Partilha de bens em união estável no regime de separação obrigatória exige prova de esforço comum
21/09/2015 - 07:16
DECISÃO
Na dissolução de união estável mantida sob o regime de separação obrigatória de bens, a divisão daquilo que foi adquirido onerosamente na constância da relação depende de prova do esforço comum para o incremento patrimonial. A tese foi firmada pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Segundo o relator do caso, ministro Raul Araújo, a presunção legal do esforço comum, prevista na lei que regulamentou a união estável (Lei 9.278/96), não pode ser aplicada sem que se considere a exceção relacionada à convivência de pessoas idosas, caracterizada pela separação de bens.
O caso analisado diz respeito à partilha em união estável iniciada quando o companheiro já contava mais de 60 anos e ainda vigia o Código Civil de 1916 – submetida, portanto, ao regime da separação obrigatória de bens (artigo 258, I). A regra antiga também fixava em mais de 50 anos a idade das mulheres para que o regime de separação fosse adotado obrigatoriamente. O Código Civil atual, de 2002, estabelece o regime de separação de bens para os maiores de 70 anos (artigo 1.641, II).
A decisão da Segunda Seção foi tomada no julgamento de embargos de divergência que contestavam acórdão da Terceira Turma – relativo à meação de bens em união estável de idosos iniciada sob o CC/16 – em face de outro julgado do STJ, este da Quarta Turma. A seção reformou o acórdão da Terceira Turma, que havia considerado que o esforço comum deveria ser presumido.
STF
Ao analisar a questão, o ministro Raul Araújo afirmou que o entendimento segundo o qual a comunhão dos bens adquiridos durante a união pode ocorrer, desde que comprovado o esforço comum, está em sintonia com o sistema legal de regime de bens do casamento, confirmado no Código Civil de 2002. Essa posição prestigia a eficácia do regime de separação legal de bens, declarou o relator.
O ministro observou que cabe ao interessado comprovar que teve efetiva e relevante participação (ainda que não financeira) no esforço para aquisição onerosa de determinado bem a ser partilhado no fim da união (prova positiva).
A Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal (STF) diz que “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento”. Segundo o ministro Raul Araújo, a súmula tem levado a jurisprudência a considerar que pertencem a ambos os cônjuges – metade a cada um – os bens adquiridos durante a união com o produto do trabalho e da economia de ambos.
Assim, a Súmula 377/STF, isoladamente, não confere ao companheiro o direito à meação dos bens adquiridos durante o período de união estável sem que seja demonstrado o esforço comum, explicou o relator.
Ineficácia
Para o ministro, a ideia de que o esforço comum deva ser sempre presumido (por ser a regra da lei da união estável) conduziria à ineficácia do regime da separação obrigatória (ou legal) de bens, pois, para afastar a presunção, o interessado precisaria fazer prova negativa, comprovar que o ex-companheiro em nada contribuiu para a aquisição onerosa de determinado bem, embora ele tenha sido adquirido na constância da união. Tornaria, portanto, praticamente impossível a separação do patrimônio.
“Em suma”, concluiu Raul Araújo, “sob o regime do Código Civil de 1916, na união estável de pessoas com mais de 50 anos (se mulher) ou 60 anos (se homem), à semelhança do que ocorre com o casamento, também é obrigatória a adoção do regime de separação de bens.” Ele citou o precedente da Quarta Turma, para o qual não seria razoável que, a pretexto de regular a união de pessoas não casadas, o ordenamento jurídico estabelecesse mais direitos aos conviventes em união estável do que aos cônjuges.
Acompanharam o relator os ministros Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro. Votou de forma divergente o ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.Sylvie Boëchat
Está em vias de obter a "maioridade civil", a lei 9.278, que instituiu a "união estável" como modelo de relação entre casais, alternativa ao casamento.
terça-feira, 3 de setembro de 2013
As relações familiares têm evoluído significativamente nas últimas décadas, exigindo que o direito de família também sem transforme para abarcar as mudanças operadas na dinâmica social dos afetos.
Nesse sentido, está em vias de obter a "maioridade civil", a lei 9.278 de 10 de maio de 1996, que instituiu a "união estável" como modelo de relação entre casais, alternativa ao casamento.
A CF já legitimava o instituto por meio de seu art. 226, parágrafo 3º1, o qual também passou a ser incluído no CC, em seus artigos 1.7232 e seguintes, tendo a doutrina e jurisprudência avançado na tendência da tutela das pluralidades familiares.
Por ser um modelo de união que em muito se assemelha ao casamento, a jurisprudência dos tribunais estaduais e do STJ tem aplicado às uniões estáveis3, por extensão, alguns direitos previstos para o vínculo conjugal do casamento.
Entendemos que, muito embora a matéria não se vincule diretamente ao direito empresarial, é fato que as consequências tocantes ao regime de bens seguido pelo casal de companheiros, a comunicação de seu patrimônio durante a relação e após o seu término - seja por dissolução ou por morte de um dos parceiros - podem, sim, influenciar relações jurídicas importantes vinculadas às do empresariado, a exemplo de demandas em que se discutam questões societárias, recuperação de créditos, validação de garantias por pessoas viventes sob esse modelo sócio afetivo, etc.
Desse modo, tendo em vista que o Poder Judiciário tem sido chamado a se posicionar sobre o assunto, apontamos abaixo alguns entendimentos firmados pela jurisprudência atual e, inclusive de recentes julgados da mencionada Corte superior.
Constituição e validação de garantias na União Estável
O art. 1.725 do CC4, reconhecendo a aplicação analógica do regime de comunhão parcial de bens à união estável, "no que couber", traduziu longa evolução doutrinária e jurisprudencial sobre o tema, mas deve ser analisado quanto aos limites dos aspectos atinentes à solidariedade que permeia as relações familiares, especialmente no que concerne à divisão do esforço comum.
Nesse sentido, a exemplo da validação de garantias porventura dadas por pessoas que vivam em união estável, nos parece acertada a jurisprudência que reconhece a inexigibilidade de outorga uxória para o fiador que assim se mantém: "A circunstância de manter o fiador união estável não tem o condão de infirmar, por ausência de outorga uxória, a garantia locatícia por ele prestada ainda que o relacionamento esteja revestido de todas as formalidades para seu reconhecimento como unidade familiar".5
Por outro lado, deverá ser considerado o grau de informação que a pessoa presta, ao tempo da constituição das garantias, sobre o seu estado civil, a fim de determinar a extensão da sua responsabilidade: "Rejeitada a alegação de nulidade da fiança face à ausência de outorga uxória. Ônus da prova. Caso concreto. Tendo o fiador se declarado como divorciado quando da assinatura do contrato de locação, embora vivesse ele em união estável, não sendo tal situação de conhecimento da locadora, é de ser considerada válida a fiança prestada".6
Separação obrigatória de bens na União Estável de maior de 70 anos
Outro aspecto do mencionado art. 1.275, tratado recentemente pelo STJ, diz respeito à união estável quando um dos companheiros já possua idade superior a 70 anos e a aplicação ou não do regime de separação obrigatória de bens.
É válido lembrar que o direito de família brasileiro estabeleceu as seguintes possibilidades de regime de comunicação dos bens: comunhão parcial, comunhão universal, separação obrigatória, separação voluntária e, ainda, participação final nos aquestos (bens adquiridos na vigência do casamento).
A obrigatoriedade da separação de bens no casamento já era prevista no CC de 19167, para pessoas maiores de sessenta anos, sendo tratada pelo art. 1.641 do CC atual. Com a alteração feita pela lei 12.344 de dezembro de 2010, o regime da separação de bens passou a ser obrigatório no casamento de pessoa maior de 70 anos.
No REsp 646.259, julgado meses antes da promulgação da referida lei 12.344/10, o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso, entendeu que, para a união estável, à semelhança do que ocorre com o casamento, é obrigatório o regime de separação de bens de companheiro com idade superior a sessenta anos.
No caso em si, a discussão se pautou sobre o conflito de entendimentos entre as instâncias sobre como deveria ser tratada a matéria. Com o falecimento de um dos companheiros (na época, com 64 anos e estando vigente o CC/16), o juiz determinou a separação obrigatória de bens e concedeu à companheira apenas a partilha dos bens adquiridos durante a união estável, mediante comprovação do esforço comum.
Inconformada com a decisão, ela interpôs recurso no TJ/RS, que reformou a decisão afirmando que não se aplica à união estável o regime da separação obrigatória de bens "porque descabe a aplicação analógica de normas restritivas de direitos ou excepcionantes. E, ainda que se entendesse aplicável ao caso o regime da separação legal de bens, forçosa seria a aplicação da súmula 3778 do Supremo Tribunal Federal (STF), que igualmente contempla a presunção do esforço comum na aquisição do patrimônio amealhado na constância da união".
O espólio do companheiro apresentou recurso especial no STJ, argumentando que se aplicaria às uniões estáveis o regime obrigatório de separação de bens, quando um dos conviventes fosse sexagenário, como era o caso.
A partir daí, a discussão entre os ministros do STJ se deu a respeito dos limites de extensão do instituto da união estável em comparação ao casamento, pois, se argumentou que, caso se optasse pela liberdade de escolha do regime de bens para os sexagenários, seriam estabelecidos mais direitos aos conviventes do que aos cônjuges (referindo-se à união estável como um "instituto menor" que o casamento); e, ainda, que negar-se a interpretação jurisprudencial no mesmo padrão do legalmente estabelecido ao instituto do casamento seria inverter a hierarquia constitucionalmente sufragada.
Desse modo, concluíram os ministros que deve se ter em favor das uniões estáveis envolvendo sexagenários (e agora, septuagenários, por força da alteração da lei 12.344!), a mesma previsão de regime de separação de bens obrigatória que a lei determina para os casados, em igual situação.
O entendimento dos ministros do STJ, nesse sentido, tem o intuito de evitar interpretações discrepantes da legislação que, em sentido contrário ao adotado pela Corte, estimularia a união estável entre um casal formado, por exemplo, por um homem com idade acima de 70 anos e uma jovem de 25, para burlarem o regime da separação obrigatória previsto para o casamento na mesma situação.
Além disso, em que pese a tendência da defesa das pluralidades familiares, o ordenamento jurídico nacional ainda protege com maior empenho o instituto do casamento, e uma opção de escolha diferenciada de regime de bens para companheiros nessa circunstância poderia desestimulá-lo.
Nesse sentido, vale apontar trecho do entendimento do ministro Massami Uyeda, ao julgar o REsp 1.090.722, "se para o casamento, que é o modo tradicional, solene, formal e jurídico de constituir uma família, há a limitação legal, esta consistente na imposição do regime da separação de bens para o indivíduo sexagenário que pretende contrair núpcias, com muito mais razão tal regramento deve ser estendido à união estável, que consubstancia-se em forma de constituição de família legal e constitucionalmente protegida, mas que carece das formalidades legais e do imediato reconhecimento da família pela sociedade".
No entanto, de acordo com Uyeda, é preciso ressaltar que a aplicação do regime de separação obrigatória de bens precisa ser flexibilizado com o disposto na súmula 377/STF, "pois os bens adquiridos na constância, no caso, da união estável, devem comunicar-se, independente da prova de que tais bens são provenientes do esforço comum, já que a solidariedade, inerente à vida comum do casal, por si só, é fator contributivo para a aquisição dos frutos na constância de tal convivência".
A interpretação aplicada por Uyeda foi firmada anteriormente na 3ª turma pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito, no julgamento do REsp 736.627, no qual o ministro apontou que a evolução da jurisprudência, nesse sentido, tem se operado, porque "o que vale é a vida em comum, não sendo significativo avaliar a contribuição financeira, mas, sim, a participação direta e indireta representada pela solidariedade que deve unir o casal, medida pela comunhão da vida, na presença em todos os momentos da convivência, base da família, fonte do êxito pessoal e profissional de seus membros".
No mesmo sentido, em outro recente acórdão envolvendo sexagenário (REsp 1.171.820), a ministra Nancy Andrighi considerou presumido o esforço comum para a aquisição do patrimônio do casal durante a união estável, declarando não haver espaço para as afirmações do companheiro que alegava que a companheira não teria contribuído para a constituição do patrimônio a ser partilhado.
Para a ministra, "do ponto de vista prático, para efeitos patrimoniais, não há diferença no que se refere à partilha dos bens com base no regime da comunhão parcial ou no da separação legal contemporizado pela súmula 377 do STF".
Por fim, quanto ao alcance da cautela da separação obrigatória de bens, não resta dúvida de que ela tem por objetivo, “proteger o patrimônio anterior” dos companheiros, "não abrangendo, portanto, aquele obtido a partir da união" (nos termos da manifestação do ministro Menezes Direito, no REsp 736.627), de modo, assim, a serem compartilhados entre os conviventes, os bens adquiridos na vigência da união estável (como são os aquestos, no casamento), inclusive pelos maiores de 70 anos.
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1 § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
2 Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
3 https://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=110503
4 Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
5 (TJRJ, ACi nº 2006.001.46102, 12ª CC, Rel. Des. Marco Antonio Ibrahim, j. 3/5/2007)
6 (TJRS, ACi nº 70019693167, 15ª CC, Rel. Des. Otávio Augusto de Freitas Barcellos, j. 10/10/2007)
7 artigo 258, parágrafo único, inciso II, CC/16
8 No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento
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