TJMG. Jurisprudência. Doação. Usufruto. Extinção. Ausência de requisitos para retomada.

TJMG. Jurisprudência. Doação. Usufruto. Extinção. Ausência de requisitos para retomada.


APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - IMÓVEL DOADO AOS FILHOS COM USUFRUTO VITALÍCIO EM FAVOR DO GENITOR - FALECIMENTO - RETOMADA DO BEM - AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DE REINTEGRAÇÃO - IMPROCEDÊNCIA DO PLEITO REINTEGRATÓRIO - DIREITO REAL DE HABITAÇÃO - DE CUJUS MERO USUFRUTUÁRIO - MAJORAÇÃO - HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS - CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO


- Nos termos do art. 561 do Código de Processo Civil, o pleito de reintegração de posse pressupõe prova da posse anterior e sua perda, ônus do qual não se desincumbiram os demandantes.


- Não há que se falar em direito real de habitação, se o companheiro falecido não mais era proprietário do imóvel, mas apenas usufrutuário, quando da abertura da sucessão.


- Os honorários advocatícios de sucumbência devem ser fixados dentro dos limites previstos no § 2º do art. 85 do CPC, exceto nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, casos em que se faz necessária a fixação por equidade.


Apelação Cível nº 1.0000.22.066111-0/001 - Comarca de Uberaba - Apelantes: Eva de Fátima Goncalves, Paulo César Gonçalves, Simone Aparecida Gonçalves - Apelada: Lúcia Maria Blanco - Relator: Marco Antônio de Melo


ACÓRDÃO


Vistos, etc., acorda, em Turma, a 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao primeiro recurso e dar parcial provimento ao segundo recurso.


Belo Horizonte, 12 de julho de 2022. - Marco Antônio de Melo - Relator.


VOTO


MARCO ANTÔNIO DE MELO - Trata-se de recursos de apelação interpostos por Paulo César Gonçalves e outros, e por Lúcia Maria Blanco contra a sentença, doc. de ordem nº 71, que, nos autos da ação de reintegração de posse c/c perdas e danos, julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial, nos seguintes termos:


Logo, os autores não se desincumbiram do ônus da prova, conforme alude o art. 333, inciso I, do CPC, e, em consequência, não preencheram os requisitos do art. 927 do CPC, não demonstrando que estavam em posse anterior do bem.


Isso posto, julgo improcedente o pedido, com fincas no art. 487, I, do CPC/15.


Condeno os autores a custas, despesas processuais e honorários advocatícios que, com fincas no art. 85, § 2º, do CPC/15, fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa.


Nas razões recursais, doc. de ordem nº 74, os primeiros apelantes alegam, em síntese, que eram proprietários do imóvel e que a posse esteve com seu genitor, na condição de usufrutuário vitalício.


Afirmam que o usufruto foi estabelecido ao genitor dos primeiros apelantes, o que os impedia de ter a posse direta do imóvel, sendo que, desde a morte do referido, os proprietários vêm buscando, de todas as maneiras, reaver o único bem que possuem, mas que, de forma ardilosa, a segunda apelante busca se manter no imóvel, sem causa nenhuma que a sustente.


Requer, ao final, o provimento do recurso para julgar procedente o seu direito à reintegração na posse do imóvel em litígio, com a expedição de ordem de despejo da segunda apelante.


Ausente o comprovante de pagamento do preparo recursal, visto que a apelante litiga sob o pálio da gratuidade da justiça.


Sem contrarrazões.


Relatados.


Decido.


A controvérsia recursal se limita à análise do alegado direito dos autores de serem reintegrados na posse do imóvel em litígio.


A sentença recorrida julgou improcedente o pedido inicial, ao principal fundamento de que os autores não cumpriram os requisitos do art. 561 do CPC, deixando de comprovar a posse anterior.


Sabe-se que, nas ações possessórias, o autor pleiteia a proteção de sua posse contra ameaça, turbação ou esbulho praticado por terceiro; na ação de reivindicação de posse, o autor busca obter para si a posse de coisa que se encontra na posse de outrem, invocando, para tanto, um fato jurídico que lhe dá direito à tomada da coisa.


Confira-se, por oportuno, a distinção feita pelo jurista Daniel Amorim Assumpção Neves com a didática que lhe é peculiar:


``A tutela da posse desenvolve-se por meio de três diferentes espécies de ações, chamadas de interditos possessórios: reintegração de posse, manutenção de posse e interdito proibitório. Quando a demanda versar sobre o domínio da coisa, terá natureza petitória, não se aplicando a ela as regras previstas no procedimento especial das ações possessórias. Como bem asseverado pela melhor doutrina, a característica da ação possessória é a tutela de um possuidor contra um fato que ofenda a sua posse, de forma que são excluídas do âmbito das ações possessórias as demandas em que se alegue a existência de relação jurídica que dê ao autor direito à posse, tais como a imissão de posse e a ação de nunciação de obra nova. Os embargos de terceiro tutelam a posse, mas, nesse caso, a ofensa deriva de ato judicial, o que é suficiente para a distinção entre essa ação e as ações possessórias'' (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil - Volume único. 8. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p. 1.524).


À luz dessas considerações, conclui-se que, nesse tipo de demanda, para sagrar-se vitorioso, incumbe ao autor comprovar a existência de uma relação jurídica que constitua em seu favor o direito de posse sobre a coisa, pretendendo, dessa forma, recuperar seus poderes dominiais. Lado outro, cumprirá ao réu demonstrar que sua posse não é injusta.


Pois bem.


No caso em pauta, os primeiros 1º apelantes constam no registro de compra e venda do imóvel como compradores, sendo o genitor usufrutuário vitalício, doc. de ordem nº 2.


Ocorre que, em 15 de janeiro de 2011, o Sr. Manoel Gonçalves, então usufrutuário, faleceu, permanecendo no imóvel sua companheira, ora segunda apelante.


Ora, conforme dispõe o Código de Processo Civil, nas ações possessórias, ao autor incumbe:


``Art. 561 Incumbe ao autor provar:


I - a sua posse;


II - a turbação ou esbulho praticado pelo réu;


III - a data da turbação ou do esbulho;


IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração''.


Nesse sentido, o entendimento deste e. Tribunal:


``Apelação cível. Ação de reintegração de posse. Posse, esbulho e perda da posse comprovados. Direito reconhecido. Na ação de reintegração de posse, compete à parte autora comprovar o exercício da posse sobre o bem litigioso, o esbulho praticado pela parte ré e a perda da posse, nos termos do art. 561 do CPC/15. Presentes todos os requisitos acima mencionados, impõe-se a concessão da tutela possessória pretendida pela parte requerente'' (TJMG - Apelação Cível nº 1.0000.21.176415-4/001, Rel. Des. Arnaldo Maciel, 18ª Câmara Cível, j. em 14/12/2021, p. em 14/12/2021).


``Apelação cível. Ação de reintegração de posse. Litispendência com ação de busca e apreensão. Preliminar rejeitada. Posse reconhecida por droit de saisine. Imóvel invadido após o falecimento do possuidor/promitente comprador. Esbulho comprovado. Alegação de convivência com o falecido. Renúncia ao direito em ação de reconhecimento de união estável. Litigância de má-fé. Condenação ao pagamento de multa. Art. 80, I e VII, c/c art. 81 do CPC. A litispendência se dá quando uma ação é idêntica a outra ao conter as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, razão pela qual a segunda ação deve ser extinta sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, V, do CPC. - Quem se proclama possuidor deve ultrapassar os requisitos legais atinentes à matéria (CPC, art. 561), incumbindo-lhe o ônus da prova (CPC, art. 373, I) e, sem a comprovação desses requisitos, não pode a ação de reintegração de posse vingar. - Firme no droit de saisine, ao herdeiro se transmite a posse, a propriedade e os direitos do de cujus no momento de seu falecimento, nos termos do art. 1.784 do CC: `Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários'. - As provas conduzem à injustificada permanência dos requeridos no imóvel, uma vez que nele adentraram clandestinamente, após o falecimento do então possuidor, uma vez que possuíam a chave do imóvel em razão da amizade que existia entre os requeridos e o falecido. - A parte apelante resiste ao pedido de reintegração de posse ao argumento de convivência com o falecido por 13 (treze) anos no imóvel objeto da ação possessória, enquanto renunciou ao pedido de reconhecimento de união estável ao reconhecer que nunca chegou a residir com o falecido, o que revela a deliberada alteração da verdade dos fatos e interposição de recurso com propósito manifestamente protelatório, merecendo a reprimenda legal'' (TJMG - Apelação Cível nº 1.0000.20.021328-8/002, Rel. Des. José Eustáquio Lucas Pereira, 18ª Câmara Cível, j. em 7/12/2021, p. em 7/12/2021).


``Apelação cível. Ação de reintegração de posse. Assistência judiciária. Comprovação da necessidade demonstrada. Deferimento. Exercício da posse, esbulho e perda da posse comprovados. Preenchimento dos requisitos do art. 560 Código de Processo Civil 2015. Direito reconhecido. Com fulcro no art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, a assistência judiciária só deverá ser deferida àqueles comprovadamente necessitados, não bastando a simples declaração da parte de que não tem condições financeiras de arcar com os custos do processo judicial, sem prejuízo de seu sustento e de sua família, para a sua concessão. Comprovada a hipossuficiência financeira da requerente do benefício previsto na Lei nº 1.060/50, o deferimento do pedido é medida que se impõe. Na ação de reintegração de posse, compete à parte autora comprovar o exercício da posse sobre o bem litigioso, o esbulho praticado pela parte ré e a perda da posse, nos termos do art. 560 do Código de Processo Civil de 2015, de modo que, comprovado que o autor exercia a posse indireta do bem, que a ocupação pela parte ré se deu por ato de mera permissão e que houve a notificação para a respectiva desocupação, impõe-se a concessão da tutela possessória pretendida pelo requerente'' (TJMG - Apelação Cível nº 1.0000.17.043531-7/002, Rel. Des. Arnaldo Maciel , 18ª Câmara Cível, j. em 30/11/2021, p. em 30/11/2021).


Em análise dos autos, não vejo evidenciada a posse anterior dos primeiros apelantes, sendo que as provas testemunhais corroboraram no sentido de que a segunda apelante morou com o usufrutuário do bem por longos anos no local.


Além disso, inexiste qualquer menção no sentido de que algum dos autores, em dado momento, houvesse residido no imóvel, segundo o documento de ordem nº 60.


Vejamos um trecho dos depoimentos testemunhais:


Testemunha Maria Helena Rocha dos Santos Morais:


``Que não conhece os autores. Que conhece a requerida, há 35 anos, que conheceu Manoel Gonçalves. Que a depoente conheceu Lúcia e acredita que, na época, tinha uns 20 anos e que ela já tinha filhos, que os filhos eram de Manoel. Que é vizinha do imóvel da Rua Paraíba, onde a requerida reside. Que os autores nunca tiveram posse do imóvel da Rua Paraíba. Que desde que conhece a requerida e Sr. Manoel informa que aposse do imóvel da Rua Paraíba sempre foi deles. Que a requerida nunca abandonou o imóvel, sempre permaneceu no imóvel. Que o imóvel é velho. Que no imóvel não existe benfeitoria, mas é um imóvel velho, sendo uma casa simples. Que não tem conhecimento se a requerida recebe uma pensão deixada por Manoel''.


Dessarte, não tendo os primeiros apelantes comprovado a posse anterior, o presente apelo não merece acolhimento.


Relativamente ao direito real de habitação, conforme estabelece o art.1.831 do Código Civil, é certo que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que o cônjuge sobrevivente tem o direito real de habitação sobre o imóvel em que residia o casal, desde que seja o único dessa natureza e que integre o patrimônio comum ou particular do cônjuge falecido no momento da abertura da sucessão.


Nesse contexto, embora o imóvel fosse utilizado como residência pelo de cujus e sua companheira, ora segunda apelante, não há que se falar em direito real de habitação, já que o falecido não mais era proprietário do imóvel, apenas usufrutuário.


A esse respeito, menciono os seguintes julgados do STJ e deste Tribunal de Justiça, respectivamente:


``Recurso especial. Direito civil. Ação de reintegração de posse. Violação de dispositivo constitucional. Inviabilidade. Usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal. Revisão do julgamento. Impossibilidade. Súmula 7/STJ. Direito real de habitação. Cônjuge sobrevivente. Aclaratórios. Prequestionamento. Ausência de caráter protelatório. - A análise de suposta violação a dispositivos e princípios da Lei Maior é vedada em sede especial, sob pena de usurpação da competência atribuída pelo constituinte ao Supremo Tribunal Federal. - A revisão, em sede de recurso especial, do julgamento realizado pelo Tribunal de origem, com base no complexo fático-probatório, encontra óbice no teor da Súmula 7 desta Corte Superior. - Conforme a jurisprudência desta Corte, o cônjuge sobrevivente tem direito real de habitação sobre o imóvel em que residia o casal, desde que seja o único dessa natureza e que integre o patrimônio comum ou particular do cônjuge falecido no momento da abertura da sucessão. - Peculiaridade do caso, pois o cônjuge falecido já não era mais proprietário do imóvel residencial, mas mero usufrutuário, tendo sido extinto o usufruto pela sua morte. - Figurando a viúva sobrevivente como mera comodatária, correta a decisão concessiva da reintegração de posse em favor dos herdeiros do falecido. - Os embargos de declaração que objetivam prequestionar as matérias a serem submetidas às instâncias extraordinárias não se revestem de caráter procrastinatório, devendo ser afastada a multa prevista no art. 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil (Súmula 98/STJ). Recurso especial parcialmente provido apenas para afastar a multa'' (REsp 1.273.222/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j. em 18/6/2013, DJe de 21/6/2013).


``Agravo de instrumento. Tutela de urgência. Concessão. Requisitos. Direito real de habitação. Usufruto em favor do companheiro falecido. Impossibilidade. - Concede-se a tutela de urgência quando, a um exame próprio da fase inicial, as alegações do autor se mostrarem verossímeis e quando, se não concedida a tutela, houver fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação para o postulante. - O óbito do pai dos agravantes ensejou a extinção do usufruto, consoante determina o art. 1.410, I, do Código Civil, sendo incabível o reconhecimento do direito real de habitação em favor da agravada, pois o seu companheiro não era o proprietário do imóvel, mas mero usufrutuário do bem'' (TJMG - Agravo de Instrumento Cível nº 1.0607.16.003878-4/001, Rel. Des. Maurílio Gabriel, 15ª Câmara Cível, j. em 7/2/2019, p. em 15/2/2019).


Conforme dispõe o Código de Processo Civil, os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa como também o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.


Diante disso, em razão do valor irrisório da causa, qual seja R$1.000,00, razão assiste à segunda apelante quanto à sua postulação.


Desse modo, reformo a sentença nesse quesito e arbitro os honorários de sucumbência por equidade, no valor de R$2.000,00 (dois mil reais).


Ante o exposto, nego provimento ao primeiro recurso e dou provimento, em parte, ao segundo, para majorar os honorários advocatícios sucumbenciais.


Em razão da sucumbência recíproca, fixo as custas recursais em 75% pelos primeiros apelantes, e 25% pela segunda apelante.


Atendendo ao disposto no art. 85, § 11, do CPC, majoro os honorários advocatícios sucumbenciais recursais, para R$200,00 (duzentos reais), na mesma proporção da condenação das custas.


Suspendo a exigibilidade para a segunda apelante, por estar sob o pálio da justiça gratuita.


É como voto.


Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Arnaldo Maciel e Sérgio André da Fonseca Xavier.


Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO SEGUNDO RECURSO.


DJe
Extraído de Sinoreg/MG

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