Jurisprudência mineira - Embargo de terceiro - Penhora sobre imóvel em nome do cônjuge adquirido na constância do casamento
03/02/2014 11:00
Jurisprudência mineira - Embargo de terceiro - Penhora sobre imóvel em nome do cônjuge adquirido na constância do casamento - Cerceamento de defesa - Ausência de prova de doação
JURISPRUDÊNCIA CÍVEL
EMBARGOS DE TERCEIRO - PENHORA SOBRE IMÓVEL EM NOME DO CÔNJUGE ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO - CERCEAMENTO DE DEFESA - AUSÊNCIA DE PROVA DE DOAÇÃO - DÍVIDA CONTRAÍDA ANTES DO CASAMENTO - OBRIGAÇÃO QUE NÃO SE COMUNICA - REDUÇÃO DA PENHORA COM EXCLUSÃO DA MEAÇÃO PERTENCENTE À EMBARGANTE
- Uma vez ausente a intimação das partes para depoimento pessoal, em razão da falta de pagamento de verba indenizatória do oficial de justiça, preclusa a oportunidade para a produção da prova.
- Se o imóvel foi adquirido na constância do casamento e a embargante não comprovou que a aquisição se deu mediante doação, houve comunicação ao patrimônio do executado, devendo ser mantida a penhora sobre a meação do executado.
- Tendo a dívida sido contraída antes do casamento, a meação pertencente ao cônjuge do executado não responde pela dívida, nos termos do inciso III do art. 1.659 do CC.
Apelação Cível nº 1.0481.06.060399-2/001 - Comarca de Patrocínio - Apelante: Régia Mara Côrtes de Aguiar - Apelada: Val Luz Ltda. - Relator: Des. Rogério Coutinho
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em rejeitar a preliminar e dar parcial provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 30 de outubro de 2013. - Rogério Coutinho - Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
ROGÉRIO COUTINHO - 1 - Trata-se de embargos de terceiros propostos por Régia Mara Côrtes de Aguiar em face de Val Luz Ltda. buscando a anulação de penhora lançada sobre imóvel que alega ser de sua propriedade.
O Juiz da 1ª Vara Cível de Patrocínio - MG julgou improcedente a pretensão da embargante sob o fundamento de que a origem da dívida e a aquisição do bem penhorado datam da constância do casamento. Fundamentou, ainda, no fato de que se presume que a dívida foi contraída em prol da família (f. 46/49).
Inconformada, a embargante interpôs apelação, alegando, preliminarmente, ter ocorrido cerceamento de defesa em razão da falta do depoimento pessoal da apelada, requerido durante a instrução processual. No mérito, alegou que é equivocada a afirmativa de que o valor teria sido revertido em benefício da família da recorrente. O imóvel onde foi realizada a obra que deu origem à dívida é de propriedade do pai do executado, o que permite concluir que não houve proveito para a recorrente e sua família. Disse que a data da origem da dívida é anterior à data do matrimônio da recorrente. O contrato de prestação de serviço que deu origem à promissória foi firmado três meses antes do casamento e não foi impugnado pela recorrida na contestação.
Disse estar ausente a presunção de que houve benefício para a recorrente do débito contraído pelo executado (f. 62/73).
Foram apresentadas as contrarrazões ao recurso (f. 76/83).
É o relatório.
2 - Conheço do recurso, visto que próprio, tempestivo e preparado.
Do cerceamento de defesa.
Em relação ao adiamento da audiência, vale ressaltar que o comparecimento pessoal da autora somente se justificaria em razão do depoimento pessoal requerido pela ré.
Ocorre que a parte ré deixou de recolher a verba indenizatória para que fosse expedido mandado de intimação da autora, a fim de que prestasse seu depoimento.
A falta de intimação desobriga a parte de comparecer, uma vez que não poderá ser aplicada a pena de confissão. Ademais, a ré desistiu do depoimento pessoal da autora, não havendo então motivo para o adiamento requerido, em razão da impossibilidade de comparecimento da autora. Dessa forma, não há prejuízo para a apelante.
Quanto à ausência do depoimento pessoal da embargada, a embargante também deixou de recolher a verba indenizatória para o cumprimento do mandado de intimação da parte contrária, mesmo após ser intimada especificamente para tal fim (f. 41/42).
Sem a devida intimação, a pena de confissão, único objetivo do depoimento pessoal, fica obstada em razão da exigência trazida pelo § 1º do art. 343 do CPC:
"Art. 343. Quando o juiz não o determinar de ofício, compete a cada parte requerer o depoimento pessoal da outra, a fim de interrogá-la na audiência de instrução e julgamento.
§ 1º A parte será intimada pessoalmente, constando do mandado que se presumirão confessados os fatos contra ela alegados, caso não compareça ou, comparecendo, se recuse a depor".
Restou configurada, então, a preclusão do depoimento pessoal pretendido.
Do mérito.
A controvérsia no presente caso reside na possibilidade de a penhora recair sobre imóvel que se encontra registrado em nome do cônjuge do executado.
Conforme afirmado pela própria embargante na petição inicial, o casamento ocorreu em 09.07.1999, sob o regime de comunhão parcial de bens.
De acordo com a norma do art. 1.658 do CC, na comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento.
Entretanto, o art. 1.659 do CC traz algumas exceções, entre elas a hipótese de o bem ter sido adquirido na constância do casamento, por doação.
O imóvel foi adquirido em 08.07.2002, nos termos da escritura pública de f. 11, portanto durante o casamento, o que, em princípio, evidencia que houve a comunicação ao executado.
Contudo, alega a embargante que o imóvel foi adquirido mediante doação de recursos por seu pai. Trouxe como único meio de prova de tal alegação uma declaração do executado nesse sentido.
Ora, a declaração firmada pelo cônjuge, executado, não possui a capacidade de comprovar a doação do imóvel, visto que é parte diretamente interessada, não havendo qualquer outra prova nesse sentido. A própria escritura pública não faz qualquer referência à alegada doação.
Portanto, ausente a prova da doação, a comunicação do imóvel ao cônjuge deve ser reconhecida (art. 1.658 do CC), com a conseqüente meação a que faz jus o executado.
Nesse sentido, não resta dúvida sobre a possibilidade de penhora de 50% do imóvel, correspondente à meação do executado.
Com relação à outra metade do imóvel, pertencente à embargante, esta alega que não é responsável pelo pagamento da dívida, uma vez que foi contraída antes do casamento, e que não foi realizada em proveito da família do executado.
Analisando os autos, em especial o contrato de prestação de serviços, resta evidente que a dívida executada originou-se de obrigação assumida pelo executado antes do casamento (f. 14/15). Fato alegado na inicial e não impugnado pela embargada. Sobre a responsabilidade do cônjuge pelas obrigações assumidas antes do casamento, no regime de comunhão parcial, o art. 1.659, III, do CC traz outra exceção à comunhão:
"Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
[...]
III - as obrigações anteriores ao casamento;".
Neste caso, tratando-se de regime parcial de comunhão de bens, a obrigação anterior integra o acervo de cada um.
Ocorre que, na obrigação anterior ao casamento, por ser pessoal, aquele que a contraiu deverá responder com seus bens particulares ou com sua meação, sob pena de tratamento igual ao que é dado ao regime de comunhão universal.
A hipótese de a responsabilidade recair sobre os bens do cônjuge somente ocorre nos casos de regime de comunhão universal, nos termos do art. 1.668, III, do CC.
Sobre o tema nos ensina Silvio Rodrigues:
“Pelo regime da comunhão parcial, destaca-se o patrimônio anterior ao casamento. Assim, separado o acervo de cada um previamente existente, também as obrigações anteriores são exclusivas do respectivo cônjuge. E nem mesmo as obrigações em função do casamento, se assumidas apenas por um, serão estendidas ao outro cônjuge, diferentemente do que ocorre no regime da comunhão universal” (Direito civil - direito de família. 28. ed. rev. e atual. por Francisco José Cahali. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 6, p. 180/181).
Diante de tal conclusão, não se faz pertinente a análise sobre o benefício da dívida em favor do cônjuge e família, visto que prejudicada pela impossibilidade de a penhora onerar a meação da embargante.
3 - Assim, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa e dou parcial provimento ao recurso, apenas para reduzir a penhora à meação pertencente ao executado.
Custas recursais a serem rateadas entre as partes, igualmente.
É como voto.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Alexandre Santiago e Paulo Balbino.
Súmula - PRELIMINAR REJEITADA E RECURSO PROVIDO EM PARTE.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico - MG
Publicado em 31/01/2014
Extraído de Recivil