Situações excepcionais podem impedir prisão domiciliar para mães mesmo após alterações do CPP

DECISÃO
22/02/2019 06:57

Situações excepcionais podem impedir prisão domiciliar para mães mesmo após alterações do CPP

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o juiz pode negar a conversão da prisão preventiva em domiciliar para gestantes ou mães de filhos pequenos ou com deficiência caso entenda que está diante de uma situação excepcional, conforme admitido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Habeas Corpus 143.641.

Os ministros entenderam que o indeferimento do benefício em tais situações excepcionais é possível mesmo após a entrada em vigor da Lei 13.769, de 18 de dezembro de 2018, que alterou o Código de Processo Penal (CPP) e fixou apenas duas ressalvas ao regime de prisão domiciliar.

A decisão da Quinta Turma foi tomada no julgamento dos HCs 426.526 e 470.549, nos quais a defesa alegava que as pacientes teriam direito à prisão domiciliar prevista no artigo 318, V, do CPP.

No primeiro caso, de relatoria do ministro Joel Ilan Paciornik, houve pedido de vista do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que, em concordância com o relator, negou o pedido. Já no segundo processo, de relatoria do ministro Reynaldo, a turma concedeu a ordem de ofício para que a ré passe ao regime domiciliar.

Histórico

Em fevereiro de 2018, a Segunda Turma do STF, em julgamento de habeas corpus coletivo (HC 143.641), determinou, por maioria, a substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda, salvo nos casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício.

A decisão impôs, com suas ressalvas, o atendimento aos incisos III, IV e V do artigo 318 do CPP, segundo os quais o juiz poderá substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade ou com deficiência, gestante ou mulher com filho de até 12 anos incompletos.

Entretanto, em dezembro de 2018, sobreveio a Lei 13.769, que acrescentou os artigos 318-A e 318-B no CPP, prevendo que a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa e que não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.

Poder-dever

Ao analisar os casos, a Quinta Turma destacou o fato de que o texto da nova lei suprimiu a discricionariedade do juiz para negar a prisão domiciliar em casos de situações excepcionais, hipótese prevista no HC coletivo julgado pelo STF.

“Com a publicação da nova lei, não resta dúvida que se trata de um poder-dever para o juiz aplicar o benefício, ressalvados os casos em que tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa ou contra seu filho ou dependente. Assim, forçoso reconhecer o caráter objetivo de aplicação da nova lei, com a substituição do termo poderá (artigo 318, caput) por será (artigo 318-A, caput), sempre que apresentada prova idônea do requisito estabelecido na norma (artigo 318, parágrafo único)”, afirmou o ministro Reynaldo Soares da Fonseca.

No entanto, os ministros do colegiado decidiram que a exceção à concessão do benefício em situações excepcionalíssimas a serem analisadas pelo juiz deve subsistir, pois o principal objetivo da lei é a proteção da criança, e não a concessão de um “salvo-conduto às mulheres que cometem crime sem violência ou grave ameaça, independentemente do risco que a sua liberdade possa oferecer aos filhos, à pessoa com deficiência pela qual é responsável, ou mesmo à sociedade”.

Em seu voto, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca citou decisão do ministro Sebastião Reis Júnior, da Sexta Turma, e artigos doutrinários que respaldam esse entendimento.

Casos diferentes

Durante o julgamento, os relatores também ressaltaram a diferença entre as situações tratadas nos dois habeas corpus. Para eles, a análise precisa levar em conta as particularidades do caso concreto, devendo-se observar se a presença da mãe pode representar risco direto aos direitos das crianças menores ou dos dependentes.

No caso do HC 426.526, os ministros levaram em consideração o fato de a mãe supostamente manter o funcionamento de “boca de fumo” ligada ao Comando Vermelho, além de utilizar arma de fogo rotineiramente, e concluíram pela caracterização da situação excepcional mencionada pelo STF no habeas corpus coletivo.

“Assim, é certo que da situação evidenciada nos autos verifica-se a excepcionalidade prevista no mencionado julgado, tendo em vista que, conforme fundamentado pelas instâncias ordinárias, a paciente é apontada como líder do tráfico de entorpecentes na região, exercia suas atividades mediante utilização de arma de fogo, e foi apreendida grande quantidade de drogas sob sua responsabilidade (470g de maconha e 857g de cocaína)”, afirmou o relator, ministro Joel Ilan Paciornik.

Já no caso do HC 470.549, mesmo a ré tendo o benefício negado nas instâncias anteriores sob o argumento de que sua presença não seria imprescindível, já que contava com a ajuda da avó e da mãe para os cuidados com os filhos, a turma julgadora concluiu não haver impedimento para a concessão da prisão domiciliar.

“Embora a paciente seja investigada por tráfico, não é reincidente, o fato que deu origem à prisão em exame não ocorreu na residência onde moram os filhos, bem como não envolveu atuação de organização criminosa, tanto que foi denunciada apenas pelo crime de tráfico de drogas”, destacou o relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca.

Leia os acórdãos no HC 426.526 e no HC 470.549.
 
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 426526HC 470549
 
Superior Tribunal de Justiça (STJ)
 

 

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