TJMG. Jurisprudência. Divórcio. Comunhão universal. Prova.


TJMG. Jurisprudência. Divórcio. Comunhão universal. Prova.


APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DIVÓRCIO - COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS - PARTILHA - VEÍCULO - USUCAPIÃO FAMILIAR - ÔNUS DA PROVA


- O casamento pelo regime da comunhão universal de bens importa na comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, à exceção daqueles previstos pelo art. 1.668 do Código Civil, cujas hipóteses de incidência não se aplicam ao caso dos autos.


- Sendo incontroversa a aquisição do veículo na constância do casamento, incumbe ao apelante comprovar que foi alienado por valor inferior ao valor de mercado, bem como que teria a apelada retirado os bens móveis da residência sem a sua autorização para que fosse possível a compensação pretendida. Ausente a comprovação de suas alegações, prevalece a disposição contida na sentença.


- Nos termos do art. 1.240, a, do Código Civil, a ``usucapião familiar'' será reconhecida quando o imóvel urbano utilizado como moradia for de ambos os cônjuges, com área inferior a 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) e desde que haja abandono por um deles do imóvel, por mais de 2 (dois) anos ininterruptos, sem oposição.


- Comprovado nos autos que as partes não são proprietárias do imóvel e que este possui área superior à prevista em lei, havendo, ainda, indícios de que o abando do lar por parte da apelada se deu em razão de violência doméstica, não há que se falar em usucapião familiar.

Apelação Cível nº 1.0000.24.116198-3/001 - Comarca de Betim - Apelante: V.A.P. - Apelado: C.C.S.P. - Relator: Des. Alexandre Santiago


ACÓRDÃO

Vistos, etc., acorda, em Turma, a 8ª Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.


Belo Horizonte, 11 de abril de 2024. - Alexandre Santiago - Relator.


VOTO

DES. ALEXANDRE SANTIAGO - Trata-se de recurso de apelação, interposto por V.A.P., em face da sentença de Ordem 102, proferida pelo MM. Juiz da 2ª Vara de Família, Sucessões e Ausência da Comarca de Betim, nos autos da ação de divórcio ajuizada por C.C.S.P.O., que julgou parcialmente procedente o pedido inicial para condenar o requerido a indenizar a autora em metade do valor da tabela FIPE do veículo na data da separação de fato, 04.05.2017, com juros e correção monetária. Partilhou os direitos possessórios sobre o imóvel tratado nos autos, à razão de 50% (cinquenta por cento), observando-se a avaliação realizada.


Embargos de declaração rejeitados à Ordem 108.

Em suas razões recursais, Ordem 112, insurge-se o requerido alegando que é fato incontroverso que as partes se separaram em 2017, por opção exclusiva da autora, que abandonou o lar deixando o requerido e seus filhos, como comprovado nos autos.

Salienta que o patrimônio das partes estava limitado ao imóvel localizado na Rua [...], nº [...], Bairro [...], Betim/MG, e ao automóvel Chevrolet/Monza SLE, Placa [...], Ano/Fab 1992/1993, sendo que este foi vendido por apenas R$1.500,00 (mil e quinhentos reais), pois, além de ser antigo, não estava em boas condições, devendo ser compensado com os utensílios domésticos que a apelada levou consigo, devendo a sentença ser reformada para excluir a obrigação de indenizar. Sucessivamente, que seja reduzido o percentual para 30% (trinta por cento).


Quanto à partilha dos direitos possessórios sobre o imóvel, afirma que deve ser declarada a perda do direito da apelada tendo em vista a ocorrência da usucapião familiar em seu favor.

Sucessivamente, assevera que o direito sobre o imóvel é apenas possessório, e a apelada, ao abandoná-lo, deixou de exercer a posse, motivo pelo qual não pode ser partilhado.

Requer o provimento do presente para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido relativo à partilha dos bens.


Justiça gratuita deferida na instância de origem. Contrarrazões à Ordem 114.


É o relatório.


Decido.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Verifica-se dos autos que as partes contraíram matrimônio adotando o regime de comunhão universal de bens, conforme certidão de casamento de f. 07 (doc. único).

Estabelece o Código Civil que o regime de comunhão universal importa na comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com algumas exceções:


``Capítulo IV - Do Regime de Comunhão Universal

Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte.


Art. 1.668. São excluídos da comunhão:

I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;

II - os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;

III - as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum;

IV - as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade;

V - os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.

Art. 1.669. A incomunicabilidade dos bens enumerados no artigo antecedente não se estende aos frutos, quando se percebam ou vençam durante o casamento''.


Sobre o assunto, a lição de Maria Berenice Dias elucida:

``[...] o fim da vida em comum leva à cessação do regime de bens - seja ele qual for -, porquanto já ausente o ânimo socioafetivo, real motivação da comunicação patrimonial. Esse é o momento de verificação dos bens para efeitos de partilha'' (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 302).

Nesse regime, a regra é a comunicabilidade de todos os bens do casal, presentes e futuros, salvo as exceções legais.


O ilustre doutrinador Sílvio Salvo Venosa esclarece:

``Como regra, tudo que entra para o acervo dos cônjuges ingressa na comunhão; tudo que cada cônjuge adquire torna-se comum, ficando cada consorte meeiro de todo o patrimônio ainda que um deles nada tivesse trazido anteriormente ou nada adquirisse na constância do casamento. Há exceções, pois a lei admite bens incomunicáveis, que ficarão pertencendo a apenas um dos cônjuges, os quais constituem um patrimônio especial.

[...]


No regime de comunhão universal, há um patrimônio comum, constituído por bens presentes e futuros. Os esposos têm a posse e a propriedade em comum indivisa de todos os bens, móveis e imóveis, cabendo a cada um deles a metade ideal. Como consequência, qualquer dos consortes pode defender a posse e a propriedade dos bens. Cuida-se de sociedade ou condomínio conjugal, com caracteres próprios'' (VENOSA, Sílvio Salvo. Direito Civil: direito de família. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 353).


Feitos esses esclarecimentos, passo à revisão da partilha estabelecida na sentença.

No que se refere ao veículo adquirido pelo casal, Monza, ano 1992/1993 (f. 16 - doc. único), foi determinada a indenização à apelada em metade do valor da tabela FIPE do veículo na data da separação de fato, 04.05.2017, com juros e correção monetária, visto que foi alienado pelo apelante.


Em que pese o recorrente afirmar que o veículo estava em condições precárias, tendo auferido apenas a quantia de R$1.500,00 (mil e quinhentos reais) com a venda do bem, não produziu nenhuma prova neste sentido, não tendo apresentado o comprovante de venda ou qualquer outro documento capaz de comprovar sua alegação.

Não há, ainda, justificativa plausível para a redução do percentual devido à apelada para 30% (trinta por cento), visto que viola a norma legal que estabelece a paridade de direitos sobre os bens adquiridos pelo ex-casal.


Por essa razão, prevalece intacta a sentença nessa parte.


No que se refere ao imóvel, estabelece o art. 1.240, a, do Código Civil os requisitos legais:

``Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.


§ 1º O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez''.

Na tentativa de proteger o cônjuge/companheiro que permaneceu no imóvel adquirido pelo casal após o fim do relacionamento, já que, muitas vezes, é quem arca sozinho com as despesas decorrentes do imóvel, esse dispositivo legal possibilitou-lhe a aquisição exclusiva da propriedade pela via da usucapião.


Com efeito, para o reconhecimento da ``usucapião familiar'', torna-se necessário que o imóvel urbano tenha área inferior a 250m², que a propriedade seja de ambos os cônjuges ou companheiros e utilizada como moradia, e que haja abandono por um deles do imóvel, por mais de 2 (dois) anos ininterruptos, sem oposição.


In casu, a improcedência da demanda baseou-se no fato de que as partes não são proprietárias do bem.


Outrossim, em análise do laudo de avaliação oficial de f. 129 (doc. único), denota-se que o imóvel tem, aproximadamente, 360m².


Ademais, há indícios nos autos de que o ``abando'' do lar por parte da apelada se deu em razão de violência doméstica, e não por ato voluntário, o que afasta, também, o pedido sucessivo.


Dessa forma, resta clara a ausência dos requisitos legais a amparar a pretensão do recorrente.


Isso posto, nego provimento ao recurso.


Custas e honorários recursais que fixo em R$1.000,00 (mil reais), pelo apelante, ficando suspensa sua exigibilidade por litigar sob o pálio da justiça gratuita.


Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Ângela de Lourdes Rodrigues e Carlos Roberto de Faria.


Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.


DJe
Extraído de Sinoreg-MG

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