Subnotificações envolvem principalmente crianças que não completam 1 ano
21/11/2011 13:28
Vida e morte desconhecidas
O acesso difícil a cartórios e a falta de orientação levam pais a não registrarem o nascimento e o óbito dos filhos. As subnotificações, mais recorrentes no Maranhão, envolvem principalmente crianças que não completam 1 ano.
A falta de cartórios, de meios de transporte e de informação que dificulta o registro de nascimento nos rincões do país também leva o brasileiro a não formalizar a morte. Novidade introduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no questionário do Censo 2010, o cadastro de óbitos revelou dados alarmantes de subnotificação, especialmente no caso de crianças menores de 1 ano. No Maranhão, por exemplo, enquanto os cartórios registraram 598 mortes nessa faixa etária, o número real é de 2.246 — uma diferença de 275,6%. No Piauí, segundo estado onde o fenômeno mais ocorre, os registros eram de 315, 113,7% a menos que os 673 óbitos contabilizados pelo IBGE. Amazonas e Pará vêm em seguida.
Os dados foram obtidos por Fernando Albuquerque, da Coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE. Ele cruzou as informações da Pesquisa de Registro Civil, feita pelo próprio instituto, que anualmente calcula os óbitos no país com base nas certidões de cartórios, e os resultados do Censo 2010. “Quando o recenseador chega às regiões mais distantes e pergunta se houve algum óbito, consegue capturar esse fenômeno importante. São famílias que precisam atravessar rios, percorrer quilômetros para obter o documento. Então, muitas vezes, enterram o filho no próprio quintal”, explica. Albuquerque ressalta que grande parte dos bebês que morrem prematuramente não chegou sequer a ter certidão de nascimento. “São crianças que passaram rapidamente pela vida sem nenhuma cidadania”, diz.
Registrar o fim da vida é importante porque o governo federal faz as estatísticas sobre violência, mortalidade infantil, mapas epidemiológicos, entre outros levantamentos, a partir dos dados dos cartórios. “Essas mortes precisam ser formalizadas até porque, em vários casos, foram consequência das condições de vida dessas famílias, que vivem sem atendimento sanitário, sem oferta de serviços de saúde”, diz Albuquerque. A quantidade de óbitos de menores de 1 ano em todo o Brasil, segundo o Censo, chegou a 35.055. Na última pesquisa com base em dados cartoriais, feita também pelo IBGE, o número era de 33.410. Para o presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), Rogério Bacellar, é preciso vontade política para levar os cartórios para perto das populações desassistidas. “Nós propusemos pela segunda vez ao governo federal uma parceria. Que a União cedesse os ônibus apreendidos pela Justiça com contrabando, há muitos em Foz do Iguaçu. Nós os reformaríamos e faríamos cartórios itinerantes. Mas até agora não tivemos resposta”, destaca Bacellar, informando que a ideia foi encaminhada à Casa Civil, para que intermediasse a negociação com a Secretaria de Direitos Humanos, responsável pelo assunto no governo federal.
Bacellar destaca que, como os serviços são gratuitos, tanto a certidão de nascimento quanto a de óbito, os cartórios civis dentro de comunidades pequenas não teriam sustentabilidade econômica. “Com exceção dos processos de casamento e divórcio, não há transação monetária, tanto é que são bancados por outros cartórios, por meio de um fundo. O melhor, nesses casos, é mesmo o serviço itinerante, que já ocorre em alguns estados com sucesso, mas precisa ser aprimorado. Uma criança sem certidão de nascimento não consegue fazer nada. Não vai à escola, não entra nos programas sociais, não existe. A de óbito também deve ser incentivada”, afirma. A Secretaria de Direitos Humanos foi procurada pela reportagem, mas não retornou.
Em 14 unidades da Federação foi verificada subnotificação de mortes de menores de um ano. Estados do Norte e do Nordeste são a maioria. Da Região Sul, estão Santa Catarina e Paraná, mas com índices baixos. Apesar da campanha atual do governo federal, estrelada pela cantora Ivete Sangalo, sobre a importância do registro de nascimento, só a oferta mais facilitada do serviço levará a uma queda na subnotificação. “A pessoa não vai gastar R$ 10, que certamente depois fará falta, para viajar até o cartório”, diz Bacellar. O estado do Amazonas é emblemático na dificuldade de locomoção porque, dependendo do local, o morador de uma vila pode levar dias de barco para chegar à capital, Manaus.
Metodologia Embora a Pesquisa de Registro Civil considere as mortes ocorridas de janeiro a dezembro de 2009 e o Censo trabalhe com os dados de óbitos relativos a agosto de 2009 a julho de 2010, a comparação é correta, segundo Fernando Albuquerque, da Coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE. “Nas duas bases temos 12 meses, sendo seis deles iguais em ambas as fontes. Então, não há problema metodológico algum. Até porque a morte não muda tanto tão rapidamente, a menos que haja uma epidemia violenta ou guerra, o que não é o caso”, explica. Enquanto a Pesquisa de Registro Civil é feita anualmente, o Censo só se repete a cada 10 anos.
DF enfrenta problema inverso
No Distrito Federal, ocorre o movimento contrário. Aqui, considerando as informações das certidões de óbito, o número de crianças com menos de 1 ano que morrem anualmente é 30% maior que a estatística levantada pelo Censo 2010.
“A razão disso possivelmente está na utilização dos cartórios da capital pelos moradores do Entorno. Muitos, por desconhecimento, têm medo de o cartório não aceitar um endereço de fora e usam o endereço de um parente ou de um conhecido do DF”, avalia Fernando Albuquerque, da Coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE e autor do levantamento que rastreou a subnotificação dos óbitos infantis.
Em termos absolutos, a diferença entre os óbitos formalmente registrados por ano nos cartórios (516) e os registrados pelo Censo (359) chegou a 31, colocando o DF no topo do fenômeno da notificação acima do número real no país. Em seguida, vieram Acre, Amapá e Pernambuco. Mas é o Sudeste que aparece em peso no ranking. Em São Paulo, no lugar das 7.426 mortes de menores de 1 ano registrada anualmente, o Censo descobriu que eram 6.105 — 17,8% a menos. Minas Gerais tem índice também negativo de 10,7%. O Rio de Janeiro concentra 10% a menos de mortes do que apontava o levantamento feito com base nos documentos oficiais dos cartórios. No Espírito Santo, a discrepância para baixo foi muito reduzida, 3,9%. (RM)
Fonte: Jornal Correio Braziliense
Publicado em 21/11/2011
Extraído de Recivil