Análise crítica do contrato de doação no âmbito das relações jurídicas condominiais

Análise crítica do contrato de doação no âmbito das relações jurídicas condominiais

Vander Andrade

A doação, concebida como modalidade contratual bilateral, requer manifestação de vontade das partes. No contexto condominial, a assembleia deve autorizar expressamente. A formalização, inclusive em cartório, é essencial, especialmente se envolver ônus.

terça-feira, 28 de maio de 2024
Atualizado às 09:13

Tratando-se de negócio jurídico bilateral, deve-se conceber o instituto da doação como uma modalidade contratual.1 Nesse sentido, resta vetusta e obsoleta a classificação oriunda do Direito Romano2 de que a doação encontra a sua natureza jurídica como "modo de aquisição da propriedade".

Com efeito, no âmbito dos condomínios edilícios, não é raro se deparar com empresas que queiram doar bens ao condomínio, o mesmo ocorrendo, vez ou outra, até mesmo com condôminos. Ademais, nada obsta que o condomínio possa ser o doador de bens ou de valores, desde que, para esse fim, tenha sido expressamente autorizado pela assembleia geral de coproprietários.

Nesse sentido, para que a doação se aperfeiçoe, necessário se faz que se manifeste materializada a vontade de, pelo menos, duas partes. Ter-se-á, nessa particular e especial relação jurídica contratual, a figura, de um lado, a do doador (aquele que realiza a doação), e de outro, a do donatário (aquele que recebe a doação).

Segundo o nosso sentir, para que o condomínio possa receber uma doação, especialmente de grande expressão, convém seja consultada a assembleia geral de condôminos, em especial, quando referido negócio jurídico contemplar algum tipo de ônus ou obrigação. Convém ainda que ela venha a ser formalizada e até mesmo levada e registro em Cartório de Títulos e Documentos.3

Por vezes, a doação vem travestida de ato de mera liberalidade4 e despretensão, quando na verdade, subliminarmente, ou de forma expressa, importa em criar deveres jurídicos ao condomínio, muitas vezes prejudiciais aos interesses da coletividade.

Há assim de se examinar detidamente cada caso concreto, para que se possa aferir o grau de vantajosidade nas denominadas doações condicionadas, para que o negócio jurídico não venha a refletir em situação embaraçosa ou lesiva ao condomínio.

Cogite-se da empresa que, a pretexto de obter um contrato com prazo determinado por demais extenso, vem a oferecer "graciosamente" diversos "mimos" ao condomínio, como equipamentos diversos ou mesmo benfeitorias. Nesses casos, a vontade da assembleia deve ser colhida pelo síndico, bem como a situação concreta deve ser minuciosamente examinada, para que não se venha a deparar com uma hipótese de "cavalo de Tróia".

Há assim de se perquirir a consensualidade de ambas as partes envolvidas no contrato, exigindo-se, por um lado, a manifestação de aceite do donatário, lembrando, por demais, que a doação poderá ocorrer, especialmente quando sua manifestação de vontade no sentido de doar venha a ser reduzida a termo ou efetivada de outra maneira inconteste, hipótese em que haverá de independer da efetiva transmissão do bem doado para que possa atingir o status jurídico de aperfeiçoamento.

Confira aqui a íntegra do artigo.

----------------------

1 Nesse sentido, assim afirma o art. 538 do Código Civil brasileiro: "Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra".

2 Segundo a assentada orientação proveniente do Direito Romano, consolidada por meio das Institutas de Justiniano, a doação era incluída entre os meios de aquisição da propriedade, deixando de integrar as modalidades contratuais.

3 TJ/SC - Recurso Administrativo 56386502019. Jurisprudência - Acórdão - Data de publicação: 15/10/2019. RECURSO ADMINISTRATIVO. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA INVERSA. RECUSA DO TITULAR DO 2º TABELIONATO DA COMARCA DA CAPITAL EM LAVRAR ESCRITURA DE DOAÇÃO A CONDOMÍNIO EDILÍCIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA POR FALTA DE ANUÊNCIA DOS CONDÔMINOS. DESNECESSIDADE. CONDOMÍNIO DOTADO DE PERSONALIDADE JURÍDICA E AQUISIÇÃO EM BENEFÍCIO AOS CONDÔMINOS. POSSIBILIDADE DE LAVRATURA DO DOCUMENTO. RECURSO PROVIDO.

4 A partir de 2006, a liberalidade foi definida no art. 893 do Código Civil brasileiro, que dispõe: "A liberalidade é o ato através do qual uma pessoa dispõe a título gratuito do todo ou de parte de seus bens ou de seus direitos em benefício de outra pessoa".

Vander Andrade
Advogado. Especialista, Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Professor Universitário e de Pós-Graduação. Presidente da Associação Nacional de Síndicos Profissionais.

Fonte: Migalhas

Notícias

Erro essencial? Juíza nega anular casamento por doença mental da esposa

Caso de divórcio Erro essencial? Juíza nega anular casamento por doença mental da esposa Homem alegou que se casou sem saber de problema psiquiátrico, mas juíza não viu requisitos do CC para anulação. Em vez disso, concedeu o divórcio. Da Redação segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025 Atualizado às...

TJ-MG concede a quebra de sigilo bancário em uma ação de divórcio

Cadê o dinheiro? TJ-MG concede a quebra de sigilo bancário em uma ação de divórcio 4 de fevereiro de 2025, 19h12 Ao decidir, o desembargador entendeu que estavam presentes no caso os requisitos do artigo 300 do Código de Processo Civil para a concessão de pedido liminar: probabilidade do direito e...

STJ: Partilha em que filho recebeu R$ 700 mil e filha R$ 39 mil é nula

Doação inoficiosa STJ: Partilha em que filho recebeu R$ 700 mil e filha R$ 39 mil é nula Relatora, ministra Nancy Andrighi, ressaltou a necessidade de respeitar a legítima dos herdeiros. Da Redação terça-feira, 4 de fevereiro de 2025 Atualizado às 18:04 STJ declarou nula partilha em vida realizada...

Planejamento sucessório: o risco da inércia da holding

Planejamento sucessório: o risco da inércia da holding No universo do planejamento sucessório, a ferramenta que certamente ganhou mais atenção nos últimos tempos foi a holding. Impulsionada pelas redes sociais e por um marketing sedutor, a holding tornou-se figurinha carimbada como um produto capaz...