Madeira, que, por sorte, não teve danos de natureza física, mas apenas materiais.
Depois do ocorrido, o denunciado deixou o local do acidente com o objetivo de fugir da responsabilidade civil e penal que lhe poderia ser atribuída.
Recebida a peça acusatória em 5-11-2007 (fl. 26) e citado o acusado (fl. 36), este não compareceu à audiência, motivo pelo qual foi declarado revel, ocasião em que lhe fora nomeado defensor dativo (fl. 38), após o que ofereceu defesa prévia (fl. 39).
Realizada nova solenidade (fl. 47), foram inquiridas duas testemunhas da acusação (fl. 48), das quais uma ouvida por carta precatória (fl. 53).
O representante do Ministério Público apresentou suas alegações finais (fls. 61/64), pugnando pela condenação do réu. Ato contínuo, o acusado protocolizou suas derradeiras assertivas (fls. 65/67), pleiteando a absolvição e, alternativamente, a desconsideração da qualificadora prevista no art. 298, III, do CTB, assim como a aplicação da pena do mínimo legal, sendo esta substituída nos moldes do art. 44 do CP.
Conclusos os autos (fls. 68/73), a Juíza Substituta Bruna Canella Becker julgou procedente a denúncia para condenar Adriano Monteiro à pena de 2 (dois) anos de detenção, por infração ao disposto nos artigos 306 c/c art. 298, III e art. 305, ambos do CTB, em regime aberto e proibição para obter carteira de habilitação por 6 meses. Ao final, substituiu a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, concernentes em prestação de serviços à comunidade e pena pecuniária no importe de 1 (um) salário mínimo a ser pago em favor de entendida designada pelo Juízo da Execução.
Intimado pessoalmente da decisão (fl. 76), o réu, irresignado, interpôs recurso de apelação (fls. 78/81), aduzindo que não deixou o local dos fatos após o acidente, assim como que não restou provado que estava com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, uma vez que não foi realizado o teste do bafômetro ou análise sanguínea.
Salientou, ainda, que o fato de possuir ou não carteira de habilitação não resultou no aumento de sua periculosidade durante a consecução do delito.
Pugnou, ao final, pela absolvição dos delitos previstos nos arts. 305 e 306 do CTB e, alternativamente, pela desconsideração da qualificadora prevista no art. 298, III, do CTB, assim como pelo abrandamento da pena restritiva de direitos e pela minoração do valor relativo à pena pecuniária. Por derradeiro, requereu a fixação de URHs ao defensor dativo.
Fixada a remuneração do defensor em 100% (cem por cento) do quantum previsto na tabela da OAB/SC (fl. 82), o membro do Parquet apresentou contrarrazões (fls. 84/93) requerendo a manutenção do decisum.
Em seguida, ascenderam os autos a esta egrégia Corte.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça em parecer da lavra do Dr. Jobél Braga de Araújo (fls. 98/102), manifestou-se pelo provimento do recurso.
Instaurado o incidente de inconstitucionalidade, este restou acolhido pelo órgão especial desta corte, retornando os autos ao órgão fracionário para prosseguir no julgamento do recurso de apelação.
VOTO
De início, afigura-se imperativo acolher-se a apelação, a fim de decretar-se a absolvição do réu por fundamento diverso.
Prima facie, cumpre asseverar que, uma vez reconhecida pelo Órgão Especial desta corte a inconstitucionalidade incidental do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro, cabe ao órgão fracionário (Segunda Câmara Criminal) que arguiu o vício material prosseguir no julgamento como de direito.
A síntese da declaração de inconstitucionalidade da norma penal acima descrita está assim ementada:
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - APELAÇÃO CRIMINAL - ART. 305 DO CTB - FUGA DO LOCAL DO ACIDENTE PARA ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL OU PENAL - INCONSTITUCIONALIDADE - VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DE SILÊNCIO E DE NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO (CF/88, ART. 5º, LXIII) - AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE - TRATAMENTO DIFERENCIADO SEM MOTIVAÇÃO IDÔNEA - PROCEDÊNCIA DA ARGUIÇÃO.
Não se pode conceber a premissa de que, pelo simples fato de estar na condução de um veículo, o motorista que se envolve em um acidente de trânsito tenha que aguardar a chegada da autoridade competente para averiguação de eventual responsabilidade civil ou penal porquanto reconhecer tal norma como aplicável, seria impor ao condutor a obrigação de produzir prova contra si, hipótese vedada pela Constituição Federal por ofender o preceito da ampla defesa (CF/88, art. 5º, LV), além de incorrer em malferição ao direito ao silêncio (CF, art. 5º, LXIII).
Ademais, estar-se-ia punindo o agente por uma conduta praticada por qualquer outro delinquente, qual seja, a evasão da cena do delito, sem que por tal conduta recebam sanção mais alta ou acarrete maior gravosidade em suas penas, estabelecendo-se forte contrariedade aos princípios da isonomia e da proporcionalidade.
Desse modo, afigura-se inviável vislumbrar outra responsabilidade penal a ser imputada ao motorista que se evade do local em que estivera envolvido em acidente de trânsito com vítima que não a omissão de socorro, situação com disposição específica no CTB (art. 304). Assim, se o condutor que se encontra nessas circunstâncias, que resultaram apenas em danos materiais, pode ter sua liberdade cerceada, está-se criando nova modalidade de prisão por responsabilidade civil, matéria que encontra limites constitucionais inestendíveis pelo legislador ordinário, o qual sofre limitação pelo art. 5º, LXVII da CF/88, que impede a prisão civil por dívida, afora as hipóteses nele excetuadas. (Arguição de Inconstitucionalidade n. 2009.026222-9/0001.00, j. em 1-6-2011)
Dessa forma, em obséquio à invalidação incidenter tantum da norma penal em comento, o fato imputado na denúncia a ele relativo passa a revestir-se de atipicidade, não mais podendo pesar em desfavor do apelante.
Por consequência lógica, em não mais constituindo como crime o fato descrito na denúncia (fuga do local do acidente), afigura-se imperativa a absolvição do réu, com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal.
À vista do exposto, o voto é no sentido de prover o recurso, e, por fundamento diverso, absolver o réu, com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal.
Florianópolis, 30 de janeiro 2012.
Salete Silva Sommariva
RELATORA
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Esta matéria foi colocada no ar originalmente em 1 de março de 2012.
ISSN 1983-392X
Extraído de Migalhas