Mantida nulidade de doação que ultrapassou metade do patrimônio comum de casal
Mantida nulidade de doação que ultrapassou metade do patrimônio comum de casal
Em decisão unânime, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou dois recursos especiais e manteve decisão judicial que anulou parcialmente doação de ações realizada entre um empresário e seus filhos. Os efeitos da anulação atingem o montante que ultrapassou a metade do patrimônio comum do empresário e de sua atual companheira na data da transferência.
Por meio de ação de nulidade, o empresário narrou que foi casado até 1953, em relação que gerou três filhos. Ainda em 1952, contudo, iniciou união estável com outra mulher (também autora no processo), advindo desse relacionamento outro filho.
Em 2004, os autores, os filhos do empresário e outros sócios formaram duas empresas holdings, com a finalidade de obter participação societária em outras sociedades e administrar aluguéis. De acordo com o autor, a maior parte de seu patrimônio e de sua segunda esposa era constituída por ações em seu nome, distribuídas entre as duas companhias.
Segundo o empresário, um dos filhos do primeiro casamento, que estava à frente dos negócios das holdings, passou a levar até a sua residência documentos para assinatura, entre eles um termo de doação de todas as ações subscritas em nome dele em favor dos quatro filhos.
Adiantamento
O empresário afirmou que não sabia que o termo dizia respeito à doação da integralidade de suas ações. Alegou que foi induzido a erro, assinando doação de parte do patrimônio que pertencia a sua segunda mulher, de forma que a transação também dependeria da anuência dela.
Em primeira instância, o magistrado declarou nula somente a doação que excedeu o montante de 50% do patrimônio do casal à época da transação. Em relação à quantia restante, com base no Código Civil de 2002, o juiz entendeu ter havido apenas o adiantamento da futura herança cabível aos herdeiros (adiantamento de legítima), em operação que deveria ser registrada no momento do inventário.
A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).
Vício de consentimento
Tanto o casal quanto os três filhos do primeiro casamento do empresário recorreram ao STJ. Nas razões do recurso, o casal afirmou que seria necessária a anulação de toda a doação, seja por vício em relação ao consentimento da operação, seja por causa dos prejuízos aos direitos de meação e de herança da segunda mulher.
Já os três herdeiros alegaram que, apesar de a doação ter ocorrido em 2004, as ações transferidas tiveram origem em outra empresa, constituída em 1944, nove anos antes do início do segundo relacionamento. Assim, eles defenderam que a companheira não teria direito à meação do patrimônio.
Em relação ao recurso dos autores, o ministro relator, Marco Buzzi, considerou que não foi suficientemente esclarecida eventual ofensa legal cometida no julgamento da apelação. Dessa forma, o relator entendeu inadmissível o recurso por falta de delimitação da controvérsia, conforme estipula a Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal (STF).
No tocante à alegação dos herdeiros de que as ações não poderiam constituir parcela do patrimônio da companheira, o ministro Buzzi explicou que os bens discutidos foram formados por meio de sucessivos empreendimentos, aquisições de novas cotas sociais e transformações societárias, até a criação das duas empresas holding, em 2004.
Longa convivência
Dessa forma, seguindo o posicionamento das instâncias ordinárias, o relator entendeu que as ações doadas não foram formadas por mera valorização econômica das cotas societárias pertencentes ao empresário antes do início da convivência, mas de patrimônio construído e preservado durante o longo período de relacionamento do casal.
“Efetivamente, consoante atestado pelas instâncias ordinárias, a constituição do referido patrimônio se deu ‘em comunhão de esforços dos companheiros, no decorrer de mais de 50 anos de convivência’. Ressalte-se, no particular, que o próprio companheiro (em nome de quem se encontravam subscritas as ações) afirma e reconhece a participação, ainda que indireta, de sua convivente na formação do patrimônio”, concluiu o ministro relator ao negar o recurso dos herdeiros.
O valor a ser restituído ao patrimônio comum do casal deverá ser apurado durante a fase de liquidação de sentença.